terça-feira, 31 de dezembro de 2013

FIM DE ANO - ANO NOVO.




Recomeçar no hoje, no amanhã e sempre que necessário.

A chegada do fim de ano é uma ocasião para que muitas empresas, senão todas façam um balanço do ano que passou.
Para nós, também, é de grandíssima utilidade a realização deste balanço ao iniciarmos um Novo Ano :

  •  nos ajuda a agradecer a Deus as coisas boas que fizemos este ano;
  •  nos ajuda a pedir perdão por tudo aquilo que não fizemos bem;
  •  nos ajuda a estabelecer metas para o ano que começa; sem metas pessoais não há progresso pessoal.
De modo concreto, como podemos fazer este balanço?
Do modo mais simples possível: quais foram às coisas boas deste ano, quais foram às coisas ruins e o que podemos fazer para melhorar?
Por exemplo:
·         coisas boas deste ano: ter me aproximado um pouco mais de Deus, ter aproveitado um pouco melhor o tempo, ter reclamado menos das coisas, ter me preocupado mais pelos outros, etc.
·         coisas ruins: inconstância na oração, pouca paciência diante das contrariedades, desordem nas coisas materiais, dificuldade para perdoar, etc.
Diante deste balanço, estabelecer, e isto é muito importante, duas ou três metas para o ano que se inicia. Se não estabelecemos metas de melhora, nossas boas disposições se tornam enganosas.
Que características devem ter estas metas?
·         devem ser bem concretas; não adianta propor-se, por exemplo, vencer o mau-humor; esta meta é muito genérica e muito abrangente e, portanto, muito difícil de cumpri-la; precisamos de coisas mais concretas, por exemplo: vou descobrir o que me contraria e vou encarar de modo mais positivo estas contrariedades;
·         devem ser factíveis; nunca podemos colocar metas que estão acima das nossas capacidades; se, por exemplo, encarar de modo mais positivo as contrariedades está acima das nossas capacidades, podemos propor-nos algo ainda mais acessível como, por exemplo, vou sorrir ao chegar em casa no final do dia, mesmo que esteja cansado, estressado.
Uma vez estabelecidas às metas para o ano, persegui-las com todas as forças da nossa vontade, sabendo começar e recomeçar quantas vezes for necessário.
Eis aí um ponto importantíssimo para a melhora de qualquer um de nós: saber começar e recomeçar quantas vezes for necessário. Quantas vezes já naufragamos no meio das nossas metas!
Sim, sempre poderemos recomeçar. E recomeçar significa não desistir, mesmo diante de tantas provas que parecem nos tirar o chão, nos levar à falsa crença de que não haverá salvação, de que o melhor é desistir.
Recomeçar é ir adiante, passar pelos espinhos e manter a cabeça erguida, mesmo que em muitos momentos as lágrimas estejam conosco.
Recomeçar é guardar no coração as lembranças dos momentos felizes já vividos, mas ao invés de se prender à tristeza pelo que não tem retorno, sair a buscar novos horizontes, é aliar fé e perseverança e perceber o quanto ainda podemos conquistar.
Recomeçar é sentir-se fragilizado diante de uma perda, mas não pensar jamais em abandonar a estrada que está a nossa frente, pelo contrário, é caminhar, lentamente, mas sempre caminhar.
Recomeçar é ir adiante com confiança e não temendo as tempestades que se formarem.
Recomeçar é acordar a cada manhã, abraçar o dia que está nascendo e ao invés de se prender às dificuldades, enxergar a nova oportunidade de renovação que bate a nossa porta. Recomeçar é batalhar pelas conquistas. Descobrir novos caminhos. Usar os talentos que possuímos.
Descobrir a chama da esperança que há dentro de nós.
Sintonizarmos com o Alto e não temermos as dificuldades, por maiores que pareçam.
Saber que o fim não existe. Há recomeço.
"O recomeçar não é rápido, nem fácil, mas sempre possível".
Recomeçar no hoje, no amanhã e sempre que necessário... Porque recomeçar é eternamente possível...
Lutamos uma, quem sabe duas semanas, depois desistimos. Nisto, temos que seguir aquele famoso conselho de Santa Teresa que a levou ao cume da santidade: “importa muito, e tudo, uma grande e mui determinada determinação de não parar até chegar à meta, venha o que vier, suceda o que suceder, custe o que custar, murmure quem murmurar”.
Que bom seria se gravássemos esta frase de Santa Teresa no fundo do nosso coração e nunca mais a esquecêssemos! Eis aí o segredo, junto com a graça de Deus, de qualquer crescimento espiritual.
Imaginem se começarmos o ano de 2014 pondo em prática estes conselhos que demos acima: agradecendo, pedindo perdão e colocando metas para a nossa vida, metas que perseguiremos com todas as forças até alcançá-las! Com toda certeza será um ano extraordinário, cheio de frutos. Desta forma poderemos dizer de boca cheia: ano novo, vida nova!
 
