segunda-feira, 30 de setembro de 2024

São Jerônimo, presbítero e doutor da Igreja - O caminho dos pequeninos

 A Revelação do Filho

Feliz o homem que medita a lei do Senhor dia e noite sem cessar: dará seu fruto no devido tempo (Sl 1,2s).

Encerrando o mês da Bíblia, celebramos a memória de São Jerônimo, Esse eminente doutor da Igreja nasceu em 342, na província romana da Dalmácia, e morreu em Belém, na Palestina, em 420. Tendo adquirido vastíssima cultura literária e bíblica, pôs seus talentos a serviço de Deus por incentivo do papa Dâmaso, que o encarregou de preparar a tradução da Bíblia do grego para o latim. Empenhando os últimos 35 anos de vida nos estudos da Sagrada Escritura, tornou-se o patrono dos biblistas e das iniciativas bíblicas da Igreja. Com ele aprendamos a fazer da Palavra de Deus uma Boa-nova de salvação para os pequenos do Reino.

Primeira Leitura: Jó 1,6-22

Leitura do livro de Jó6Um dia, foram os filhos de Deus apresentar-se ao Senhor; entre eles, também satanás. 7O Senhor, então, disse a satanás: “Donde vens?” “Venho de dar umas voltas pela terra”, respondeu ele. 8O Senhor disse-lhe: “Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e correto, teme a Deus e afasta-se do mal”. 9Satanás respondeu ao Senhor: “Mas será por nada que Jó teme a Deus? 10Porventura não levantaste um muro de proteção ao redor dele, de sua casa e de todos os seus bens? Tu abençoaste tudo o que ele fez, e seus rebanhos cobrem toda a região. 11Mas estende a mão e toca em todos os seus bens; e eu garanto que ele te lançará maldições no rosto!” 12Então o Senhor disse a satanás: “Pois bem, de tudo o que ele possui podes dispor, mas não estendas a mão contra ele”. E satanás saiu da presença do Senhor. 13Ora, num dia em que os filhos e filhas de Jó comiam e bebiam vinho na casa do irmão mais velho, 14um mensageiro veio dizer a Jó: “Estavam os bois lavrando e as mulas pastando a seu lado 15quando, de repente, apareceram os sabeus e roubaram tudo, passando os criados ao fio da espada. Só eu consegui escapar para trazer-te a notícia”. 16Estava ainda falando quando chegou outro e disse: “Caiu do céu o fogo de Deus e matou ovelhas e pastores, reduzindo-os a cinza. Só eu consegui escapar para trazer-te a notícia”. 17Este ainda falava quando chegou outro e disse: “Os caldeus, divididos em três bandos, lançaram-se sobre os camelos e levaram-nos consigo, depois de passarem os criados ao fio da espada. Só eu consegui escapar para trazer-te a notícia”. 18Este ainda falava quando chegou outro e disse: “Teus filhos e tuas filhas estavam comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho 19quando um furacão se levantou das bandas do deserto e se lançou contra os quatro cantos da casa, que desabou sobre os jovens e os matou. Só eu consegui escapar para trazer-te a notícia”. 20Então, Jó levantou-se, rasgou o manto, rapou a cabeça, caiu por terra e, prostrado, disse: 21“Nu eu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. O Senhor deu, o Senhor tirou; como foi do agrado do Senhor, assim foi feito. Bendito seja o nome do Senhor!” 22Apesar de tudo isso, Jó não cometeu pecado nem se revoltou contra Deus. – Palavra do Senhor.

Salmo Responsorial: 16(17)

Inclinai o vosso ouvido e escutai-me!

1. Ó Senhor, ouvi a minha justa causa, / escutai-me e atendei o meu clamor! / Inclinai o vosso ouvido à minha prece, / pois não existe falsidade nos meus lábios! – R.

2. De vossa face é que me venha o julgamento, / pois vossos olhos sabem ver o que é justo. / Provai meu coração durante a noite, † visitai-o, examinai-o pelo fogo, / mas em mim não achareis iniquidade. – R.

3. Eu vos chamo, ó meu Deus, porque me ouvis, / inclinai o vosso ouvido e escutai-me! / Mostrai-me vosso amor maravilhoso, † vós que salvais e libertais do inimigo / quem procura a proteção junto de vós. – R.

Evangelho: Lucas 9,46-50

Aleluia, aleluia, aleluia.

Veio o Filho do Homem, a fim de servir / e dar sua vida em resgate por muitos (Mc 10,45). – R.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, 46houve entre os discípulos uma discussão para saber qual deles seria o maior. 47Jesus sabia o que estavam pensando. Pegou então uma criança, colocou-a junto de si 48e disse-lhes: “Quem receber esta criança em meu nome estará recebendo a mim. E quem me receber estará recebendo aquele que me enviou. Pois aquele que entre todos vós for o menor, esse é o maior”. 49João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lho proibimos, porque não anda conosco”. 50Jesus disse-lhe: “Não o proibais, pois quem não está contra vós está a vosso favor”. – Palavra da salvação.

Reflexão

O Evangelho desta 2.ª-feira nos mostra os discípulos de Cristo a discutir quem dentre eles seria o maior. Os apóstolos de Nosso Senhor são aqui envolvidos na grande tentação com que o demônio costuma seduzir os seguidores de Jesus: a vanglória. É verdade que Deus nos destinou à glória dos Céu; mas todos nós, feridos pelo pecado, sentimos um certo apetite desordenado pela própria excelência, que deseja sobrepor-se à glória celeste para a qual fomos criados. Manifestada no Tabor a Pedro, Tiago e João alguns versículos atrás (cf. Lc 9, 28-36), essa mesma glória se torna, por sugestão do diabo, ocasião de tropeço, de vanglória, de discussão.

