A Festa da Ascensão de Jesus, que hoje
celebramos, sugere que, no final do caminho percorrido no amor e na doação,
está a vida definitiva, a comunhão com Deus. Sugere também que Jesus nos deixou
o testemunho e que somos nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar
o projecto libertador de Deus para os homens e para o mundo.
O Evangelho apresenta o encontro final de Jesus ressuscitado com os seus
discípulos, num monte da Galileia. A comunidade dos discípulos, reunida à volta
de Jesus ressuscitado, reconhece-O como o seu Senhor, adora-O e recebe d’Ele a
missão de continuar no mundo o testemunho do “Reino”.
Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois
de ter apresentado ao mundo o projecto do Pai, entrou na vida definitiva da
comunhão com Deus – a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo
“caminho” que Jesus percorreu. Quanto aos discípulos: eles não podem ficar a
olhar para o céu, numa passividade alienante; mas têm de ir para o meio dos
homens, continuar o projecto de Jesus.
A segunda leitura convida os discípulos a terem consciência da esperança a que
foram chamados (a vida plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao encontro
dessa “esperança” de mãos dadas com os irmãos – membros do mesmo “corpo” – e em
comunhão com Cristo, a “cabeça” desse “corpo”. Cristo reside no seu “corpo” que
é a Igreja; e é nela que Se torna, hoje, presente no meio dos homens.
LEITURA I – Actos 1,1-11
Leitura dos Actos dos Apóstolos
No meu primeiro livro, ó Teófilo,
narrei todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar,
até ao dia em que foi elevado ao Céu,
depois de ter dado, pelo Espírito Santo,
as suas instruções aos Apóstolos que escolhera.
Foi também a eles que, depois da sua paixão,
Se apresentou vivo com muitas provas,
aparecendo lhes durante quarenta dias
e falando lhes do reino de Deus.
Um dia em que estava com eles à mesa,
mandou lhes que não se afastassem de Jerusalém,
mas que esperassem a promessa do Pai,
«do Qual disse Ele Me ouvistes falar.
Na verdade, João baptizou com água;
vos, porém, sereis baptizados no Espírito Santo,
dentro de poucos dias».
Aqueles que se tinham reunido começaram a perguntar:
«Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?»
Ele respondeu lhes:
«Não vos compete saber os tempos ou os momentos
que o Pai determinou com a sua autoridade;
mas recebereis a força do Espírito Santo,
que descerá sobre vós,
e sereis minhas testemunhas
em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria
e até aos confins da terra».
Dito isto, elevou Se à vista deles
e uma nuvem escondeu O a seus olhos.
E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava,
apresentaram se lhes dois homens vestidos de branco,
que disseram:
«Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?
Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu,
virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
AMBIENTE
O livro dos “Actos dos Apóstolos” dirige-se a
comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80,
cerca de cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa
pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há uma certa
desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece
uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na
mediocridade; falta o entusiasmo e o empenho… O quadro geral é o de um certo
sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada
intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-se, de
forma plena e inequívoca, o projecto salvador de Deus?
É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como
primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projecto de salvação e
de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de Jesus para junto
do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do “Reino”
é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história
e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a
redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projecto de Deus, na
fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu.
MENSAGEM
O nosso texto começa com um prólogo (vers.
1-2) que relaciona os “Actos” com o 3º Evangelho – quer na referência ao mesmo
Teófilo a quem o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus
ensinamentos e à sua acção no mundo (tema central do 3º Evangelho). Neste
prólogo são também apresentados os protagonistas do livro – o Espírito Santo e
os apóstolos, ambos vinculados com Jesus.
Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de Jesus (vers. 3-8). O
autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que mediaram entre a
ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos “a
respeito do Reino de Deus” (o que parece estar em contradição com o Evangelho,
onde a ressurreição e a ascensão são apresentados no próprio dia de Páscoa –
cf. Lc 24). O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número
que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as
lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao
ensinamento do Ressuscitado.
As palavras de despedida de Jesus (vers. 4-8) sublinham dois aspectos: a vinda
do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar “até aos
confins do mundo”. Temos aqui resumida a experiência missionária da comunidade
de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade crente e dará a força
para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde Jerusalém a Roma. Na realidade,
trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca
de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a
pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo
Espírito.
O último tema é o da ascensão (vers. 9-11). Evidentemente, esta passagem
necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a
mensagem apareça com toda a claridade.
Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu (vers. 9a). Não estamos a
falar de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se;
estamos a falar de um sentido teológico (não é o “repórter”, mas sim o
“teólogo” a falar): a ascensão é uma forma de expressar, simbolicamente, que a
exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma
literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora
reentra na glória da comunhão com o Pai.
Temos, depois, a nuvem (vers. 9b) que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos.
Pairando a meio caminho entre o céu e a terra a nuvem é, no Antigo Testamento,
um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino (cf. Ex 13,21.22;
14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo, simultaneamente, esconde e
manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo
não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada. Céu e
terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui
sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que
continua a caminhar com os discípulos.
Temos, ainda, os discípulos a olhar para o céu (vers. 10a). Significa a
expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo,
a fim de levar ao seu termo o projecto de libertação do homem e do mundo.
Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco (vers. 10b). O branco
sugere o mundo de Deus – o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles
convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo Espírito, a obra
libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar
na história a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e
definitiva vinda do Senhor.
O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a admirar a elevação de
Jesus; mas é convidar-nos a seguir o “caminho” de Jesus, olhando para o futuro
e entregando-nos à realização do seu projecto de salvação no meio do mundo.
ATUALIZAÇÃO
Ter em conta, para a reflexão e actualização,
os seguintes elementos:
• A ressurreição/ascensão de Jesus
garante-nos, antes de mais, que uma vida, vivida na fidelidade aos projectos do
Pai, é uma vida destinada à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem
percorre o mesmo “caminho” de Jesus subirá, como Ele, à vida plena.
• A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo,
que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar
realidade o seu projecto libertador no meio dos homens nossos irmãos. É essa a
atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à
missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe confiou?
• O nosso testemunho tem transformado e
libertado a realidade que nos rodeia? Qual o real impacto desse testemunho na
nossa família, no local onde desenvolvemos a nossa actividade profissional, na
nossa comunidade cristã ou religiosa?
• É relativamente frequente ouvirmos dizer que
os seguidores de Jesus gostam mais de olhar para o céu do que comprometerem-se
na transformação da terra. Estamos, efectivamente, atentos aos problemas e às
angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo
alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos
sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos
rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens, particularmente com
aqueles que sofrem?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 46 (47)
Refrão 1: Por entre aclamações e ao som da
trombeta,
ergue Se Deus, o Senhor.
Refrão 2: Ergue-Se Deus, o Senhor,
em júbilo e ao som da trombeta.
Povos todos, batei palmas,
aclamai a Deus com brados de alegria,
porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível,
o Rei soberano de toda a terra.
Deus subiu entre aclamações,
o Senhor subiu ao som da trombeta.
Cantai hinos a Deus, cantai,
cantai hinos ao nosso Rei, cantai.
Deus é Rei do universo:
cantai os hinos mais belos.
Deus reina sobre os povos,
Deus está sentado no seu trono sagrado.
LEITURA II – Ef 1,17-23
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos
Efésios
Irmãos:
O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória,
vos conceda um espírito de sabedoria e de luz
para O conhecerdes plenamente
e ilumine os olhos do vosso coração,
para compreenderdes a esperança a que fostes chamados,
os tesouros de glória que encerra a sua herança entre os santos
e a incomensurável grandeza que representa o seu poder
para nós os crentes.
Assim o mostra a eficácia da poderosa força
que exerceu em Cristo,
que Ele ressuscitou dos mortos
e colocou à sua direita nos Céus,
acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania,
acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste mundo,
mas também no mundo que há de vir.
Tudo submeteu aos seus pés e pô 1’O acima de todas as coisas
como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo,
a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos.
AMBIENTE
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos
exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa
altura em que Paulo está na prisão (em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico.
Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta Carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura
em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente.
Em concreto, o texto que nos é proposto aparece na primeira parte da Carta e
faz parte de uma acção de graças, na qual Paulo agradece a Deus pela fé dos
Efésios e pela caridade que eles manifestam para com todos os irmãos na fé.
MENSAGEM
À acção de graças, Paulo une uma fervorosa
oração a Deus, para que os destinatários da Carta conheçam “a esperança a que
foram chamados” (vers. 18). A prova de que o Pai tem poder para realizar essa
“esperança” (isto é, conferir aos crentes a vida eterna como herança) é o que
Ele fez com Jesus Cristo: ressuscitou-O e sentou-O à sua direita (vers. 20),
exaltou-O e deu-Lhe a soberania sobre todos os poderes angélicos (Paulo está
preocupado com a perigosa tendência de alguns cristãos em dar uma importância
exagerada aos anjos, colocando-os até acima de Cristo – cf. Col 1,6). Essa
soberania estende-se, inclusive, à Igreja – o “corpo” do qual Cristo é a
“cabeça”.