Um bom ano a todos e que seja repleto da graça de Deus!
Feliz 2014!!!
 
 
 
 
Pe.Emílio Carlos

O INACABADO QUE HÁ EM MIM.

 
Eu me experimento inacabado. Da obra, o rascunho. Do gesto, o que não termina.
Sou como o rio em processo de vir a ser. A confluência de outras águas e o encontro com filhos de outras nascentes o tornam outro. O rio é a mistura de pequenos encontros. Eu sou feito de águas, muitas águas. Também recebo afluentes e com eles me transformo,
O que sai de mim cada vez que amo? O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha, mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim? Eu me transformo em outros? Eu vivo para saber. O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado. O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência. Empurra-me para reações inusitadas, tão cheias de sentidos ocultos. Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos.
Por vezes o cansaço me faz querer parar. Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta. Os encontros são muitos; as pessoas também. As chegadas e partidas se misturam e confundem o coração. É nesta hora em que me pego alimentando sonhos de cotidianos estreitos, previsíveis.

Mas quando me enxergo na perspectiva de selar o passaporte e cancelar as saídas, eis que me aproximo de uma tristeza infértil.
Melhor mesmo é continuar na esperança confluências futuras. Viver para sorver os novos rios que virão. Eu sou inacabado. Preciso continuar.

Se a mim for concedido o direito de pausas repositoras, então já anuncio que eu continuo na vida. A trama de minha criatividade depende deste contraste, deste inacabado que há em mim. Um dia sou multidão; no outro sou solidão. Não quero ser multidão todo dia. Num dia experimento o frescor da amizade; no outro a febre que me faz querer ser só. Eu sou assim. Sem culpas.




Pe Fabio de Melo

LITURGIA DIÁRIA - O PORTÃO DE ENTRADA PARA O CÉU É A PALAVRA.

Primeira Leitura (1Jo 2,18-21)
Leitura da Primeira Carta de São João.
18Filhinhos, esta é a última hora. Ouvistes dizer que o An­ticristo virá. Com efeito, muitos anticristos já apareceram. Por isso, sabemos que chegou a última hora. 19Eles saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos, pois se fossem realmente dos nossos, teriam permanecido conosco.
Mas era necessário ficar claro que nem todos são dos nossos. 20Vós já recebestes a unção do Santo, e todos tendes conhecimento. 21Se eu vos escrevi, não é porque ignorais a verdade, mas porque a conheceis, e porque nenhuma mentira provém da verdade.

Responsório (Sl 95)
— O céu se rejubile e exulte a terra!
— O céu se rejubile e exulte a terra!
— Cantai ao Senhor Deus um canto novo, cantai ao Senhor Deus, ó terra inteira! Cantai e bendizei seu santo nome! Dia após dia anunciai sua salvação.
— O céu se rejubile e exulte a terra, aplauda o mar com o que vive em suas águas; os campos com seus frutos rejubilem e exultem as florestas e as matas.
— Na presença do Senhor, pois ele vem, porque vem para julgar a terra inteira. Governará o mundo todo com justiça, e os povos julgará com lealdade.
 