Em regra, este fenômeno ocorre conosco ao longo de nossa jornada espiritual. Superados os pecados e defeitos mais rudes e grosseiros, é comum que o cristão, crendo-se já muito virtuoso, tenda a pavonear-se, a achar-se santo, a orgulhar-se do que na verdade é obra da graça de Deus. Este Evangelho nos mostra mais uma vez os discípulos em companhia de Jesus, ouvindo-lhe os ensinamentos, e incapazes de compreender que o Senhora subirá, sim, a Jerusalém, mas para tomar o último lugar. A Transfiguração de Cristo, com efeito, lhes deveria ter servido como preparação para a desfiguração da Cruz. E é o próprio Senhor quem predissera, na leitura de ontem, a Paixão que o aguardava.

Cristo está, pois, como que a nos indiciar que é pelo caminho da pequenez e da humilhação que se sobe até a gloriosa Jerusalém. O itinerário para o Céu, ensina hoje o Senhor, é um caminho para baixo: só pelo rebaixamento próprio e pelo serviço aos mais pequeninos é que o homem pode progredir na santidade e alcançar a glória preparada para os filhos de Deus.

 

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domingo, 29 de setembro de 2024

26º Domingo do Tempo Comum - A gravidade do pecado de escândalo.

 Jesus é o Senhor!: EVANGELHO SÃO MARCOS 9,38-43.45.47-48 -- 26º DOMINGO DO  TEMPO COMUM ANO "B" -- LEITURAS: Nm 11,25-29;18 ; Tg 5,1-6 -- LITURGIA  P/27/09/2015 - COR VERDE -- ANO DA PAZ !

Tudo quanto nos fizestes, Senhor, com verdadeira justiça o fizestes, porque pecamos contra vós e não obedecemos a vossos mandamentos; mas dai glória ao vosso nome e tratai-nos conforme a grandeza da vossa misericórdia (Dn 3,31.29s.43.42).

Reunidos em nome de Cristo, queremos acolher a força profética e soberana do Espírito. Ele nos leva a superar a mentalidade sectária e nos convida a sermos acolhedores dos pobres e desprezados, extirpando de nossa vida tudo o que possa ferir a dignidade das pessoas e a caminhada da comunidade. Celebremos a páscoa semanal do Senhor neste dia da Bíblia, a Palavra que nos guia e traz alegria aos corações.

Primeira Leitura: Números 11,25-29

Leitura do livro dos Números – Naqueles dias, 25o Senhor desceu na nuvem e falou a Moisés. Retirou um pouco do espírito que Moisés possuía e o deu aos setenta anciãos. Assim que repousou sobre eles o espírito, puseram-se a profetizar, mas não continuaram. 26Dois homens, porém, tinham ficado no acampamento. Um chamava-se Eldad, e o outro, Medad. O espírito repousou igualmente sobre os dois, que estavam na lista, mas não tinham ido à tenda, e eles profetizavam no acampamento. 27Um jovem correu a avisar Moisés que Eldad e Medad estavam profetizando no acampamento. 28Josué, filho de Nun, ajudante de Moisés desde a juventude, disse: “Moisés, meu senhor, manda que eles se calem!” 29Moisés respondeu: “Tens ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” – Palavra do Senhor.

Salmo Responsorial: 18(19)

A lei do Senhor Deus é perfeita, alegria ao coração.

1. A lei do Senhor Deus é perfeita, / conforto para a alma! / O testemunho do Senhor é fiel, / sabedoria dos humildes. – R.

2. É puro o temor do Senhor, / imutável para sempre. / Os julgamentos do Senhor são corretos / e justos igualmente. – R.

3. E vosso servo, instruído por elas, / se empenha em guardá-las. / Mas quem pode perceber suas faltas? / Perdoai as que não vejo! – R.

4. E preservai o vosso servo do orgulho: / não domine sobre mim! / E assim puro eu serei preservado / dos delitos mais perversos. – R.

Segunda Leitura: Tiago 5,1-6

Leitura da carta de São Tiago – 1E agora, ricos, chorai e gemei, por causa das desgraças que estão para cair sobre vós. 2Vossa riqueza está apodrecendo, e vossas roupas estão carcomidas pelas traças. 3Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes como fogo! Amontoastes tesouros nos últimos dias. 4Vede, o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, que vós deixastes de pagar, está gritando, e o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso. 5Vós vivestes luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando os vossos corações para o dia da matança. 6Condenastes o justo e o assassinastes; ele não resiste a vós. – Palavra do Senhor.

Evangelho: Marcos 9,38-43.45.47-48

Aleluia, aleluia, aleluia.

Vossa Palavra é verdade, orienta e dá vigor; / na verdade santifica vosso povo, ó Senhor! (Jo 17, 17) – R.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos – Naquele tempo, 38João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”. 39Jesus disse: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. 40Quem não é contra nós é a nosso favor. 41Em verdade eu vos digo, quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa. 42E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. 43Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na vida sem uma das mãos do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. 45Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na vida sem um dos pés do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. 47Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só do que, tendo os dois, ser jogado no inferno, 48‘onde o verme deles não morre e o fogo não se apaga'”. – Palavra da salvação.

