1º
leitura – At. 12,1-11 - AMBIENTE
O texto
que nos é hoje proposto encerra praticamente a primeira parte do livro dos Atos
dos Apóstolos (a história da expansão do cristianismo dentro das fronteiras
palestinas – cf. At. 1-12). Lucas narra, neste texto, uma nova perseguição à
Igreja de Jesus.
Esta
perseguição é obra de Herodes Agripa I, neto do famoso Herodes, o Grande. O
imperador Calígula deu-lhe, por volta do ano 37, os antigos territórios de
Filipe (Itureia, Traconítide, Bataneia, Gaulanítide e Auranítide); mais tarde
(ano 40), confiou-lhe ainda os antigos territórios de Herodes Antipas (Galileia
e Pereia). Depois do assassínio de Calígula, Herodes Agripa prestou vários
serviços ao imperador Cláudio, o qual lhe ofereceu o governo da Samaria e da
Judeia (ano 41). Assim, Herodes Agripa I reinou praticamente sobre toda a
Palestina entre os anos 41 e 44. Morreu subitamente no ano 44, durante uma
cerimónia pública.
Herodes
Agripa I preocupou-se bastante em não se incompatibilizar com os líderes
judaicos. Por isso, foi muito cuidadoso em observar as prescrições da Lei de
Moisés (embora essa preocupação tenha sido mais por política do que por
convicção: fora do território judaico, Herodes Agripa I vivia à maneira
helénica). Foi, provavelmente, com o mesmo objetivo que ele tentou suprimir a “seita
cristã”, mandando executar Tiago e prendendo Pedro.
Este
Tiago de que se fala no nosso texto é o filho de Zebedeu, irmão de João. Tiago
era, com toda a certeza, um pregador ativo do Evangelho de Jesus e um membro
importante da comunidade cristã de Jerusalém. Com esta morte violenta, Tiago
“bebeu do mesmo cálice”, conforme lhe foi anunciado pelo próprio Jesus (cf. Mc.
10,38).
Estamos
no ano 42.
Esta
perseguição atingiu também outros membros da comunidade cristã de Jerusalém. O
próprio Pedro foi preso, neste contexto, embora tenha sido, posteriormente,
libertado. Os dados avançados por Lucas – no texto que nos é hoje proposto –
sobre a prodigiosa libertação de Pedro não devem ser rigorosamente históricos;
mas devem ser, sobretudo, uma catequese sobre a forma como Deus cuida da sua
Igreja e dos discípulos que dão testemunho da salvação.
MENSAGEM
No livro
dos Atos dos Apóstolos, Lucas procura mostrar como o plano salvador de Deus
para os homens continua a cumprir-se, mesmo depois da partida de Jesus para
junto do Pai. Os discípulos de Jesus são agora, no meio do mundo, as
testemunhas desse projeto de libertação que Deus ofereceu aos homens através de
Jesus Cristo.
Como é
que o mundo acolhe o testemunho dos discípulos? Deus deixa as testemunhas do
seu projeto de salvação entregues à sua sorte, à mercê da perseguição e da
incompreensão do mundo? O texto que nos é proposto como primeira leitura
procura responder a estas questões.
1. Os
elementos históricos avançados por Lucas sobre a morte de Tiago e a prisão de Pedro,
no contexto da perseguição contra a Igreja durante o reinado de Herodes Agripa
I (vs. 1-4), mostram como o testemunho do projeto libertador de Deus no mundo
gera sempre confronto com as forças da opressão e da morte. Trata-se de uma
realidade que não deve deixar os discípulos surpreendidos, pois o próprio Jesus
teve que percorrer o caminho da cruz (a indicação de que Pedro foi preso no dia
dos Ázimos e, portanto, muito próximo do dia de Páscoa, pode sugerir uma
correspondência com a Páscoa de Jesus: o caminho que Pedro está a seguir é o
mesmo caminho do Mestre). Por outro lado, a oposição do mundo não pode nem deve
calar o testemunho que os discípulos são chamados a dar.
2.
