O livro “Todos os Caminhos vão dar a Roma” foi editado em
Portugal e narra o processo de conversão do casal Scott e Kimberly Hahn ao
Catolicismo. Scott Hahn era um pastor protestante de grande ativismo e dedicado
nos estudos bíblicos que passou por um duro processo de conversão onde a Santa
Missa e a Eucaristia tiveram papel central. Depois de convertido ainda viveu
anos com sua esposa sem que esta abraçasse a verdade Cristã do
Catolicismo.
***
Ainda falando sobre o Scott Hahn, a
leitura do “Todos os caminhos vão dar a Roma” (DIEL, 5ª Edição, Lisboa, 2005)
revelou-me uma coisa interessante e completamente inusitada: a primeira aproximação que o casal Hahn teve da Doutrina
Católica foi justamente num dos temas mais controversos e impopulares mesmo
entre os que se dizem católicos: o controle de natalidade. Quando ainda eram
protestantes, os dois renderam-se à força dos argumentos católicos sobre o
assunto! Vale muitíssimo a pena transcrever – embora longas – as passagens mais
relevantes desta narrativa:
Scott:
Perguntei-lhe [a Kimberly, sua esposa] que coisa era essa tão interessante que
tinha descoberto sobre a contracepção. Disse-me que até 1930 a posição de todas
as Igrejas Cristãs em relação a este tema tinha sido unânime: a contracepção
estava mal em qualquer circunstância.
O meu argumento
foi:
- Se calhar demoraram todo esse
tempo a libertarem-se dos últimos vestígios do
catolicismo.
A Kimberly avançou um pouco
mais:
- Mas sabes que razões eles dão para se
oporem ao controlo de natalidade? Têm argumentos mais sérios do que possas
pensar.
Tive que admitir que não conhecia as
suas razões. A Kimberly perguntou-me se estava disposto a ler um livro sobre o
tema e deu-me “O controle da natalidade e a aliança
matrimonial”, de John Kippley (obra que foi posteriormente revista e
intitulada O sexo e a aliança matrimonial). Eu era um
especialista em teologia da Aliança e pensava que tinha lido todos os livros em
que a palavra aliança figurava no título; por isso, descobrir um que não
conhecia espicaçou-me a curiosidade.
Vi-o e pensei: Editorial Litúrgica?
Este tipo é um católico! Um papista! O que é que anda a fazer a plagiar a noção
protestante da aliança? Senti ainda mais curiosidade por ver o que dizia.
Sentei-me a ler o livro. Pensei: “Isto não está certo. Não pode ser… O que este
tipo diz faz sentido”. Demonstrava que o casamento não é um mero contrato,
envolvendo apenas um intercâmbio de bens e serviços. O casamento é sobretudo uma
aliança que implica um intercâmbio de pessoas.
O argumento de Kippley era que
qualquer aliança tem um ato pelo qual se consuma e se renova; e que o ato sexual
dos cônjuges é um ato de aliança. Quando a aliança matrimonial se renova, Deus
utiliza-a para dar nova vida. Renovar a aliança matrimonial e usar
contraceptivos para evitar uma potencial nova vida seria tanto como receber a
Eucaristia para a seguir a cuspir no chão.
Kippley prosseguia dizendo que o ato conjugal
demonstra de modo único o poder doador de vida do amor na aliança matrimonial.
Todas as outras alianças mostram e transmitem o amor de Deus, mas só na aliança
conjugal o amor é tão real e poderoso que comunica a
vida.
Quando Deus fez o ser humano, homem
e mulher, o primeiro mandamento que lhes deu foi o de serem fecundos e se
multiplicarem. Era assim uma imagem de Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, três
em um, a família divina. De maneira que quando “os dois se fazem um” na aliança
matrimonial, o “um” torna-se tão real que nove meses depois podem ter que lhe
dar um nome! O filho encarna a unidade da sua aliança.
Comecei a compreender que sempre que
a Kimberly e eu realizávamos o ato conjugal, realizávamos algo sagrado; e que
cada vez que frustrávamos o poder de dar vida do amor com a contracepção,
fazíamos algo profano (tratar algo sagrado de forma comum profana-o, por
definição).
[...]
Foi então que descobri que todos os
reformadores – Lutero, Calvino, Zwinglio, Knox, e todos os outros – tinham mantido sobre esta questão a mesma
posição que a Igreja Católica. Isso perturbou-me ainda mais. A Igreja Católica
era a única Igreja Cristã em todo o mundo que tinha a valentia e a integridade
de ensinar esta verdade tão impopular.
[...]
