A intrigante questão por que ainda ser cristão hoje? é título de um opúsculo do filósofo e teólogo suíço Hans Küng (*1928), publicado pela Verus Editora, em 2004.
Nessa obra o autor enfoca com clareza, profundidade e ousadia questões básicas para a fé cristã e, sobretudo, coloca em evidência aquilo que realmente importa para ser um autêntico cristão. Muito preocupado com doutrinas e práticas tradicionais da Igreja Católica, pergunta-se: O que é ser um autêntico cristão e não apenas um cristão de fachada? Se uma pessoa ou instituição não é cristã pelo simples fato de ter cristão no nome, o que se requer além do nome?
O que é especificamente cristão e não apenas eclesiástico, católico, católico romano, magisterial?Por que ainda ser cristão hoje?
Hans Küng inicia o supracitado texto explicitando que a sociedade moderna encontra-se em uma ampla e profunda crise de orientação. A falta de orientação básica manifesta-se sobretudo após a rebelião dos jovens e estudantes no final da década de 1960. A partir de então já não existe mais nenhuma instituição ou autoridade guardiã das tradições e valores que não esteja sendo radicalmente questionada.
A religião cristã, que até então era matéria de convicção pessoal ou pelo menos uma questão ligada à tradição e aos bons costumes, tende a ser afastada totalmente da vida pública e relegada para a privacidade do indivíduo. Esse processo de secularização preocupa bastante inclusive ao Papa Bento XVI porque se verifica que com a perda da religião como um evento social, perde-se também os valores éticos.
Para o pensador suíço não existe nenhum dever incondicional para determinado modo de agir humano sem a abertura a uma autoridade absoluta (Deus) que imponha sobre nós aquele dever; não existe ação humana,incondicionalmente obrigatória, sem religião. Como demonstrar, unicamente a partir da razão, que a liberdade é melhor do que a opressão, a justiça melhor do que a busca do lucro, o amor melhor do que o ódio e a paz melhor do que a guerra? Como justificar filosoficamente a atitude de uma pessoa que abre mão de vantagens pessoais, ou até mesmo de sua própria vida, em benefício da vida do próximo? Por que não posso roubar, matar e mentir se isto me traz vantagens? Talvez por causa dessa crescente convicção de que não é possível fundamentar os valores éticos exclusivamente a partir da razão, que se sustenta, hoje, a necessidade de articular novamente razão e fé, fé e política, e de entender esta como forma de viver o espírito de solidariedade na sociedade.
Nessa obra o autor enfoca com clareza, profundidade e ousadia questões básicas para a fé cristã e, sobretudo, coloca em evidência aquilo que realmente importa para ser um autêntico cristão. Muito preocupado com doutrinas e práticas tradicionais da Igreja Católica, pergunta-se: O que é ser um autêntico cristão e não apenas um cristão de fachada? Se uma pessoa ou instituição não é cristã pelo simples fato de ter cristão no nome, o que se requer além do nome?
O que é especificamente cristão e não apenas eclesiástico, católico, católico romano, magisterial?Por que ainda ser cristão hoje?
Hans Küng inicia o supracitado texto explicitando que a sociedade moderna encontra-se em uma ampla e profunda crise de orientação. A falta de orientação básica manifesta-se sobretudo após a rebelião dos jovens e estudantes no final da década de 1960. A partir de então já não existe mais nenhuma instituição ou autoridade guardiã das tradições e valores que não esteja sendo radicalmente questionada.
A religião cristã, que até então era matéria de convicção pessoal ou pelo menos uma questão ligada à tradição e aos bons costumes, tende a ser afastada totalmente da vida pública e relegada para a privacidade do indivíduo. Esse processo de secularização preocupa bastante inclusive ao Papa Bento XVI porque se verifica que com a perda da religião como um evento social, perde-se também os valores éticos.
Para o pensador suíço não existe nenhum dever incondicional para determinado modo de agir humano sem a abertura a uma autoridade absoluta (Deus) que imponha sobre nós aquele dever; não existe ação humana,incondicionalmente obrigatória, sem religião. Como demonstrar, unicamente a partir da razão, que a liberdade é melhor do que a opressão, a justiça melhor do que a busca do lucro, o amor melhor do que o ódio e a paz melhor do que a guerra? Como justificar filosoficamente a atitude de uma pessoa que abre mão de vantagens pessoais, ou até mesmo de sua própria vida, em benefício da vida do próximo? Por que não posso roubar, matar e mentir se isto me traz vantagens? Talvez por causa dessa crescente convicção de que não é possível fundamentar os valores éticos exclusivamente a partir da razão, que se sustenta, hoje, a necessidade de articular novamente razão e fé, fé e política, e de entender esta como forma de viver o espírito de solidariedade na sociedade.
A perda da fundamentação incondicional (religiosa) dos princípios éticos reflete-se na necessidade de estabelecer, com freqüência, novas normas de conduta e novos regulamentos (leis) que, porém, muito mais salvaguardam interesses de grupos ávidos de benefícios próprios (éticas egocêntricas) do que a melhoria da qualidade de vida de todos. Se hoje, portanto, fala-se tanto de crise ética em vários setores da sociedade é porque falta uma orientação básica e, segundo Küng, falta uma orientação básica cristã.