Enquanto Pedro estava na prisão, a Igreja orava por ele (v. 5). A indicação mostra
uma comunidade cristã unida, em que os crentes estão próximos e solidários,
apesar da distância e das grades da prisão. Por outro lado, o fato de a
libertação de Pedro acontecer enquanto a Igreja “orava instantemente a Deus por
ele” mostra como Deus escuta a oração da comunidade.
3. A
maravilhosa história da libertação de Pedro (vs. 6-11) mostra a presença
efetiva de Deus na caminhada da sua Igreja e a solicitude com que Deus cuida
daqueles que dão testemunho do seu projeto de salvação no meio dos homens. O
relato está construído com elementos maravilhosos e prodigiosos que não são,
certamente, de caráter histórico (o aparecimento do “anjo do Senhor”, a luz que
iluminou a cela da cadeia, a passagem pelos guardas sem que nenhum deles se
tivesse apercebido da fuga do prisioneiro, a abertura milagrosa da porta da
prisão); mas pretendem sublinhar a presença de Deus e apor no testemunho dos
apóstolos o “selo de garantia” de Deus. Não há dúvida: Deus está com os
apóstolos e, diante da oposição do mundo, garante a autenticidade da proposta
apresentada por eles.
ATUALIZAÇÃO
· Como cenário de fundo da nossa primeira leitura, está o fato de a
comunidade cristã (aqui representada por Pedro) ser uma comunidade que tem como
missão dar testemunho do projeto libertador de Deus no meio dos homens. A
Igreja que nasce de Jesus não é uma comunidade fechada em si própria, ou que
vive apenas de olhos postos no céu à espera que Deus, de forma mágica, renove o
mundo; mas é uma comunidade comprometida com a transformação do mundo, que
testemunha – com palavras e com gestos concretos – os valores de Jesus, do
Evangelho e do mundo novo.
· O nosso texto mostra que o anúncio da proposta de salvação
que Deus faz aos homens gera sempre oposição. Essa oposição vem, especialmente,
daqueles que querem perpetuar os mecanismos de exploração, de injustiça, de
morte; mas também pode vir de quem está comodamente instalado na escravidão e
não tem a coragem de questionar as cadeias que o prendem… Em qualquer caso, a
oposição traduz-se sempre em atitudes de incompreensão, de desrespeito, ou
mesmo de perseguição declarada. Uma Igreja que procura ser fiel ao mandato de
Jesus e testemunhar a libertação de Deus ver-se-á sempre confrontada com esta
realidade. Todos nós, discípulos de Jesus, chamados a testemunhar a vida de
Deus na sociedade, no nosso local de trabalho, na nossa família, conhecemos a
oposição, as calúnias, os sarcasmos, a dificuldade em que levem a sério o nosso
testemunho… Tal fato não deve preocupar-nos demasiado: é a reação lógica do mundo
quando se sente questionado pelos valores de Jesus. Para nós, o que é
importante é afirmar, com sinceridade e verticalidade, os valores em que
acreditamos.
· A história de Pedro que hoje nos é proposta garante-nos que, nos
momentos de perseguição e de oposição, o nosso Deus não nos abandona. Ele será
sempre uma presença reconfortante e libertadora ao nosso lado, dando-nos a
coragem para continuarmos a nossa missão e para darmos testemunho dos valores
do Reino. O cristão não tem medo porque sabe que Deus está com ele e que, por
isso, nenhum mal lhe acontecerá.
· A nossa história sugere também a importância da união e da
solidariedade da comunidade, sobretudo para com os irmãos que estão longe ou
que estão em situações dramáticas de sofrimento. A oração é uma forma de
manifestar essa solidariedade e a comunhão que deve unir todos os irmãos,
membros da mesma família de fé.
2º
leitura – 2 Timóteo 4,6-8.17-18 - AMBIENTE
O Timóteo
destinatário desta carta é um cristão nascido em Listra (Ásia Menor), de pai
grego e de mãe judeo-cristã. A partir de certa altura, tornou-se um companheiro
inseparável de Paulo; foi a ele que Paulo confiou importantes missões e a quem
encarregou da responsabilidade pastoral das Igrejas da Ásia Menor. Segundo a
tradição, foi o primeiro bispo da comunidade cristã de Éfeso.