Reflexão

Neste 26.º Domingo do Tempo Comum, lemos o Evangelho de São Marcos, capítulo 9, versículos de 38 a 48. A leitura é dividida em duas partes fundamentais, e aqui vamos nos concentrar em um ponto de reflexão sobre a segunda parte.

Na primeira parte, os discípulos de Nosso Senhor vêem um homem exorcizando demônios em nome de Jesus e querem proibi-lo; mas como esse homem faz o bem, Cristo diz que ele deve ser deixado em paz, pois não faz sentido repreendê-lo.

Já na segunda parte, que é o cerne desta homilia, Jesus ensina-nos que, quando fazemos o bem a um irmão, é a Ele que o fazemos. Se dermos um copo d’água fria a alguém porque ele é de Cristo, não ficaremos sem recompensa. Mas Jesus também diz:

“Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. Se tua mão te leva a pecar, corta-a! [...] Se teu pé te leva a pecar, corta-o! [...] Se teu olho te leva a pecar, arranca-o” (Mc 9, 42-45).

Como explicar essa passagem tão radical do Evangelho? Em primeiro lugar, precisamos entender o que é o escândalo, um pecado bastante sério, do qual Nosso Senhor está falando. 

Em português coloquial, escandalizar é fazer estardalhaço, isto é, um grande alarde. Porém, na linguagem técnica, no âmbito da vida cristã, nós dizemos que escandalizar é realizar uma ação, um gesto ou uma palavra que leva a pecar uma pessoa recém-convertida — portanto, que é frágil na fé. No Evangelho, Nosso Senhor chama essas pessoas frágeis de “pequeninos”.

Para entender do que se trata essa realidade, podemos dizer, em primeiro lugar, que o escândalo não é um problema nem para os santos nem para os grandes pecadores. Sabemos que um santo é uma pessoa firme na fé. Quando ele é exposto às tentações, geralmente não cede com facilidade; uma mulher vestida de forma vulgar não seduz um santo facilmente. Ele não cai nessa armadilha, ele não tropeça. A propósito, a palavra grega “skandalon” significa precisamente “pedra de tropeço”. Ele não vai tropeçar, pois está espiritualmente sólido. Vemos, portanto, que o problema do escândalo não é para as pessoas progredidas na fé e na santidade.

Ademais, o escândalo também não é um problema àqueles que levam uma vida de grande pecado. Aqueles que são, por exemplo, mafiosos, assassinos, traficantes, prostitutos etc., que, em suma, estão vivendo chafurdados no pecado, não ficam escandalizados, pois o pecado já é o habitat no qual eles vivem. 

Então, para quem, afinal, o escândalo é um problema? Com quem Nosso Senhor está preocupado quando Ele faz o alerta para essa realidade? Com bondade, zelo e cuidado paternal, Jesus está preocupado com aqueles que são recém-convertidos, com os frágeis na fé, que podem ser também os que, apesar de estarem convertidos há bastante tempo, ainda não estão enraizados na fé, por assim dizer.

Quando plantamos uma semente na terra e a vemos crescer, naturalmente cercamos a plantinha de cuidados especiais, colocamo-la em uma estufa, em um canteiro especial, até que a árvore já esteja mais vigorosa. Depois a transplantamos para o seu lugar definitivo. Essa é a mesma dinâmica da fé. 

No início, a fé é frágil; daí que os frágeis na fé podem facilmente se escandalizar quando veem algo que os leva a pecar. À vista disso, voltemos à frase de Nosso Senhor, agora que a ideia ficou mais clara: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, seria melhor que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (v. 42). Nosso Senhor é bastante contundente, drástico até: Ele está dizendo que é melhor nós sofrermos uma morte terrível do que levarmos uma dessas pessoas a pecar — o que seria, para estas, uma morte ainda pior, a morte eterna. 

Depois, Jesus faz hipérboles, usa uma linguagem bastante exagerada: “Se a tua mão te leva a pecar, corta-a; se o teu pé te leva a pecar, corta-o; se o teu olho te leva a pecar, arranca-o”. E por que Ele diz isso? Evidentemente, Jesus não quer que pessoa alguma corte materialmente a própria mão, o próprio pé ou o próprio olho. Nosso Senhor está explicando que, se é para evitar um escândalo, se é para evitar que um recém-convertido — que tem fé fraca — perca definitivamente a fé e vá para o Inferno, então nós temos de renunciar a tudo aquilo que é escandaloso. 

Nós precisamos renunciar a amizades escandalosas, roupas escandalosas, livros escandalosos, negócios escandalosos; mesmo que sejamos apegados a essas coisas como a um braço, uma mão, um pé, um olho. Mesmo que o desapego seja doloroso, devemos arrancar, amputar essas realidades da nossa vida. E isso porque aquilo que está em jogo é a nossa salvação — e também a salvação do outro.

Podemos citar alguns exemplos bem concretos para ilustrar a realidade do escândalo — e não ficarmos só na teoria. Em que consiste o vestir-se de forma escandalosa? Na linguagem comum é o sujeito vestir-se de modo espalhafatoso, chamando a atenção para si. Mas essa não é toda a verdade, pois uma roupa escandalosa é, na verdade, aquela que leva o outro a pecar. 

Assim, um homem ou uma mulher que se veste de forma escandalosa está mostrando ou salientando as partes eróticas do seu corpo. Isso acontece quando, por exemplo, a mulher usa roupas com a finalidade de provocar, seduzir, chamar a atenção para o seu corpo nas partes sexuais ou erógenas, que são, por assim dizer, sedutoras. Nesse sentido, aquele ou aquela que usa roupas desse tipo está cometendo o pecado do escândalo. 