Kimberly:
O pequeno grupo [do trabalho do seminário] que teve que se debruçar sobre a
contracepção reuniu-se brevemente no primeiro dia ao fundo da sala. Um
autonomeado líder observou:
- Não temos que considerar a posição
católica, porque só há duas razões pelas quais os católicos se opõem à
contracepção: a primeira é que o Papa não se casa, e por isso não tem que viver
com as consequências; e a segunda é que querem encher o mundo de
católicos.
- São essas as razões que apresenta
a Igreja Católica? – interrompi – Não acredito.
- Então porque é que não estudas o
assunto?
- De
acordo.
E assim
fiz.
Em primeiro lugar, considerei a
natureza de Deus e de que forma nós, como membros do casal, estávamos chamados a
ser Sua imagem. Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – criou o homem e a mulher à
Sua imagem, e abençoou-os na aliança matrimonial com o mandato de crescerem e se
multiplicarem, enchendo a terra e dominando toda a criação para glória de Deus
(cf. Gen. 1, 26-28). A imagem à imitação da qual o homem e a
mulher foram criados é a unidade das três Pessoas da Trindade que se entregam
totalmente umas às outras numa plena autodoação de amor. Deus reafirmou este
mandato da criação na Aliança com Noé e sua família, dando-lhes o mesmo
mandamento de serem fecundos e se multiplicarem (cf. Gen. 9, 1
ss). Deste modo a existência do pecado
não alterou o apelo dirigido aos casais para serem imagem de Deus através da
procriação.
São Paulo esclareceu que, no Novo
Testamento, o casamento foi elevado à categoria de imagem da relação entre
Cristo e a Igreja (nesse momento não fazia a menor ideia que o casamento fosse
atualmente um sacramento). E pelo poder de dar vida próprio do amor, Deus
capacitava os esposos para refletirem a imagem de Deus na medida em que a
unidade dos dois se convertia em três. A minha questão era a seguinte: O nosso
uso do controle da natalidade – que intencionalmente restringe o poder doador de
vida do amor, ao mesmo tempo que se goza a unidade e o prazer que dá o ato
conjugal – permite que o meu marido e eu reflitamos a imagem de Deus numa total
autodoação de amor?
Em segundo lugar, examinei o que a
Escritura diz sobre as crianças. O testemunho da Bíblia era arrasador! Todos os
versículos que se referiam às crianças, consideravam-nas sempre e só como uma
bênção (Sal. 127, 128). Não havia um só provérbio que
advertisse que não valia a pena afrontar as despesas que um filho significa. Não
havia qualquer bênção para os esposos que adiassem o mais possível a chegada dos
filhos, nem para o casal que estivesse o número correto de anos sem filhos antes
de assumir o encargo que as crianças representam, nem para o casal que planeasse
cada concepção. Tudo isto eram ideias que eu tinha aprendido nos meios de
comunicação social, na escola pública ou com a vizinhança, mas não tinham nenhum
fundamento na Palavra de Deus.
Na Escritura, a fertilidade é apresentada
como algo que se deve apreciar e celebrar, não como uma doença que se deve
evitar a todo custo. E embora não tivesse encontrado nenhum versículo que
falasse negativamente das pessoas com famílias pequenas, à luz de numerosas
passagens bíblicas, não havia dúvida de que as famílias grandes pareciam ter
recebido de Deus uma graça maior. Era Deus que abria e fechava o ventre, e
quando Ele dava a vida isso era sempre considerado como uma bênção. Em última
instância, o que Deus desejava dos fiéis era “uma prole piedosa”
(Mal. 2, 15). As crianças eram descritas como “flechas nas
mãos de um guerreiro…, bendito o homem cuja aljava está cheia” [cf. Sl 126,
4-5]. Quem iria à batalha apenas com duas ou três flechas se pudesse ir com a
aljava cheia? A minha questão era a seguinte: o nosso uso do controle da
natalidade refletia o modo como Deus via as crianças ou o modo como as via o
mundo?
Em terceiro lugar punha-se a questão
do domínio de Jesus Cristo. Como protestantes evangélicos, o Scott e eu
tomávamos muito a sério o domínio de Cristo sobre as nossas vidas. No aspecto
monetário pagávamos o dízimo regularmente, sem nos importarmos que os nossos
fundos fossem escassos, porque queríamos ser bons administradores do dinheiro
que Deus nos tinha confiado. Uma e outra vez vimos como o Senhor supria às
nossas necessidades com mais do que nós Lhe tínhamos dado. Em termos de tempo,
observávamos o Dia do Senhor, pondo de parte o estudo, que era o nosso trabalho,
mesmo que tivéssemos exames à segunda-feira. Muitas vezes o Senhor nos premiou
por esse dia de descanso, e sempre tivemos excelentes resultados nos exames que
fizemos à segunda-feira. Em termos de talentos, aceitávamos que devíamos estar
sempre disponíveis para servir Deus com o nosso apostolado e acrescentávamos com
gosto obras de serviço ao trabalho abundante do estudo. Ver vidas abençoadas
como resultado desse apostolado fortaleceu enormemente a nossa fé e o nosso
casamento.
