Eclesiástico
18,1-14
Não somos, é claro, bastante tolos para imaginarmos que devemos encontrar em nós mesmos a onipotência absoluta de Deus. Entretanto, em nosso desejo de sermos “como deuses” – uma deformidade que perdura, impressa em nossa natureza pelo pecado original – procuramos o que se poderia chamar uma onipotência relativa; isto é, o poder de possuir tudo que queremos, de gozar de tudo que desejamos, de exigir que todos os nossos desejos sejam satisfeitos e que nossa vontade nunca se veja frustrada ou contrariada. É a necessidade de ver toda gente se curvar à nossa opinião e acatar nossas declarações como lei. É a sede insaciável pelo reconhecimento de nossa própria excelência, que tanto precisamos achar em nós mesmos para evitar o desespero. Essa pretensão à onipotência, nosso mais profundo segredo e nossa mais íntima vergonha, é, de fato, a fonte de todos os desgostos, de toda a infelicidade, de toda a insatisfação, de todos os enganos e decepções que sofremos. É uma falsidade radical que faz apodrecer nossa vida moral em suas raízes, porque torna tudo que fazemos mais ou menos uma mentira. Só os pensamentos e atos que estão livres da contaminação dessa secreta pretensão possuem alguma verdade, nobreza e valor.
Essa pretensão radical, psicológica à onipotência é a profunda impureza que mancha e divide a alma pura do homem. Essa exigência da parte de uma criatura limitada para ser tratada como o Ser Supremo e Absoluto é a terrível ilusão que nos condena à escravidão das paixões, da loucura e do pecado.
Evidentemente, só os psicopatas são capazes de declarar abertamente, com toda a franqueza, essa oculta pretensão. E é isso que os faz psicopatas. Desistiram da relativa normalidade, que exige que ocultemos essa absoluta fantasia nas profundezas de nossa alma. Arrogaram-se o direito de não fazer caso algum da realidade, para viver num mundo que convém ao seu ideal imaginário; isto é, mostram-se abertamente como “deus”, fazendo surgir um universo que eles próprios fabricaram, aniquilando (tanto quanto podem) toda outra realidade.
Aqueles que entre nós concordamos em chamar “sãos”, são os que mantêm a pretensão pessoal à absoluta perfeição e onipotência recalcada e disfarçada debaixo de certos símbolos mentais aceitos, e só fazem valer a sua pretensão em atos tornados aceitos por uma aparência externa de inocuidade e utilidade social.
O grande inimigo da pureza de coração é, portanto, o projeto básico, oculto, de ser melhor do que os outros, de fazer valer a própria liberdade à custa da liberdade alheia, de exaltar a própria vontade sobre a vontade dos outros e de elevar o próprio espírito acima dos espíritos dos que julgamos medíocres.
Desse projeto básico, central, vêm todos os outros projetos e ideais ilusórios. A alma vê-se devorada e dividida pelos incessantes esforços que envida para fazer valer sua pretensão radical, enquanto a mantém disfarçada debaixo de um exterior aceitável.
A vida de uma alma pura tornar-se extremamente simples. Mas a alma impura é e deve ser singularmente complicada. Há tanta coisa a fazer! É preciso fazer-se valer e se exaltar e, ao mesmo tempo, crer-se humilde e pronto ao sacrifício de si. É preciso acariciar, a todo custo, o sentimento de santidade e nobreza de que dependem a paz e a felicidade dessa alma. Portanto, é necessário estar alerta para notar todas as fraquezas e imperfeições dos outros, porque são, potencialmente, rivais. E é necessário ainda que esses outros sejam punidos “caridosamente” para que não levantem a cabeça à altura da nossa no caminho real da santidade. É preciso tomar cuidado para que, enquanto, abertamente, faz-se alarde de renunciar à vontade própria, essa vontade seja secretamente satisfeita. É preciso assegurar-se de que desejo algum deixe de ser satisfeito. Em uma palavra, cumpra-se a nossa vontade na terra como se cumpre, no céu, a vontade de Deus!
Uma vez que tudo isso é manifestamente impossível, S. Bernardo faz notar que essa alma está inevitavelmente sujeita à insegurança e ao medo. O medo é a “cor” que escurece a alma e torna obscura a imagem divina, retorcendo-a em um ídolo e uma caricatura. O medo é a “impureza” da alma que aspira a ser onipotente.
O homem decaído, portanto, é alguém em quem a Imagem Divina, ou o livre-arbítrio, se tornou escravo por se ter feito o seu próprio ídolo. A imagem de Deus é falseada pela “dessemelhança”. Sob a tirania desse ídolo, a própria liberdade se transforma em escravidão e o homem se atormenta, tentando querer o impossível, tentando verificar e provar sua absurda pretensão de ser um “deus”.