Quando uma mulher usa um shortinho que deixa as coxas à mostra ou um decote que exibe parte dos seios, o irmão recém-convertido — que teve uma vida sexual depravada e assumiu o propósito de guardar a pureza — pode ser levado a pecar. A mulher nem sequer está consciente do que está fazendo, mas quantos rapazes podem desanimar e cair no pecado porque vêem mulheres vestidas dessa forma? Eles são tentados na sua sexualidade e terminam recorrendo à masturbação, à pornografia e até procurando a prostituição. Pode ser que ele não peque sexualmente com essa mulher que está vestida vulgarmente, mas ela jogou esse irmão no fogo das paixões. 

É evidente que essa dinâmica do escândalo também vale para os homens; no entanto, pela natureza das coisas, há uma distinção entre o apetite concupiscível do homem e o da mulher. Geralmente, o homem gosta de ver, ele é um voyeur; porque o cérebro do homem é como o de um caçador. Em contrapartida, a mulher gosta de seduzir, gosta de se mostrar, de se exibir. Se pudéssemos colocar essa realidade com palavras cruas e diretas, diríamos que o pecado típico do homem é ver pornografia; o da mulher, mostrar demais seu corpo. Evidentemente, isso são tendências da natureza desordenada.

Infelizmente, com a engenharia social que afeta as nossas vidas, esse tipo de pecado está sendo praticado cada vez mais por ambos os sexos. Antigamente, se na confissão eu perguntasse para uma mulher se ela tinha visto pornografia ou caído em masturbação, isso para ela seria uma ofensa — a mulher sairia do confessionário ofendida. Mas hoje, 32 anos depois, esse é o tipo de pergunta que, miseravelmente, o padre precisa fazer no confessionário. Mas, por quê? Ora, porque com as transformações culturais, as mulheres também caíram nessa armadilha. 

Assim, a forma com a qual os homens se vestem também provoca as mulheres, levando-as a pecar. Apresentamos esse exemplo que corresponde àquilo que Nosso Senhor nos diz no Evangelho de hoje. Pois ele quer que nós nos desapeguemos, mesmo que esse desapego provoque dor; é isto o que Ele diz: “Se a tua mão te leva a pecar, corta-a; se o teu pé te leva a pecar, corta-o; se o teu olho te levar a pecar, arranca-o”. E isso porque, a fim de alcançarmos a vida eterna — e a vida eterna do outro —, temos de estar dispostos a pagar qualquer preço. 

A pessoa que está em pecado não quer mudar o seu jeito de se vestir, porque acha que o problema é de quem vê, mas não é assim. Deus, que sonda os corações, está vendo que a pessoa vulgar está levando o outro a pecar. Não se deve vestir-se de forma pecaminosa e escandalosa com o propósito de seduzir o outro e excitar as paixões dele. Isso é sempre um pecado mortal. E neste Evangelho, Nosso Senhor não está medindo palavras; Ele está dizendo claramente que seria melhor amarrar uma pedra de moinho ao pescoço e se lançar no mar do que fazer o outro pecar. 

Não se trata de um pecado leve, porque, com ele, leva-se o outro a pecar. Há pessoas que querem realmente viver a pureza e a castidade, mas são atrapalhadas nesse propósito quando, por exemplo, veem uma mulher vestida de forma escandalosa. Não estamos aqui dizendo que é preciso vestir uma burca. Mas é preciso entender que a elegância com a qual uma pessoa se veste é uma virtude. No entanto, ser elegante é algo distinto de seduzir, de ser pedra de tropeço.

É claro que isso não se restringe às vestimentas, mas o escândalo também pode vir, por exemplo, dos programas de televisão aos quais assistimos. Um adulto que, na presença de crianças e adolescentes, assiste a programas de televisão inadequados, desrespeita esses menores e também aos pais deles, que estão tentando fazer com que os filhos guardem a pureza. Esse adulto está sendo escandaloso. Novamente, Nosso Senhor diz: “Se você levar a pecar um desses pequeninos que creem, é melhor você se jogar no mar”. E essa realidade também é válida quando os pequeninos somos nós mesmos, que ainda não estamos na santidade sólida. Afinal, qual é o nosso objetivo ao ver, por exemplo, um conteúdo inadequado que é ocasião de pecado? 

A pessoa pode argumentar em prol da leitura de um livro indecente, porque simplesmente se trata de uma obra de literatura. Ela decide ler, mesmo ciente de que nesse livro haverá passagens indecorosas, que certamente serão ocasião de pecado para ela. Quem age assim não percebe que está sendo um escândalo (pedra de tropeço) para si próprio.

Além disso, o escândalo se relaciona não só com roupas, filmes e novelas, mas também, por exemplo, com amizades. 

E isso porque, infelizmente, há amigos escandalosos. Se uma pessoa, por exemplo, abandonou recentemente as drogas, o alcoolismo ou a prostituição, mas não decide se desapegar dos seus amigos de botequim, da rodinha da maconha ou dos contatos promíscuos, ela não se libertará do pecado. Jesus está dizendo que devemos “cortar a mão”, “amputar o pé”, “arrancar o olho”, para garantir a vida eterna, mesmo que doa muito. 