Mas, e
os nossos corpos? A nossa fertilidade? O domínio do Senhor estendia-se até aí?
Li então em I Cor 6, 19-20: “… não vos pertenceis.
Fostes comprados a grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo”.
Talvez fosse uma atitude mais americana do que religiosa pensar na fertilidade
como algo que podemos controlar como muito bem nos parecer. E eu perguntava-me:
o uso que fazemos do controlo da natalidade, demonstra uma fiel vivência do
domínio de Jesus Cristo?
[...]
No fundo, sabia bem com que é que
estava a lutar: com a autêntica soberania de Deus. Só Deus conhecia o futuro e
qual era o melhor modo de formarmos a nossa família com a prole piedosa que Ele
desejava que tivéssemos. Certamente, Ele já tinha dado provas de ser digno de
confiança de muitos outros modos. Sabia que podíamos confiar em que nos daria a
fé que necessitávamos para lhe confiar este aspecto da nossa vida, e para nos
dar a confiança de que esta visão fazia parte do Seu plano para nós, e que
verteria o Seu amor em nós, e através de nós, em todas as preciosas almas que
nos quisesse confiar. Aliás, conhecia muitos casais no seminário que “planeavam”
a chegada das crianças, para descobrirem depois que afinal o calendário de Deus
era diferente do deles.
[...]
Kippley fazia a seguinte comparação:
tal como acontecia na Roma antiga, em as pessoas participavam num banquete e
depois iam vomitar o alimento que acabavam de ingerir (para evitar as
consequências dos seus atos), o mesmo se passa com os esposos que celebram um
banquete no ato conjugal mas se opõem ao poder de dar vida que tem o ato de
renovação da sua aliança. Esta ações são contrárias à lei natural e à aliança
entre os esposos.
Da perspectiva de Kippley, que era a
perspectiva da Igreja Católica, o fim primordial do ato matrimonial era a
procriação dos filhos. Quando um casal
impede esse fim intencionalmente, atua contra a lei natural. Subverte a
renovação da sua própria aliança matrimonial, convertendo numa mentira o
compromisso dos esposos de se entregarem totalmente um ao
outro.
Agora compreendia por que razão a
Igreja Católica se opunha à contracepção. Mas o que dizer dos métodos de
planejamento familiar natural? Não eram simplesmente a versão católica do
controle da natalidade?
A Primeira Epístola aos
Coríntios (7, 4-5) fala de períodos de tempo nos quais os esposos
poderiam abster-se de manter relações sexuais para se dedicarem à oração,
reatando depois as suas relações, não deixando a Satanás nenhum resquício por
onde entrar no seu casamento. Lendo a
Humanae Vitae
cheguei a apreciar o equilíbrio da Igreja relativamente à contracepção. Havia
uma forma religiosa de se levar a cabo o ato conjugal e de ser prudente em
circunstâncias graves, praticando a abstinência durante períodos de mútua
fertilidade.
Tal como a comida – em que podia
haver temporadas nas quais o jejum fosse útil – de modo similar podia haver
períodos nos quais o “jejum” do ato conjugal, por razões meditadas na oração,
pudesse ser útil. Contudo, a não ser por milagre, ninguém poderia sobreviver se
jejuasse a maior parte do tempo. Igualmente, os métodos naturais de planejamento
familiar eram uma receita para momentos difíceis, não uma vitamina quotidiana
para a saúde geral.
[op. cit., pp 43-45.
50-56]
***
Fica, assim, o testemunho do valor
da Doutrina Católica, cujos argumentos, de tão claros, conseguiram convencer até
mesmo dois protestantes ferrenhamente anti-católicos. Não deixa de ser
profundamente irônico que, enquanto existem católicos rejeitando os ensinamentos
da Moral da Igreja, dois protestantes tenham se preocupado em defendê-los. Não
posso deixar de me lembrar da passagem do Evangelho (Lc
19, 39-40), onde Jesus disse que as pedras falariam se os discípulos se
calassem; não consigo deixar de achar que é algo extremamente eloquente que Deus
tenha suscitado protestantes para defenderem a Doutrina Católica quando os
católicos se envergonham dela.
Fonte: Deus lo Vult
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