É muito
duvidoso que seja Paulo o autor desta carta: a linguagem, o estilo e mesmo a
doutrina apresentam diferenças consideráveis em relação a outras cartas
paulinas; além disso, o contexto eclesial em que esta carta nos situa é mais do
final do séc. I ou princípios do séc. II do que da época de Paulo (o grande
problema destas cartas já não é o anunciar o Evangelho, mas o “conservar a fé”,
frente aos falsos mestres que se infiltram nas comunidades e que ensinam falsas
doutrinas).
De
qualquer forma, quem escreve a carta refere-se à vida de Paulo como uma vida
integralmente preenchida pelo amor a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Estamos
numa época em que as comunidades cristãs se debatiam com as perseguições
organizadas, a falta de entusiasmo dos crentes e as falsas doutrinas… Ao
recordar, desta forma, o exemplo de Paulo, o autor desta carta pretende
convidar os crentes em geral (e os animadores das comunidades, em particular) a
redescobrirem o entusiasmo por Jesus e pelo testemunho da Boa Nova libertadora
que Jesus veio propor aos homens.
MENSAGEM
O autor
da carta apresenta-se na pele de Paulo, prisioneiro em Roma; e, nessa pele, faz
um balanço final da sua vida e da sua entrega ao serviço do Evangelho.
A vida de
Paulo foi, desde o seu encontro com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco,
uma resposta generosa ao chamamento e um compromisso total com o Evangelho. Por
Cristo e pelo Evangelho, Paulo lutou, sofreu, gastou e desgastou a sua vida num
dom total, para que a salvação de Deus chegasse a todos os povos da terra.
No final,
ele sente-se como um atleta que lutou até ao fim para vencer e está satisfeito
com a sua prestação. Resta-lhe receber essa coroa de glória, reservada aos
atletas vencedores (e que Paulo sabe não estar reservada apenas a ele, mas
também a todos aqueles que lutam com o mesmo denodo e o mesmo entusiasmo pela
causa do “Reino”).
Para
definir a sua vida como dom total a Deus e aos irmãos, Paulo utiliza aqui uma
imagem bem sugestiva: a imagem da vítima imolada em sacrifício. Paulo fez da
sua vida um dom total, ao serviço do Evangelho; a sua entrega foi um sacrifício
cultual a Deus. Agora, para que o sacrifício seja total, só resta coroar a sua
entrega com o dom do seu sangue… A referência à oferta “em libação” faz
referência aos sacrifícios em que se vertia o vinho sobre o altar,
imediatamente antes de ser imolada a vítima sacrificial.
Há duas
maneiras de dar a vida por Cristo: uma é gastá-la dia a dia na tarefa de levar
a libertação que Cristo veio propor a todos os povos da terra; outra é
derramar, de uma vez, o sangue por causa da fé e do testemunho de Cristo… Paulo
conheceu as duas modalidades; imitar Paulo é um desafio que o autor da carta a
Timóteo faz aos discípulos do seu tempo e de todos os tempos.
Na
segunda parte do nosso texto (vs. 16-18), o autor desta carta põe na boca de
Paulo o lamento desiludido de um homem cansado que, apesar de ter oferecido a
sua vida como dom aos irmãos se sente, no final, votado ao abandono e à
solidão… Mas, apesar de tudo, Paulo tem consciência de que Deus esteve a seu
lado ao longo da sua caminhada, lhe deu a força de enfrentar as dificuldades, o
livrou de todo o mal e lhe dará, no final da caminhada, a vida definitiva. Daí
o louvor com que Paulo termina: “glória a Ele por todo o sempre. Ámen”.
É esta a
atitude que o autor da carta pede aos seus irmãos: apesar do desânimo, do
sofrimento, da tribulação, descubram a presença de Deus, confiem na sua força,
mantenham-se fiéis ao Evangelho: assim recebereis, sem dúvida, a salvação
definitiva que Deus reserva a quem combateu o bom combate da fé.