Podemos mostrar a necessidade de abraçar a dor do desapego com um exemplo emblemático. Trata-se de um evento verídico que aconteceu nos Estados Unidos com um sujeito chamado Aron Ralston. No dia 26 de abril de 2003, Aron, que era alpinista e gostava de escalar montanhas, decidiu explorar um cânion na região de Wayne County, no estado norte-americano de Utah, e, para resumir a história, ficou com o braço preso em uma rocha. Isso é narrado no livro — que depois serviu de inspiração para o roteiro de um filme — “Between a Rock and a Hard Place”, e o filme no Brasil estreou com o título de “127 Horas: uma empolgante história de sobrevivência”. 

Mas o que aconteceu? O alpinista Aron Ralston havia decidido explorar o cânion sozinho, sem avisar familiares e amigos. Durante a escalada, ele se apoiou em uma pedra que, ao se deslocar, caiu no seu braço, prendendo-o definitivamente. Seu antebraço foi esmagado. Evidentemente, ele lutou, fez grande esforço para sair de lá, mas a rocha pesava centenas de quilos. 

Completamente sozinho, ele fez tudo quanto pôde para sair dali, usando os instrumentos que estavam ao seu alcance. Ele já estava preso havia cinco dias, a comida acabou e, para não morrer de sede, Aron se viu obrigado a beber a própria urina. A verdade é que ele já estava pronto para morrer, porque não havia como escapar dali. Sua família não fazia ideia de onde ele estava, porque o alpinista não havia informado pessoa alguma dessa sua aventura. 

Diante da morte iminente, o norte-americano decidiu escrever uma pequena mensagem para os seus pais na própria pedra que havia esmagado o seu braço — depois de escrever, ele desmaiou. Ao despertar, Aron teve uma ideia: usar o seu pequeno canivete para amputar o seu próprio braço. O processo durou algumas horas porque, evidentemente, ele teve de cortar o osso; e se não tivesse feito um torniquete, certamente teria morrido.

Citamos esse exemplo a fim de mostrar que, para salvar a própria vida — esta vida terrena, efêmera e passageira —, o sujeito amputou o próprio braço. Mas nós não queremos amputar os nossos maus hábitos para sermos salvos e receber a vida eterna com Deus. Ele amputou o braço e salvou esta vida terrena, porque sabia que ela valia mais que seu braço. Mas nós simplesmente não achamos razoável amputar alguns amigos, algumas roupas, alguns livros, alguns negócios — como aqueles que vendem pornografia, anticoncepcional e outros meios de pecado. 

Se fosse para salvar esta vida terrena, amputaríamos até mesmo o nosso próprio braço; mas como é para a vida eterna, são poucos os que têm fé suficiente para fazê-lo. Mas neste Domingo, Jesus está nos alertando: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. Se tua mão te leva a pecar, corta-a [...] Se teu pé te leva a pecar, corta-o [...] Se teu olho te leva a pecar, arranca-o”. Com isso, Nosso Senhor está dizendo que, embora seja doloroso, devemos renunciar a essas coisas escandalosas que nos levam ao pecado. Se vale a pena perder um braço para salvar esta vida, como fez Aran Ralston; vale muito mais perder tudo para ganhar a vida eterna.

 
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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

23ª Semana do Tempo Comum - As quatro ameaças do Senhor!

 Bem-aventurados os pobres de espírito!

Vós sois justo, na verdade, ó Senhor, e os vossos julgamentos são corretos. Conforme o vosso amor, Senhor, tratai-me (SI 118,137.124).

O Senhor nos ilumina e orienta para que vivamos nossa vocação – seja ao matrimônio, ao ministério ordenado ou à consagração religiosa – de modo intenso e, ao mesmo tempo, desapegado dos bens materiais. Pois “a figura deste mundo passa”. Somos convidados pela liturgia a fixar o coração onde se encontram os valores eternos.

Primeira Leitura: 1 Coríntios 7,25-31

Leitura da primeira carta de São Paulo aos Coríntios – Irmãos, 25a respeito das pessoas solteiras, não tenho nenhum mandamento do Senhor. Mas, como alguém que, por misericórdia de Deus, merece confiança, dou uma opinião: 26penso que, em razão das angústias presentes, é vantajoso não se casar, é bom cada qual estar assim. 27Estás ligado a uma mulher? Não procures desligar-te. Não estás ligado a nenhuma mulher? Não procures ligar-te. 28Se, porém, casares, não pecas. E, se a virgem se casar, não peca. Mas as pessoas casadas terão as tribulações da vida matrimonial; e eu gostaria de poupar-vos isso. 29Eu digo, irmãos, o tempo está abreviado. Então, que, doravante, os que têm mulher vivam como se não tivessem mulher; 30e os que choram, como se não chorassem, e os que estão alegres, como se não estivessem alegres, e os que fazem compras, como se não possuíssem coisa alguma; 31e os que usam do mundo, como se dele não estivessem gozando. Pois a figura deste mundo passa. – Palavra do Senhor.

Salmo Responsorial: 44(45)

Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto!

1. Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto: / “Esquecei vosso povo e a casa paterna! / Que o rei se encante com vossa beleza! / Prestai-lhe homenagem: é vosso Senhor! – R.

2. Majestosa, a princesa real vem chegando, / vestida de ricos brocados de ouro. / Em vestes vistosas ao rei se dirige, / e as virgens amigas lhe formam cortejo. – R.

3. Entre cantos de festa e com grande alegria, / ingressam, então, no palácio real”. / Deixareis vossos pais, mas tereis muitos filhos; / fareis deles os reis soberanos da terra. – R.

Evangelho: Lucas 6,20-26

Aleluia, aleluia, aleluia.

