Formação Shalom
Deus é amor! Quando lemos o que muitos afirmam ser o versículo mais
importante das Sagradas Escrituras, deparamo-nos com três palavras
surpreendentes: Deus é amor. Estas palavras de 1Jo 4,16 ecoam nos místicos, nos
teólogos, nos nossos corações como palavras mais profundamente libertadoras dos
nossos egoísmos, medos, solidões, dúvidas, limites...
Caem, especialmente, nossos limites humanos: Deus é amor. O amor não tem
limites. Vai além de nossa humanidade, de nossa temporalidade, de nossa
pequenez. Deus é amor. A medida do amor é Deus. Nada é impossível! Nada é
limitado a não ser por nosso egoísmo. É possível amar mais, mais, sempre mais,
pois Deus é amor. Deus é a medida do amor e o amor é a identidade mesma de Deus.
Deus é eterno e ilimitado. Assim, também, o verdadeiro amor.
Santo Tomás de Aquino nos ensina mais: Deus é amor em ato! Isso! Deus não é
somente amor teórico, bonito, distante, lá no céu, na eternidade. Não, Deus é
amor em ato. Por isso, amor verdadeiro, como todo amor que age, que transforma,
que participa e se dá.
E o maior ato de amor de Deus foi, sem dúvida, o seu único Filho, enviando-o
para que morresse ao invés de nós. Nós estávamos condenados à destruição da
morte eterna. Não havia saída para você e nem para mim. Era, com toda a
segurança, viver uma vida infernal para terminar em uma morte eterna e terrível
de sofrimentos sem fim, para sempre, para sempre.
Deus nos entregou Jesus e este sofrimento da perdição eterna, para sempre, para sempre, transformou-se em misericórdia e esperança de felicidades sem limites para sempre, para sempre, pois a nossa morte eterna desapareceu na sua morte e ressurreição, de onde jorram a nossa vida eterna, para sempre, para sempre...
Deus nos entregou Jesus e este sofrimento da perdição eterna, para sempre, para sempre, transformou-se em misericórdia e esperança de felicidades sem limites para sempre, para sempre, pois a nossa morte eterna desapareceu na sua morte e ressurreição, de onde jorram a nossa vida eterna, para sempre, para sempre...
Deus entregou seu Filho para morrer no nosso lugar. Imenso ato de amor este
de um pai que entrega seu filho amado! Mas, há mais amor por aqui. Não somente
Deus entregou seu próprio Filho, mas o próprio Filho entregou-se, livremente por
amor ao Pai que O precisava entregar, compungido de amor a nós. O filho conhece
inteiramente o Pai e o seu coração. Sabia o quanto lhe doía nos ver perdidos
para sempre, distantes dele e mergulhados no sofrimento para sempre. Ah, a dor
lancinante de quem perde aquele que ama!
Por amor ao Pai, então, por ler seu coração, o Filho se entrega. Não se apega
a sua condição de Deus, mas faz-se homem para submeter-se em tudo ao que o homem
estava submisso, exceto o pecado, a fim de que, por amor ao Pai e por amor a
nós, pudéssemos estar para sempre com Ele e com o Pai.
Primeira Lição
É esta a primeira lição de amor que Jesus, o Mestre do Amor, nos dá. Deixa
sua felicidade perfeitíssima, eterna, sem mancha, sem dor, sem morte, para não
só enfrentar a mancha, a dor, a morte, mas, infinitamente mais que isso,
tornar-se pecado (não pecador!), sofrer as dores dos homens, abraçar como homem
a morte.
Jesus ensina a amar, amando. Ele, que é amor em ato, vem nos ensinar a amar
em atos, amando, vivendo entre nós. É interessante notarmos que Jesus não nos
fala sobre amor (isso o faz São Paulo em 1Cor 13 e, entre outros, Jo em sua
primeira carta). Ele nos fala sempre sobre como amar. Para aprender a lição,
precisamos mergulhar na sua vida, no seu dia a dia. É o "vinde e vede" que diz a
João e André (Jo 1,39), pois não há outra maneira de aprender d'Ele senão,
vivendo com Ele, contemplando sua vida, procurando ser um outro Cristo.