Evangelho (Jo 1,1-18)
1No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. 2No princípio, estava ela com Deus. 3Tudo foi feito por ela e sem ela nada se fez de tudo que foi feito. 4Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. 5E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la.
6Surgiu um homem enviado por Deus; seu nome era João. 7Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. 8Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz: 9daquele que era a luz de verdade, que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano.
10A Palavra estava no mundo – e o mundo foi feito por meio dela – mas o mundo não quis conhecê-la. 11Veio para o que era seu, e os seus não a acolheram. 12Mas, a todos os que a receberam, deu-lhes capacidade de se tornar filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome, 13pois estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo.
14E a Palavra se fez carne e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória, glória que recebe do Pai como Filho uni­gênito, cheio de graça e de verdade. 15Dele, João dá testemunho, clamando: “Este é aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim passou à minha frente, porque ele existia antes de mim”. 16De sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. 17Pois por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo. 18A Deus, ninguém jamais viu. Mas o Unigênito de Deus, que está na intimidade do Pai, ele no-lo deu a conhecer.

 Reflexão

Estamos diante do portão de entrada, a primeira coisa que se vê ao abrir o Evangelho de João. O Prólogo é como uma fonte, da qual quanto mais se tira água, mais água aparece. Por isso que há muitos escritos sobre o Prólogo de João e nunca se esgota o assunto.
No princípio era a Palavra, luz para todo ser humano. “No princípio era a Palavra…” faz pensar na primeira frase da Bíblia que diz: “No princípio Deus criou o céu e a terra”. Deus criou por meio da sua Palavra. “Ele falou e as coisas começaram a existir”. Todas as criaturas são uma expressão da Palavra de Deus. O prólogo diz que a presença universal da Palavra de Deus é vida e luz para todo ser humano. Esta Palavra viva de Deus, presente em todas as coisas, brilha nas trevas. As trevas tentam apagá-la, mas não conseguem. A busca de Deus renasce constantemente no coração humano. Ninguém consegue abafá-la.
João Batista não era a luz. João Batista veio para ajudar o povo a descobrir e saborear esta presença luminosa e consoladora da Palavra de Deus na vida. O testemunho de João Batista foi tão importante que muita gente pensava que Ele fosse o Cristo (Messias) (At 19,3; Jo 1,20). Por isso o Prólogo continua: “João Batista veio apenas para dar testemunho da luz!” (Jo 12,7s).
Os seus não a receberam (Jo 1,9-11): Assim como a Palavra de Deus se manifesta na natureza, na criação, da mesma maneira ela se manifesta no “mundo”, isto é, na história da humanidade e, de modo particular, na história do povo de Deus. Mas o “mundo” não reconheceu nem recebeu a Palavra. Desde os tempos de Abraão e Moisés, ela “veio para o que era seu, mas os seus não a receberam”. Quando fala “mundo” João indica o sistema tanto do império como da religião da época, fechados sobre si e incapazes de reconhecer e receber a Boa Nova (Evangelho) da presença luminosa da Palavra de Deus.
Os que aceitam tornam-se filhos de Deus. As pessoas que se abriam, aceitando a Palavra, tornavam-se filhos de Deus. A pessoa se torna filho ou filha de Deus não por mérito próprio, nem por ser da raça de Israel, mas pelo simples fato de confiar e crer que Deus, na sua bondade, nos aceita e nos acolhe. A Palavra entra na pessoa fazendo-a sentir-se acolhida por Deus como filho(a). É o poder da graça de Deus.
A Palavra se fez carne. Deus não quer ficar longe de nós. Por isso a sua Palavra chegou mais perto ainda e se fez presente no meio de nós na pessoa de Jesus. Literalmente o texto diz: “A Palavra se fez carne e montou sua tenda no meio de nós!”. No tempo do Êxodo, lá no deserto, Deus vivia numa tenda, no meio do povo (Ex 25,8). Agora, a tenda onde Deus mora conosco é Jesus, “cheio de graça e de verdade”. Jesus veio revelar quem é este nosso Deus que está presente em tudo, desde o começo da criação.