Meus discípulos, alegrai-vos, / exultai de alegria, / pois bem grande é a recompensa / que nos céus tereis um dia! (Lc 6,23) – R.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, 20Jesus, levantando os olhos para os seus discípulos, disse: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! 21Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir! 22Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do Homem! 23Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas. 24Mas ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! 25Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! 26Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas”. – Palavra da salvação.

Reflexão

Breve explicação do texto. — S. Lucas enumera apenas quatro bem-aventuranças, a saber: aquelas que aos homens parecem mais paradoxais e inacreditáveis, por se referirem a) aos pobres: Bem-aventurados vós, os pobres (v. 20); b) aos indigentes: Bem-aventurados vós que agora tendes fome (v. 21); c) aos aflitos: Bem-aventurados vós que agora chorais (ibid.); d) e aos que sofrem nas mãos dos homens sob pretexto de religião: Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem (v. 23). A estas quatro bem-aventuranças acrescenta o Senhor outras tantas cominações, com as quais afirma a sorte infeliz que terão os que, na estimação comum dos homens, são considerados felizes.

V. 24. Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes aqui vossa consolação! Esta sentença deve entender-se como referida aos ricos que são semelhantes ao rico epulão do Evangelho (cf. Lc 16, 19-31), ou seja, aos que abusam, para satisfazer seus próprios desejos, das riquezas que deveriam usar para aliviar as necessidades dos miseráveis.

V. 25. Ai de vós que agora tendes fartura, porque passareis fome! É uma ameaça àqueles cujo deus, como diz S. Paulo, é o próprio ventre (cf. Fp 3, 19). — Ai de vós que agora rides, isto é, que nesta vida, na qual há tantos motivos para chorar, vos entregais às concupiscências do mundo e a todo tipo de prazer, porque tereis luto e lágrimas! Este infortúnio não está reservado apenas para a vida futura, pois é um perigo já na presente, segundo aquilo: “Não há paz para os maus” (Is 48, 22).

V. 26. Ai de vós quando todos, isto é, os homens dados às coisas do mundo, vos elogiam, isto é, quando vos louvam e aprovam, além disso, vossa doutrina; era assim que os antepassados deles, isto é, daqueles a quem elogiais (cf. Jr 5, 31), tratavam os falsos profetas. Neste versículo, o Senhor se dirige aos discípulos, aos quais recomenda, em forma de ameaça, a liberdade evangélica, o ódio do mundo e, quando for necessário, o desprezo dos homens; do contrário, terão a mesma sorte que tiveram os falsos profetas. (Ez 13, 9; Jr 28, 2ss etc.) [1].

Anotações homiléticas. — 1) Riquezas, um bem relativo: “Ainda que no acúmulo de riquezas haja muitos atrativos para o pecado, há também muitos incentivos à virtude; e embora a virtude não precise de subsídios e seja mais louvável a esmola do pobre que a liberalidade do rico, não obstante, condena o Senhor com a autoridade da sentença celeste não os que possuem riquezas, mas os que não as sabem empregar bem” (S. Ambrósio). — 2) A necessidade da abstinência: “Ora, que seja necessária a abstinência, é evidente pelo fato de o Apóstolo enumerá-la entre os frutos do Espírito. Com efeito, a sujeição do corpo por nenhum outro meio se alcança melhor do que pela abstinência: por ela, como por certo freio, cumpre domar o fervor da juventude. É, portanto, a abstinência a morte do crime, o afastamento das paixões, o início da vida espiritual, que embota em si o acúleo da sensualidade” (S. Basílio Magno). — 3) Moderação no riso, seriedade na vida: “Já que o Senhor repreende agora os que riem, é evidente que nunca terá o fiel tempo para rir, sobretudo em tamanha multidão de homens que morrem em pecado, pelos quais é necessário chorar. De fato, o riso supérfluo é sinal de imoderação e movimento de uma alma sem freios” (Id.). — 4) A pedagogia de Cristo: “Chamam-se falsos profetas porque, para conquistar o favor do povo, tentam predizer o futuro. Por isso, o Senhor, no monte, falou somente das bem-aventuranças dos bons, ao passo que, no campo, descreveu também as desaventuranças dos réprobos: pois a ouvintes ainda rudes é preciso compelir ao bem com os terrores da pena, enquanto aos perfeitos é suficiente convidá-los pelo anúncio do prêmio” (S. Beda, o Venerável) [2].

 

Referências

  1. O texto desta homilia é uma versão levemente adaptada de H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 4.ª ed., iterum recognita a J. Prado. Turini: Marietti, 1930, vol. 1, p. 301s, n. 201.
  2. Cf. S. Tomás de Aquino, Catena in Lucam, c. 6, l. 6.
 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

23ª Semana do Tempo Comum - Por que Jesus quis rezar?

 Se Cristo rezou, por que nós não rezamos?

Vós sois justo, na verdade, ó Senhor, e os vossos julgamentos são corretos. Conforme o vosso amor, Senhor, tratai-me (SI 118,137.124).

Antes de escolher os apóstolos, Jesus se recolhe, ensinando que todo chamado nasce e se sustenta na oração e na intimidade com o Pai. Os discípulos do Reino devem assumir atitudes novas, livres da injustiça nos relacionamentos e de tudo aquilo que impede a proximidade com Deus. Ao Senhor, que curou muitas doenças no seu tempo, pedimos que nos cure do “mundanismo”, que impede a vivência de seu projeto de amor e vida.  