Qual é a resposta? Já a encontramos. É o sacramento da cruz, a fé e a obediência de Cristo, que, como diz S. Pedro, purificam nossos corações. O orgulho íntimo do homem decaído tem de ser crucificado na cruz da Verdade. O amor da Verdade e da cruz põe por terra o ídolo, coloca o homem em seu verdadeiro nível, devolve-lhe a liberdade, liberta-o do medo, fortifica-lhe a caridade e o torna capaz de viver e agir como filho de Deus. “A verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Não somos, é claro, bastante tolos para imaginarmos que devemos encontrar em nós mesmos a onipotência absoluta de Deus. Entretanto, em nosso desejo de sermos “como deuses” – uma deformidade que perdura, impressa em nossa natureza pelo pecado original – procuramos o que se poderia chamar uma onipotência relativa; isto é, o poder de possuir tudo que queremos, de gozar de tudo que desejamos, de exigir que todos os nossos desejos sejam satisfeitos e que nossa vontade nunca se veja frustrada ou contrariada. É a necessidade de ver toda gente se curvar à nossa opinião e acatar nossas declarações como lei. É a sede insaciável pelo reconhecimento de nossa própria excelência, que tanto precisamos achar em nós mesmos para evitar o desespero. Essa pretensão à onipotência, nosso mais profundo segredo e nossa mais íntima vergonha, é, de fato, a fonte de todos os desgostos, de toda a infelicidade, de toda a insatisfação, de todos os enganos e decepções que sofremos. É uma falsidade radical que faz apodrecer nossa vida moral em suas raízes, porque torna tudo que fazemos mais ou menos uma mentira. Só os pensamentos e atos que estão livres da contaminação dessa secreta pretensão possuem alguma verdade, nobreza e valor.
Essa pretensão radical, psicológica à onipotência é a profunda impureza que mancha e divide a alma pura do homem. Essa exigência da parte de uma criatura limitada para ser tratada como o Ser Supremo e Absoluto é a terrível ilusão que nos condena à escravidão das paixões, da loucura e do pecado.
Evidentemente, só os psicopatas são capazes de declarar abertamente, com toda a franqueza, essa oculta pretensão. E é isso que os faz psicopatas. Desistiram da relativa normalidade, que exige que ocultemos essa absoluta fantasia nas profundezas de nossa alma. Arrogaram-se o direito de não fazer caso algum da realidade, para viver num mundo que convém ao seu ideal imaginário; isto é, mostram-se abertamente como “deus”, fazendo surgir um universo que eles próprios fabricaram, aniquilando (tanto quanto podem) toda outra realidade.
Aqueles que entre nós concordamos em chamar “sãos”, são os que mantêm a pretensão pessoal à absoluta perfeição e onipotência recalcada e disfarçada debaixo de certos símbolos mentais aceitos, e só fazem valer a sua pretensão em atos tornados aceitos por uma aparência externa de inocuidade e utilidade social.
O grande inimigo da pureza de coração é, portanto, o projeto básico, oculto, de ser melhor do que os outros, de fazer valer a própria liberdade à custa da liberdade alheia, de exaltar a própria vontade sobre a vontade dos outros e de elevar o próprio espírito acima dos espíritos dos que julgamos medíocres.
Desse projeto básico, central, vêm todos os outros projetos e ideais ilusórios. A alma vê-se devorada e dividida pelos incessantes esforços que envida para fazer valer sua pretensão radical, enquanto a mantém disfarçada debaixo de um exterior aceitável.
A vida de uma alma pura tornar-se extremamente simples. Mas a alma impura é e deve ser singularmente complicada. Há tanta coisa a fazer! É preciso fazer-se valer e se exaltar e, ao mesmo tempo, crer-se humilde e pronto ao sacrifício de si. É preciso acariciar, a todo custo, o sentimento de santidade e nobreza de que dependem a paz e a felicidade dessa alma. Portanto, é necessário estar alerta para notar todas as fraquezas e imperfeições dos outros, porque são, potencialmente, rivais. E é necessário ainda que esses outros sejam punidos “caridosamente” para que não levantem a cabeça à altura da nossa no caminho real da santidade. É preciso tomar cuidado para que, enquanto, abertamente, faz-se alarde de renunciar à vontade própria, essa vontade seja secretamente satisfeita. É preciso assegurar-se de que desejo algum deixe de ser satisfeito. Em uma palavra, cumpra-se a nossa vontade na terra como se cumpre, no céu, a vontade de Deus!
Uma vez que tudo isso é manifestamente impossível, S. Bernardo faz notar que essa alma está inevitavelmente sujeita à insegurança e ao medo. O medo é a “cor” que escurece a alma e torna obscura a imagem divina, retorcendo-a em um ídolo e uma caricatura. O medo é a “impureza” da alma que aspira a ser onipotente.
O homem decaído, portanto, é alguém em quem a Imagem Divina, ou o livre-arbítrio, se tornou escravo por se ter feito o seu próprio ídolo. A imagem de Deus é falseada pela “dessemelhança”. Sob a tirania desse ídolo, a própria liberdade se transforma em escravidão e o homem se atormenta, tentando querer o impossível, tentando verificar e provar sua absurda pretensão de ser um “deus”.
Qual é a resposta? Já a encontramos. É o sacramento da cruz, a fé e a obediência de Cristo, que, como diz S. Pedro, purificam nossos corações. O orgulho íntimo do homem decaído tem de ser crucificado na cruz da Verdade. O amor da Verdade e da cruz põe por terra o ídolo, coloca o homem em seu verdadeiro nível, devolve-lhe a liberdade, liberta-o do medo, fortifica-lhe a caridade e o torna capaz de viver e agir como filho de Deus. “A verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Com minha benção.
Pe. Emílio Carlos Mancini.+
Nenhum comentário:
Postar um comentário