Sua primeira lição, então, é sair de si. Sair de sua felicidade perfeita e
mergulhar na nossa lama tornando-se um de nós. Esta lição é a base de todo ato
de amor perfeito: esquecer-se inteiramente de si, morrendo (em sentido figurado
e literal pelo outro.
A primeira lição esconde, também, o primeiro segredo: A liberdade. Jesus se
fez homem livremente. Ninguém O obrigou, ninguém teve de convencê-lO. Mas
compungido por amor ao Pai e aos homens, livremente, saiu de si e veio fazer-se
um conosco.
Primeira lição, primeiro segredo e, principalmente, primeiro fundamento: o
amor, além de ser livre, além de ser doação de si, só é realmente amor se for
ato de amor a Deus. Claro, ele dirige-se ao homem, mas seu fundamento, sua base,
seu impulso e motor é o amor a Deus, o amor ao Pai que impingia Jesus a amar sem
limites, sem barreiras, sem medo!
Uma lição, um segredo, um fundamento, um mistério. E o mistério é: todo
aquele que ama, faz-se servo. Todo aquele que ama humilha-se e faz-se servo. É
impossível quando nos sentimos superiores a alguém, quem quer que seja. Para
amarmos alguém, de fato, precisamos nos fazer servos, os menores, os menos
dignos, os que não têm direito algum, exceto o de amar, amar, amar.
Os orgulhosos não amam, pois, achando-se superiores aos outros, ao fazerem
atos de pretenso amor, estão, na realidade, amando a si mesmos. Ao se julgarem
superiores aos outros, também afastam-se de Deus, que une sempre o amor à
humildade e à humilhação (cf. Jo 13,12-16). Suas pretensas atitudes de amor são,
assim, artificiais, farisaicas, pois não amam como Deus ama e o amor é sempre
humilde, pequeno, servo, menor.
Eis-nos agora com quatro características do ato de amor de Fil 2: o
esvaziamento de si (kénosis), a liberdade e gratuidade, o amor a Deus como
primeira moção, a humilhação voluntária.
Isto seria suficiente para nos deixar desanimados, não fosse a misericórdia
de Deus! No entanto, é necessário contemplarmos outra característica de todas as
aulas deste Mestre do Amor: o amor autêntico não tem preconceitos, não faz
acepção de pessoas. Para isso, basta vermos a lista dos amados de Jesus. Melhor
dizendo: para isso basta vermos a lista dos não amados que Jesus amou. Melhor
ainda: para isso basta vermos a lista dos não amados e não amáveis que Jesus
escolheu para amar com um amor todo especial, todo terno, todo atencioso. Veja
só:
a) o homem - sim, isso mesmo, o homem. Aquele que
o havia desrespeitado e traído no paraíso e que haveria de traí-lo em Judas, em
você e em mim, geração após geração. O homem: aquele que trai, que é ingrato,
que não O escuta, que não O obedece, que prefere mais o mundo e a si mesmo do
que a Ele. Certamente, o homem encabeça a lista dos não amáveis. Quem amaria de
boa vontade uma criatura como o homem?
b) Os pecadores - sem distinção: ladrões,
homicidas, usurpadores de impostos, mentirosos, falsos, orgulhosos, avessos à
graça de Deus, prostitutas, pecadores públicos.
c) Os doentes - lista enorme temos aqui:
leprosos, cegos, coxos, hemorroíssas, manetas, encurvados, febris e doentes da
alma: endemoniados e possessos de todas as idades e tipos.
d) Os desprezados - outra lista enorme!
Paralíticos abandonados há anos em sua imobilidade sem ter quem cuidasse deles,
leprosos, romanos, cobradores de impostos, ricos, pobres, crucificados.
e) Os sofredores - como não citar as dores que
compungiram Jesus a agir: a da viúva de Naim, a de Marta e Maria, a do ladrão
crucificado, a de Jairo, a de Maria em Caná (dor pequena se comparada às outras,
mas não pequena para Jesus que a amava com tanta ternura. Quando alguém que a
gente ama sofre, ainda que seja pouco, a dor dele dói mais na gente), a dos
noivos de Caná, a de João Batista, a do servo do Centurião...
f) Os covardes e medrosos - quem venceria, aqui,
os próprios "doze"?
g) As mulheres - naquele tempo, naquela cultura, como a gente sabe, mulher não era para ser amada...
g) As mulheres - naquele tempo, naquela cultura, como a gente sabe, mulher não era para ser amada...