Primeira Leitura: 1 Coríntios 6,1-11

Leitura da primeira carta de São Paulo aos Coríntios – Irmãos, 1quando um de vós tem uma questão com outro, como se atreve a entrar na justiça perante os injustos, em vez de recorrer aos santos? 2Será que ignorais que os santos julgarão o mundo? Ora, se o mundo está sujeito ao vosso julgamento, seríeis acaso indignos de deliberar e julgar sobre questões tão insignificantes? 3Ignorais que julgaremos os anjos? Quanto mais, coisas desta vida! No entanto, se tendes dessas questões a resolver, recorreis a juízes que a Igreja não pode recomendar. Digo isso para confusão vossa! Será, então, que aí entre vós não se encontra ninguém sensato e prudente que possa ser juiz entre irmãos? 6Ao invés disso, irmão contra irmão vai a juízo, e isso perante infiéis! 7Aliás, já é uma grande falta haver processos entre vós. Por que não suportais, antes, a injustiça? Por que não tolerais, antes, ser prejudicado? 8Pelo contrário, vós é que cometeis injustiças e fraudes, e isso contra irmãos! 9Porventura ignorais que pessoas injustas não terão parte no Reino de Deus? Não vos iludais: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem pederastas, 10nem ladrões, nem avarentos, nem beberrões, nem insolentes, nem salteadores terão parte no Reino de Deus. 11E vós, isto é, alguns de vós, éreis isso! Mas fostes lavados, fostes santificados, fostes justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus. – Palavra do Senhor.

Salmo Responsorial: 149

O Senhor ama seu povo de verdade.

1. Cantai ao Senhor Deus um canto novo, / e o seu louvor na assembleia dos fiéis! / Alegre-se Israel em quem o fez, / e Sião se rejubile no seu rei! – R.

2. Com danças glorifiquem o seu nome, / toquem harpa e tambor em sua honra! / Porque, de fato, o Senhor ama seu povo / e coroa com vitória os seus humildes. – R.

3. Exultem os fiéis por sua glória / e, cantando, se levantem de seus leitos / com louvores do Senhor em sua boca. / Eis a glória para todos os seus santos. – R.

Evangelho: Lucas 6,12-19

Aleluia, aleluia, aleluia.

Eu vos escolhi a fim de que deis, / no meio do mundo, um fruto que dure (Jo 15,16). – R.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 12Naqueles dias, Jesus foi à montanha para rezar. E passou a noite toda em oração a Deus. 13Ao amanhecer, chamou seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de apóstolos: 14Simão, a quem impôs o nome de Pedro, e seu irmão André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; 15Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelota; 16Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, aquele que se tornou traidor. 17Jesus desceu da montanha com eles e parou num lugar plano. Ali estavam muitos dos seus discípulos e grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia. 18Vieram para ouvir Jesus e serem curados de suas doenças. E aqueles que estavam atormentados por espíritos maus também foram curados. 19A multidão toda procurava tocar em Jesus, porque uma força saía dele e curava a todos. – Palavra da salvação.

Reflexão

Jesus foi à montanha para rezar. E passou a noite toda em oração a Deus. — A) É tríplice a causa desta oração noturna de Cristo: 1.ª) para rogar ao Pai que, na manhã seguinte, designasse dentre os discípulos doze Apóstolos, escolhendo os que fossem dignos de tamanha missão; 2.ª) segunda, para, orando, lhes impetrar a graça e o espírito necessários ao cumprimento do seu apostolado e à conversão do mundo; 3.ª) terceira, para nos ensinar duas coisas, a saber: a) a necessidade de dedicar um tempo a Deus pela oração, o que se cumpre pela observância do descanso sabático, como visto no Evangelho de sábado; b) a necessidade de rezar constantemente (e por isso diz “a noite toda”) tanto pela vocação como pela santificação dos sacerdotes. Eis por que a Igreja, iluminada pelo exemplo de Cristo, prescrevia outrora aos fiéis, durante as Quatro Têmporas, a oração e o jejum, para que os ordinandos nesse período fossem dignos e, pela intercessão mais fervorosa dos fiéis, alcançassem de Deus graças idôneas à dignidade para a qual foram escolhidos.

B) Em sentido tropológico, o Senhor nos ensina a rezar à noite: 1.º) porque a noite simboliza o sossego, o silêncio e a solidão necessária ao recolhimento da alma, sem o que é difícil, senão impossível, elevar-se a Deus convenientemente; 2.º) para dissipar as ilusões noturnas, isto é, as tentações e terrores de consciência com que o demônio, perturbando-nos, busca sem descanso afastar-nos da oração; 3.º) a fim de, rezando à noite, pedirmos a Deus as virtudes de que precisaremos na manhã seguinte e as graças que ao longo do dia havemos de levar aos nossos irmãos. É por isso que Jesus rezava à noite, mas pregava de dia. O mesmo fizeram o Apóstolo S. Paulo (cf. At 16, 25; 1Tm 5, 5) e muitos outros santos, como S. Antônio, S. Domingos de Gusmão, S. Francisco de Assis etc. etc. Também Davi recomenda várias vezes a oração noturna: “Bendizei o Senhor […] durante as horas da noite” (Sl 133, 1); “Em meio à noite levanto-me para vos louvar” (Sl 118, 62); “De noite reflito no fundo do coração” (Sl 76, 7); “Minhas lágrimas se converteram em alimento dia e noite, enquanto me repetem sem cessar: ‘Teu Deus, onde está?’” (Sl 41, 4) [1].

 

https://padrepauloricardo.org

Referências

  1. Extraído de Cornélio a Lapide, Commentaria in S. Scripturam. Neapoli, 1857, vol. 8, p. 556.
 

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

23ª Semana do Tempo Comum - Quais são as nossas reais intenções?