Sabe-se que ao longo da história do cristianismo foram cometidos vários erros, entre os quais, as cruzadas, a perseguição contra os judeus, o caso Galileu, a cumplicidade com os donos do poder, etc. Porém, apesar do fundo sombrio de muito daquilo que é chamado cristão, é possível hoje encontrar uma orientação básica na mensagem cristã em si mesma, ou melhor, na vida a partir de e no seguimento de Jesus Cristo. Na base do cristianismo está a pessoa de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus encarnado. Jesus Cristo, in persona, é a manifestação visível de que Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele (1Jo 4,16).
O Deus revelado por Jesus Cristo, em vez de condenar, perdoa; em vez de castigar, liberta; em vez de impor a justiça, faz valer a graça e a misericórdia. Foi por esse Deus que Jesus suplicou, falou, lutou, sofreu e morreu na cruz. Humildade, amor, perdão, compaixão, fidelidade, serviço ao próximo sem esperar retribuições são, portanto, atitudes humanas de Jesus que expressam a vontade de Deus em relação a todos os seus filhos e filhas. Enfim, Jesus revelou a face de Deus Uno e Trino através de sua vida de doação incondicional a todos os seres humanos, que culminou na sua morte de cruz.
O teólogo Bruno Forte, em A essência do cristianismo (Vozes, Petrópolis 2003), conclui que desde o início do movimento cristão até hoje, a essência do cristianismo é Jesus Cristo crucificado. Na cruz de Jesus Cristo, Deus revela todo o seu amor pela humanidade, e na cruz de Jesus Cristo realiza-se maximamente a vocação fundamental do ser humano. A essência do cristianismo é o Amor crucificado em sua abissal profundidade humano-divina.
Por conseguinte, autêntico cristão é aquele que se deixa orientar por Jesus Cristo, imita-O na busca da liberdade, na prática da justiça, da solidariedade e da paz.
Porém, na esteira de Jesus Cristo, o senso de justiça ultrapassa o respeito aos deveres elementares da condição humana, como não matar, não roubar, não mentir, etc.
O autêntico cristão, abraçado à cruz de Jesus Cristo, engaja-se despretensiosamente em favor do próximo, compromete-se com um amor que não somente respeita, mas integra até mesmo o inimigo.
São Lucas escreve acerca deste tema: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei aos que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam (Lc 6, 7-28).
O apóstolo Paulo aponta para todas as características que, juntas, constituem o fruto do Espírito de Cristo e de todo o cristão, a saber: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gl 5, 22-23).
O distintivo dos cristãos se encontra nas palavras do próprio Jesus: Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros (Jo 13, 34s).
Conforme dissemos anteriormente, ao longo da história do cristianismo muitos cristãos não foram cristãos no sentido mais profundo, verdadeiro e original da palavra. Porém, seria um equívoco condenar a religião cristã e a Igreja Católica por causa de atitudes anti-cristãs de cristãos de fachada. Pois, a partir da inspiração originária do próprio cristianismo rejeita-se tudo quanto de algum modo tenha a ver com um dogmatismo autoritário ou com uma moral cristã estreita e casuísta, distanciada da vida.
Mas é verdade também que na Igreja há muitos cristãos que são verdadeiros discípulos do mestre Jesus Cristo, ou seja, que fazem de Jesus Cristo a orientação básica de suas vidas.
Entre os mais renomados discípulos de Jesus Cristo destaca-se São Francisco de Assis. Ele quis ser cristão porque encontrou no Evangelho de Jesus Cristo o sentido fundamental de sua vida. Ao ouvir o trecho do Evangelho acerca da missão dos apóstolos (Mt 10, 7-13), imediatamente exclamou: É isto que eu quero, é isto que eu procuro, é isto que eu desejo fazer do íntimo do coração (1Cel 22). Sem demora, no espírito de Deus, começou a colocar em prática o que ouvira, isto é, distribuiu aos pobres todos os seus bens materiais e renegou completamente a sua vontade para livremente fazer a vontade de Deus. Francisco quis, pura e simplesmente, viver e agir o mais fielmente possível como Jesus viveu e agiu e, conseqüentemente, anunciar o Reino de Deus, a conversão e a paz. Francisco abraçou pobre e humildemente a cruz. Não quis mais gloriar-se a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo (Gl 6,14). Por isso, no final de sua vida, todo arrebatado em Deus e transformado à semelhança de Jesus pelo amor e pela compaixão, teve visivelmente impressos sobre seu corpo os estigmas do Crucificado (1Cel 94;95; LM 13,3).
E à medida que a sua opção de vida suscitou discípulos e fez crescer a comunhão fraterna entre eles, e levou-os à solidariedade com todos os necessitados, sem discriminação, reinaugurou-se o ideal primitivo da Igreja de Jesus Cristo. De modo que, com toda a razão, S. Boaventura comparou Francisco a Jesus Cristo e a fraternidade primitiva franciscana à comunidade primitiva dos cristãos.
Enfim, recoloca-se a questão: por que ainda ser cristão hoje?
Certamente muitos denominam-se cristãos pelo simples fato de terem nascido dentro de uma tradição cristã de 20 séculos e querem continuar honrando essa nobre tradição.
Outros provavelmente são cristãos por causa da convicção de que, seguindo Jesus Cristo, é possível viver, agir, sofrer e morrer dignamente como um ser humano.
E, talvez, muitos são cristãos ainda hoje porque encontram na pessoa de Jesus Cristo, a exemplo de S. Francisco de Assis, o sentido (orientação básica) para a sua existência.
E você, por que ainda é cristão hoje?
Frei João Mannes, OFM
com minha benção
Pe Emílio Carlos+