ATUALIZAÇÃO
· Paulo foi uma das figuras que marcou, de forma decisiva, a
história do cristianismo. Ao olharmos para o seu exemplo, impressiona-nos como
o encontro com Cristo marcou a sua vida de forma tão decisiva; espanta-nos como
ele se identificou totalmente com Cristo; interpela-nos a forma entusiasmada e
convicta como ele anunciou o Evangelho em todo o mundo antigo, sem nunca
vacilar perante as dificuldades, os perigos, a tortura, a prisão, a morte;
questiona-nos a forma como ele quis viver ao jeito de Cristo, num dom total aos
irmãos, ao serviço da libertação de todos os homens. Paulo é, verdadeiramente,
um modelo e um testemunho que deve interpelar, desafiar e inspirar cada crente.
· O caminho que Paulo percorreu continua a não ser um caminho
fácil. Hoje, como ontem, descobrir Jesus e viver de forma coerente o
compromisso cristão implica percorrer um caminho de renúncia a valores a que os
homens dos nossos dias dão uma importância fundamental; implica ser
incompreendido e, algumas vezes, maltratado; implica ser olhado com
desconfiança e, algumas vezes, com comiseração… Contudo, à luz do testemunho de
Paulo, o caminho cristão vivido com radicalidade é um caminho que vale a pena,
pois conduz à vida plena.
· Concordo? É este o caminho que eu me esforço por percorrer?
Convém ter sempre presente esse dado fundamental que deu sentido às apostas de
Paulo: aquele que escolhe Cristo não está só, ainda que tenha sido abandonado e
traído por amigos e conhecidos; o Senhor está a seu lado, dá-lhe força, anima-o
e livra-o de todo o mal. Animados por esta certeza, temos medo de quê?
Evangelho
– Mateus 16,13-19 - AMBIENTE
Naquele tempo, 13Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”
14Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
15Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?”
16Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.
17Respondendo,
Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um
ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. 19Eu
te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra
será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado
nos céus”.
O
Evangelho deste domingo situa-nos no norte da Galileia, perto das nascentes do
rio Jordão, em Cesareia de Filipe (na zona da atual Bânias). A cidade tinha
sido construída por Herodes Filipe (filho de Herodes o Grande) no ano 2 ou 3
a.C., em honra do imperador Augusto.
O
episódio que nos é proposto ocupa um lugar central no Evangelho de Mateus.
Aparece
num momento de viragem, quando começa a perfilar-se no horizonte de Jesus um
destino de cruz. Depois do êxito inicial do seu ministério, Jesus experimenta a
oposição dos líderes e um certo desinteresse por parte do Povo. A sua proposta
do Reino não é acolhida senão por um pequeno grupo – o grupo dos discípulos.
É, então,
que Jesus dirige aos discípulos uma série de perguntas sobre Si próprio.
Não se
trata, tanto, de medir a sua quota de popularidade; trata-se, sobretudo, de
tornar as coisas mais claras para os discípulos e confirmá-los na sua opção de
seguir Jesus e de apostar no Reino.
O relato
de Mateus é um pouco diferente do relato do mesmo episódio feito por outros
evangelistas (nomeadamente Marcos – cf. Mc. 8,27-30). Mateus remodelou e
ampliou o texto de Marcos, acrescentando a afirmação de que Jesus é o Filho de
Deus e a missão confiada a Pedro.
MENSAGEM
O nosso
texto pode dividir-se em duas partes. A primeira, de caráter mais cristológico,
centra-se em Jesus e na definição da sua identidade. A segunda, de caráter mais
eclesiológico, centra-se na Igreja, que Jesus convoca à volta de Pedro.
Na
primeira parte (vs. 13-16), Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do
que as pessoas dizem d’Ele e acerca do que os próprios discípulos pensam.
A opinião
dos “homens” vê Jesus em continuidade com o passado (“João Batista”, “Elias”,
“Jeremias” ou “algum dos profetas”). Não captam a condição única de Jesus, a
sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um homem
convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas do
Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na perspectiva dos “homens”, Jesus
é, apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que
Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes
d’Ele (vs. 13-14). É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens”
não entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do mistério de Jesus.
A opinião
dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Pedro,
porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino
na expressão: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (v. 16). Nestes dois
títulos, resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese aí feita sobre Jesus.