 Lucas 6, 6-11: Levántate y quédate de pie delante de todos – Boosco.org

Primeira Leitura (1Cor 5,1-8)

Leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios

Irmãos, 1 é voz geral que está acontecendo, entre vós, um caso de imoralidade; e de imoralidade tal que nem entre os pagãos costuma acontecer: um dentre vós está convivendo com a própria madrasta. 2 No entanto, estais inchados de orgulho, ao invés de vestirdes luto, a fim de que fosse tirado do meio de vós aquele que assim procede? 3 Pois bem, embora ausente de corpo, mas presente em espírito, eu julguei, como se estivesse aí entre vós, esse tal que tem procedido assim: 4 Em nome do Senhor Jesus - estando vós e eu espiritualmente reunidos com o poder do Senhor nosso, Jesus - 5 entregamos tal homem a Satanás, para a ruína da carne, a fim de que o espírito seja salvo, no dia do Senhor. 6 Vós vos gloriais sem razão! Acaso ignorais que um pouco de fermento leveda a massa toda? 7 Lançai fora o fermento velho, para que sejais uma massa nova, já que deveis ser sem fermento. Pois o nosso cordeiro pascal, Cristo, já está imolado. 8 Assim, celebremos a festa, não com velho fermento, nem com fermento de maldade ou de perversidade, mas com os pães ázimos de pureza e de verdade.

- Palavra do Senhor.

- Graças a Deus.

Responsório Sl 5,5-6.7.12 (R. 9a)

— Na vossa justiça guiai-me Senhor!

— Na vossa justiça guiai-me Senhor!

— Não sois um Deus a quem agrade a iniquidade, não pode o mau morar convosco; nem os ímpios poderão permanecer perante os vossos olhos.

— Detestais o que pratica a iniquidade e destruís o mentiroso. Ó Senhor, abominais o sanguinário, o perverso e enganador.

— Mas exulte de alegria todo aquele que em vós se refugia; sob a vossa proteção se regozijem, os que amam vosso nome! 

Evangelho (Lc 6,6-11)

— Aleluia, Aleluia, Aleluia.

— Minhas ovelhas escutam minha voz e eu as conheço e elas me seguem.

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas

— Glória a vós, Senhor.

Aconteceu num dia de sábado 6 que Jesus entrou na sinagoga, e começou a ensinar. Aí havia um homem cuja mão direita era seca. 7 Os mestres da Lei e os fariseus o observavam, para verem se Jesus iria curá-lo em dia de sábado, e assim encontrarem motivo para acusá-lo. 8 Jesus, porém, conhecendo seus pensamentos, disse ao homem da mão seca: "Levanta-te, e fica aqui no meio". Ele se levantou, e ficou de pé. 9 Disse-lhes Jesus: "Eu vos pergunto: O que é permitido fazer no sábado: o bem ou o mal, salvar uma vida ou deixar que se perca?" 10 Então Jesus olhou para todos os que estavam ao seu redor, e disse ao homem: "Estende a tua mão." O homem assim o fez e sua mão ficou curada. 11 Eles ficaram com muita raiva, e começaram a discutir entre si sobre o que poderiam fazer contra Jesus.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

Reflexão

É dia de sábado. Está Jesus na sinagoga, rodeado de judeus. Entre eles, há um de mão seca. Eis o cenário que todos veem; mas há algo que só Jesus pode enxergar: o segredo dos corações. Com efeito, ali também estavam os mestres da Lei, e o Senhor bem lhes conhecia a maldade, porque eles o observavam, para ver se, curando em dia de sábado aquele irmão doente, teriam motivo para o acusar de impiedade e desobediência. Jesus, porém, conhecendo esses pensamentos maliciosos, não tem medo de os enfrentar e, devolvendo a saúde à mão do homem, demonstrar a todos, de hoje e de então, que a caridade está acima até mesmo do preceito sabático. Não porque este não tenha importância, mas porque a sua finalidade, ao contrário do que pensavam os fariseus, não era uma inação absoluta, mas dispor o homem, mediante o culto divino, para a superabundância do amor a Deus e ao próximo. Apesar da boa obra que veem Jesus realizar, os doutores e mestres da Lei “ficaram com muita raiva, e começaram a discutir entre si sobre o que poderiam fazer contra Ele”. Essa atitude, por sua vez, mostra que nem sempre, quando pensamos estar cumprindo os Mandamentos de Deus e da Igreja, temos uma intenção totalmente reta. Os fariseus que aqui vemos, por exemplo, observavam os rituais da sua religião com uma fidelidade mais do que literal, e no entanto o coração e os pensamentos deles estavam longe de Deus. Também isso pode suceder conosco, quando a prática da nossa santa religião, de início até bem intencionada, se vai transformando pouco a pouco num culto a nós mesmos, onde Jesus só parece ter espaço como certo “adereço” piedoso, e não como centro ao qual convergem todos os nossos afetos e ações. Façamos, pois, um sincero exame de consciência e vejamos se, na nossa vida cristã, o que nos tem movido é o desejo de nos unirmos a Cristo, despojando-nos do que somos para sermos todos dele, ou a pretensão, oculta e silenciada, de cultuarmos a nossa própria imagem, fazendo Deus servir aos nossos caprichos. Deixemos que Cristo nos revele a nossa miséria e vergonha: “Levanta-te, e fica aqui no meio”, porque é só assim, com franqueza e humildade, que poderemos começar a dar-lhe o culto que Ele merece.

 

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