Chegamos, assim, a um ponto tão caro à vocação Shalom: o amor aos não
amáveis. Acima está uma lista parcial dos não amáveis que Jesus não apenas amou,
mas escolheu para amar de forma especial. E o interessante é que aqueles que O
atraem tanto são exatamente os que nos causam repulsa. Quem, de livre e
expontânea vontade, se aproxima de um dos "tipos" da lista acima?
Jesus nos responde novamente com a vida: aquele que ora! Quem ora, contempla
o Amor e é moldado por ele, na oração e na vida. Quem ora, aprende o amor na
Fonte da Trindade. Quem ora, conhece a verdade e sabe que nada mais vale a não
ser sorver em si o amor do Céu para amar na terra.
Quem ora assim, não se aproxima dos "tipos da lista acima. Não! Quem ora
assim, procura este tipo para... servi-lo, como escravo, como pequenino, como
menor.
VEJA BEM: somente, unicamente, ninguém mais do que um só tipo de pessoa -
aquela que ama tanto a Deus e O conhece tão bem pela palavra e oração, que é tão
íntima d'Ele, tão amassada pelo sofrimento que pode exclamar com Francisco:
"Quem és tu, Senhor, e quem sou eu!" e, por amor de Deus, extasiado com a
grandeza do seu Seu Amor visse seu próprio nada e entendesse o segredo deste
amor "charitas", que não se orgulha, mas serve, serve, serve, sai de si,
esvazia-se totalmente, generosamente, sem acepções, somente para dar alegria
Àquele a quem ama acima de tudo e a quem serve com todo o seu ser.
Em uma palavra, ama assim quem, na oração, contempla o Amor e se sabe amado
por Ele. Ama assim quem sofreu o impacto do amor de Deus e a dor de sua
ausência. Quem se deixou esvaziar, empobrecer, por amor. Quem, na verdade,
contempla a Deus e a si mesmo em plena luz e entende que ele próprio e tudo o
que existe é nada diante deste segredo que é a linguagem da Trindade, dos anjos
e santos e que durará para sempre, para sempre, para sempre. É a linguagem do
céu, que nunca passará. A linguagem dos pequeninos, dos orantes, dos servos, dos
extasiados diante da beleza de Deus, da beleza do Amor.
O Mestre do Amor ensina-nos, ainda, uma última lição em dois atos. A cruz e a
ressurreição. Quem ama, sofre. Veja bem: não se disse "poderá sofrer", não! Quem
ama como Jesus ama, sofre. É natural! A cruz é a expressão maior do amor de
Jesus, e também a sua humilhação e sofrimento. Aquele que só amou foi traído,
ultrajado, cuspido, espancado, desprezado, mal interpretado, injustiçado e não
reagiu, não disse nada. Por amor. Jesus entendia que o amor esconde a dor e que
não há como separar os dois, assim como não há como separar o amor da
humilhação, do esvaziamento, da oração da liberdade, do próprio Deus, da
oração.
O amor e a morte andam juntos, muito juntos. O amor e a dor, o sofrimento,
são uma coisa só. Um grande silêncio os esconde, como escondeu Jesus no túmulo.
Neste silêncio, como no coração de Maria, é gerada a vida, a ressurreição, que é
a vitória final e eterna do que ama por ser amado por Deus, que ama por amor a
Deus.
O Mestre do Amor subiu o calvário e, vencendo a morte com o poder do amor do
Pai, ressuscita e sobe ao céu para que entendamos que só quem deseja morrer,
como o grão de trigo, como Ele, só esse ressuscitará para cantar com os anjos:
"Urbi Charitas, Deus ibi"(*).
(*) Onde (há) a caridade, Deus aí (é).
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