Dizer que Jesus é “o Cristo” (Messias) significa dizer que Ele é esse
libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e
para lhe oferecer a salvação definitiva. No entanto, para os membros da
comunidade do Reino, Jesus não é apenas o Messias: é também o “Filho de Deus”.
No Antigo Testamento, a expressão “Filho de Deus” é aplicada aos anjos (cf. Dt.
32,8; Sal. 29,1; 89,7; Job. 1,6), ao Povo eleito (cf. Ex. 4,22; Os 11,1; Jer.
3,19), aos vários membros do Povo de Deus (cf. Dt. 14,1-2; Is. 1,2; 30,1.9;
Jer. 3,14), ao rei (cf. 2Sm. 7,14) e ao Messias/rei da linhagem de David (cf.
Sal. 2,7; 89,27). Designa a condição de alguém que tem uma relação particular
com Deus, a quem Deus elegeu e a quem Deus confiou uma missão. Definir Jesus
como o “Filho de Deus” significa, não só que Ele recebe vida de Deus, mas que
vive em total comunhão com Deus, que desenvolve com Deus uma relação de
profunda intimidade e que Deus Lhe confiou uma missão única para a salvação dos
homens; significa reconhecer a profunda unidade e intimidade entre Jesus e o
Pai e que Jesus conhece e realiza os projetos do Pai no meio dos homens. Os
discípulos são convidados a entender dessa forma o mistério de Jesus.
Na segunda
parte (vs. 17-19), temos a resposta de Jesus à confissão de fé da comunidade
dos discípulos, apresentada pela voz de Pedro. Jesus começa por felicitar Pedro
(isto é, a comunidade) pela clareza da fé que o anima. No entanto, essa fé não
é mérito de Pedro, mas um dom de Deus (“não foram a carne e o sangue que to
revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus” – v. 17). Pedro (os discípulos)
pertence a essa categoria dos “pobres”, dos “simples”, abertos à novidade de
Deus, que têm um coração disponível para acolher os dons e as propostas de Deus
(esses “pobres” e “simples” estão em contraposição com os líderes – fariseus,
doutores da Lei, escribas – instalados nas suas certezas, seguranças e
preconceitos, incapazes de abrir o coração aos desafios de Deus).
O que é
que significa Jesus dizer a Pedro que ele é “a rocha” (o nome “Pedro” é a
tradução grega do hebraico “Kephâ” – “rocha”) sobre a qual a Igreja de Jesus
vai ser construída? As palavras de Jesus têm de ser vistas no contexto da
confissão de fé precedente. Mateus está, portanto, afirmando que a base firme e
inamovível, sobre a qual vai assentar a Ekklesia de Jesus é a fé que Pedro e a
comunidade dos discípulos professam: a fé em Jesus como o Messias, Filho de
Deus vivo.
Para que
seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e
edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe “as chaves do Reino dos céus”
e o poder de “ligar e desligar”. Aquele que detém as chaves, no mundo bíblico,
é o “administrador do palácio”… Ora o “administrador do palácio”, entre outras
coisas, administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do
fechamento das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir
junto do soberano… Por outro lado, a expressão “atar e desatar” designava,
entre os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para
declarar o que era ou não permitido, para excluir ou re-introduzir alguém na
comunidade do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para “administrador” e
supervisor da Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus,
para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para
acolher ou não novos membros na comunidade dos discípulos do Reino (atenção:
todos são chamados por Deus a integrar a comunidade do Reino; mas aqueles que
não estão dispostos a aderir às propostas de Jesus não podem aí ser admitidos).
Trata-se,
aqui, de confiar a um homem (Pedro) um primado, um papel de liderança absoluta
(o poder das chaves, o poder de ligar e desligar) da comunidade dos discípulos?
Ou Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que acreditam em
Jesus e que representa a comunidade dos discípulos? É difícil, a partir deste
texto, fazer afirmações concludentes e definitivas. O poder de “ligar e desligar”,
por exemplo, aparece noutro contexto, confiado à totalidade da comunidade e não
a Pedro em exclusivo (cf. Mt. 18,18). Provavelmente, o mais correto é ver em
Pedro o protótipo do discípulo; nele, está representada essa comunidade que se
reúne em volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o “Messias” e o
“Filho de Deus”. É a essa comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia
as chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro
fosse uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse
um papel de primeiro plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas
comunidades da Síria (as comunidades a que o Evangelho de Mateus se destina).