O mais significativo deste texto é, precisamente, este último desenvolvimento.
A ideia de que a comunidade cristã é um “corpo” – o “corpo de Cristo” – formado
por muitos membros, já havia aparecido nas “grandes cartas”, acentuando-se,
sobretudo, a relação dos vários membros do “corpo” entre si (cf. 1 Cor 6,12-20;
10,16-17; 12,12-27; Rom 12,3-8); mas, nas “cartas do cativeiro”, Paulo retoma a
noção de “corpo de Cristo” para reflectir sobre a relação que existe entre a
comunidade e Cristo.
Neste texto, em concreto, há dois conceitos muito significativos para definir o
quadro da relação entre Cristo e a Igreja: o de “cabeça” e o de “plenitude” (em
grego, “pleroma”).
Dizer que Cristo é a “cabeça” da Igreja significa, antes de mais, que os dois formam
uma comunidade indissolúvel e que há entre os dois uma comunhão total de vida e
de destino; significa, também, que Cristo é o centro à volta do qual o “corpo”
se articula, a partir do qual e em direcção ao qual o “corpo” cresce, se
orienta e constrói, a origem e o fim desse “corpo”; significa, ainda, que a
Igreja/corpo está submetida à obediência a Cristo/cabeça: só de Cristo a Igreja
depende e só a Ele deve obediência.
Dizer que a Igreja é a “plenitude” (“pleroma”) de Cristo significa dizer que
nela reside a “plenitude”, a “totalidade” de Cristo. Ela é o receptáculo, a
habitação, onde Cristo Se torna presente no mundo; é através desse “corpo” onde
reside que Cristo continua todos os dias a realizar o seu projecto de salvação
em favor dos homens. Presente nesse “corpo”, Cristo enche o mundo e atrai a Si
o universo inteiro, até que o próprio Cristo “seja tudo em todos” (vers. 23).
ATUALIZAÇÃO
Ter em conta, na reflexão, as seguintes
linhas:
• Na nossa peregrinação pelo mundo, convém
termos sempre presente “a esperança a que fomos chamados”. A
ressurreição/ascensão/glorificação de Jesus é a garantia da nossa própria
ressurreição/glorificação. Formamos com Ele um “corpo” destinado à vida plena.
Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar –
apesar das dificuldades – nesse “caminho” do amor e da entrega total que Cristo
percorreu.
• Dizer que fazemos parte do “corpo de Cristo”
significa que devemos viver numa comunhão total com Ele e que nessa comunhão
recebemos, a cada instante, a vida que nos alimenta. Significa, também, viver
em comunhão, em solidariedade total com todos os nossos irmãos, membros do
mesmo “corpo”, alimentados pela mesma vida. Estas duas coordenadas estão
presentes na nossa existência?
• Dizer que a Igreja é o “pleroma” de Cristo
significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l’O presente no
mundo, de levar à plenitude a projecto de libertação que Ele começou em favor
dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela acção
dos crentes, Cristo for “um em todos”.
Aleluia. Aleluia.
Ide e ensinai todos os povos, diz o senhor:
Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.
EVANGELHO – Mt 28,16-20
Conclusão do santo Evangelho segundo São
Mateus.
Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia,
em direcção ao monte que Jesus lhes indicara.
Quando O viram, adoraram n’O; mas alguns ainda duvidaram.
Jesus aproximou Se e disse lhes: «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra.
Ide e ensinai todas as nações, baptizando as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando as a cumprir tudo o que vos mandei.
Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».
AMBIENTE
O texto situa-nos na Galileia, após a
ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a
descoberta do túmulo vazio – cf. Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus –
pouco antes de ser preso – havia marcado encontro com os discípulos na Galileia
(cf. Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no
sepulcro (cf. Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Mt 28,10),
renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá
encontrar o Senhor.
A Galileia – região setentrional da Palestina – era uma região próspera e bem
povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta
região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de
pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e judias
fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma
maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a presença diária dos
pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a
interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às
impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto
fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e
considerassem que da Galileia “não podia sair nada de bom”.
No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi, também,
na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do “Reino” e que começou a
reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para Mateus, esse
facto sugere que o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal:
destina-se a judeus e pagãos.
Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos num
“monte que Jesus lhes indicara”. Trata-se, no entanto, de uma montanha da
Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus
ligue com a montanha da tentação (cf. Mt 4,8) e com a montanha da
transfiguração (cf. Mt 17,1). De qualquer forma, o “monte” é sempre, no Antigo
Testamento, o lugar onde Deus se revela aos homens.
MENSAGEM
O texto que descreve o encontro final entre
Jesus e os discípulos divide-se em duas partes.
Na primeira (vers. 16-18), descreve-se o encontro. Jesus, vivo e ressuscitado,
revela-Se aos discípulos; e os discípulos reconhecem-n’O como “o Senhor” e
adoram-n’O. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta uma expressão que
alguns traduzem como “alguns ainda duvidaram” e outros como “eles que tinham
duvidado” (gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro
caso, a expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não
exclui a dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante
dos discípulos – expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para
Jerusalém – e que aqui perde qualquer razão de ser.
Ao reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma manifestação do
mistério de Jesus, que reflecte a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o
“Kyrios”, que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus “o
mestre”, cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos; Jesus
é o “Deus-connosco”, que acompanhará, a par e passo, a caminhada dos discípulos
pela história.
Na segunda (vers. 19-20), Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo
mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja
missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus
veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A
primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da
universalidade… A missão dos discípulos destina-se a “todas as nações”.
A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da
comunidade de Mateus: o ensino e o baptismo. Começava-se pela catequese, cujo
conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus (o discípulo começava sempre
pelo catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus). Quando os
discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o baptismo – que
selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo
(era a adesão à proposta anteriormente feita).
Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, “até ao fim dos
tempos”. Esta afirmação expressa a convicção – que todos os crentes da
comunidade mateana possuíam – de que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua
Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história,
ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os seguintes
elementos:
• Jesus foi ao encontro do Pai, depois de uma
vida gasta ao serviço do “Reino”; deixou aos seus discípulos a missão de
anunciar o “Reino” e de torná-lo uma proposta capaz de renovar e de transformar
o mundo. Celebrar a ascensão de Jesus significa, antes de mais, tomar
consciência da missão que foi confiada aos discípulos e sentir-se responsável
pela presença do “Reino” na vida dos homens. Estou consciente de que a Igreja –
a comunidade dos discípulos de Jesus, a que eu também pertenço – é, hoje, a
presença libertadora e salvadora de Jesus no meio dos homens? Como é que eu
procuro testemunhar o “Reino” na minha vida de todos os dias – em casa, no
trabalho ou na escola, na paróquia, na comunidade religiosa?
• A missão que Jesus confiou aos discípulos é
uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não
podem ser obstáculos para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo.
Tenho consciência de que a missão confiada aos discípulos é uma missão
universal? Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens – sem
distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas
– a anunciar-lhes a libertação, a salvação, a vida definitiva? Tenho consciência
de que sou responsável pela vida, pela felicidade e pela liberdade de todos os
meus irmãos – mesmo que eles habitem no outro lado do mundo?
• Tornar-se discípulo é, em primeiro lugar,
aprender os ensinamentos de Jesus – a partir das suas palavras, dos seus
gestos, da sua vida oferecida por amor. É claro que o mundo do século XXI
apresenta, todos os dias, desafios novos; mas os discípulos, formados na escola
de Jesus, são convidados a ler os desafios que hoje o mundo coloca, à luz dos
ensinamentos de Jesus. Preocupo-me em conhecer bem os ensinamentos de Jesus e
em aplicá-los à vida de todos os dias?
• No dia em que fui baptizado, comprometi-me
com Jesus e vinculei-me com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
• É um tremendo desafio testemunhar, hoje, no
mundo os valores do “Reino” (esses valores que, muitas vezes, estão em
contradição com aquilo que o mundo defende e que o mundo considera serem as
prioridades da vida). Com frequência, os discípulos de Jesus são objecto da
irrisão e do escárnio dos homens, porque insistem em testemunhar que a
felicidade está no amor e no dom da vida; com frequência, os discípulos de
Jesus são apresentados como vítimas de uma máquina de escravidão, que produz escravos,
alienados, vítimas do obscurantismo, porque insistem em testemunhar que a vida
plena está no perdão, no serviço, na entrega da vida. O confronto com o mundo
gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração… Nos
momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de
Jesus: “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos”. Esta certeza deve alimentar
a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
Dehonianos