ATUALIZAÇÃO
· Quem é Jesus? O que é que “os homens” dizem de Jesus? Muitos dos
nossos conterrâneos vêem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos
sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros vêem em Jesus
um admirável “mestre” de moral, que tinha uma proposta de vida “interessante”,
mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um admirável
condutor de massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes
e órfãs, mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar
pelo fenômeno; outros, ainda, vêem em Jesus um revolucionário, ingênuo e
inconseqüente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre,
que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos
poderosos, preocupados em manter o “statu quo”.
Estas visões apresentam Jesus como “um homem” – embora “um homem”
excepcional, que marcou a história e deixou uma recordação imorredoira. Jesus
foi, apenas, um “homem” que deixou a sua pegada na história, como tantos outros
que a história absorveu e digeriu?
Para os discípulos, Jesus foi bem mais do que “um homem”. Ele foi
e é “o Messias, o Filho de Deus vivo”. Definir Jesus dessa forma significa
reconhecer em Jesus o Deus que o Pai enviou ao mundo com uma proposta de
salvação e de vida plena, destinada a todos os homens. A proposta que Ele
apresentou não é, apenas, uma proposta de “um homem” bom, generoso,
clarividente, que podemos admirar de longe e aceitar ou não; mas é uma proposta
de Deus, destinada a tornar cada homem ou cada mulher uma pessoa nova, capaz de
caminhar ao encontro de Deus e de chegar à vida plena da felicidade sem fim. A
diferença entre o “homem bom” e o “Messias, Filho de Deus”, é a diferença entre
alguém a quem admiramos e que é igual a nós, e alguém que nos transforma, que
nos renova e que nos encaminha para a vida eterna e verdadeira.
· “E vós, quem dizeis que Eu sou?” É uma pergunta que deve, de forma
constante, ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta
questão não significa papaguear lições de catequese ou tratados de teologia,
mas sim interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo
ocupa na nossa existência… Responder a esta questão obriga-nos a pensar no
significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas
propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no
esforço que fazemos ou que não fazemos para O seguir… Quem é Cristo para mim?
· É sobre a fé dos discípulos (isto é, sobre a sua adesão ao Cristo
libertador e salvador, que veio do Pai ao encontro dos homens com uma proposta
de vida eterna e verdadeira) que se constrói a Igreja de Jesus. O que é a
Igreja? O nosso texto responde de forma clara: é a comunidade dos discípulos
que reconhecem Jesus como “o Messias, o Filho de Deus”. Que lugar ocupa Jesus
na nossa experiência de caminhada em Igreja? Porque é que estamos na Igreja: é
por causa de Jesus Cristo, ou é por outras causas (tradição, inércia, promoção
pessoal…)?
· A Igreja de Jesus não existe, no entanto, para ficar a olhar para
o céu, numa contemplação estéril e inconsequente do “Messias, Filho de Deus”;
mas existe para O testemunhar e para levar a cada homem e a cada mulher a
proposta de salvação que Cristo veio oferecer. Temos consciência desta dimensão
“profética” e missionária da Igreja? Os homens e as mulheres com quem
contatamos no dia a dia – em casa, no emprego, na escola, na rua, no prédio,
nos acontecimentos sociais – recebem de nós este anúncio e este convite a
integrar a comunidade da salvação?
· A comunidade dos discípulos é uma comunidade organizada e
estruturada, onde existem pessoas que presidem e que desempenham o serviço da
autoridade. Essa autoridade não é, no entanto, absoluta; mas é uma autoridade
que deve, constantemente, ser amor e serviço. Sobretudo, é uma autoridade que deve
procurar discernir, em cada momento, as propostas de Cristo e a interpelação
que Ele lança aos discípulos e a todos os homens.
p. Joaquim Garrido, p. Manuel Barbosa, p. José Ornelas Carvalho