Moisés deu a Lei, Jesus trouxe a Graça e a Verdade (Jo 1,15-17): Estes versículos resumem o testemunho de João Batista a respeito de Jesus: “Aquele que vinha antes de mim passou na minha frente porque existia antes de mim!” (Jo 1,15.30). Jesus nasceu depois de João, mas Ele já estava com Deus desde antes da Criação. Da plenitude dele todos nós recebemos, inclusive o próprio João Batista. Moisés, dando a Lei, nos manifestou a vontade de Deus. Jesus trouxe a Graça e a Verdade que nos ajudam a entender e a observar a Lei.
É como a chuva que lava. Este último versículo resume tudo. Ele evoca a profecia de Isaías segundo a qual a Palavra de Deus é como a chuva que vem do céu e para lá não volta sem ter realizado a sua missão aqui na terra (Is 55,10-11). Assim é a caminhada da Palavra de Deus. Ela veio de Deus e desceu entre nós na pessoa de Jesus. Através da obediência de Jesus ela realizou sua missão aqui na terra. Na hora de morrer, Jesus entregou o Espírito e voltou para o Pai. Cumpriu a missão que tinha recebido.
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos, o que tocamos com as nossas mãos, acerca do Verbo da Vida, é o que nós vos anunciamos. Porque a Vida manifestou-se e nós vimos e damos testemunho dela. Nós vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em união conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo. E vos escrevemos tudo isto, para que a vossa alegria seja completa” (1 Jo 1,1-4).
“No princípio era a Palavra” (Jo 1,1). “A Palavra do nosso Deus permanece eternamente” (Is 40,8). A Palavra de Deus abre a história com a criação do mundo e do homem: “Deus disse” (Gen 1,3.6ss.); proclama que o seu centro está na Encarnação do Filho, Jesus Cristo: “E o Verbo Se fez carne” (Jo 1,14), e fecha-a com a promessa certa do encontro com Ele numa vida sem fim: “Sim, Eu virei em breve” (Ap 22,20).
É a certeza suprema que o próprio Deus, no seu infinito amor, entende dar ao homem de todos os tempos, fazendo do seu povo a sua testemunha. É esse grande mistério da Palavra como supremo dom de Deus que o Sínodo entende adorar, agradecer, meditar, anunciar à Igreja e a todos os povos.
O homem contemporâneo mostra de tantas maneiras que tem uma grande necessidade de ouvir Deus e falar com Ele. Nota-se hoje, entre os cristãos, uma abertura apaixonada para a Palavra de Deus como fonte de vida e graça de encontro do homem com o Senhor.
Não surpreende, portanto, que a essa abertura do homem responda Deus invisível, que, “na abundância do seu amor, fala aos homens como a amigos e conversa com eles, para os convidar e os receber em comunhão com Ele”. Esta generosa revelação de Deus é um contínuo acontecimento de graça.
Senhor Jesus, que eu veja tua glória de Filho de Deus resplandecer em teus gestos misericordiosos em favor da humanidade.
 
 
 
cancaonova

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O PESO QUE A GENTE LEVA.

 
Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto carregando o colchão para ser despachado?

As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade de ouvir aquela música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a primeira vez?

Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então, inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu pra nada.

É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor do mundo que nos pertence.

E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar: “Bom é partir. Bom mesmo é poder voltar!” Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu território. É conseqüência natural que faz o coração querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.

É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.

Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto de nossas lamúrias... Hospitais, asilos, internatos...

Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de alguma maneira pode nos humanizar.

Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro. Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve.

PREFERIR A MORTE PARA ENTRAR NA VIDA.

Na batalha diária para fazer a vontade de Deus, os cristãos são chamados a imitar o testemunho dos mártires e trilhar o caminho do Céu.
Uma sentença do século III, de Orígenes, diz que "diante de uma tentação, um cristão sai mártir ou idólatra".
Todos os dias os homens são confrontados pela tentação demoníaca que oferece um caminho mais fácil, mais prazeroso. E não é diferente com os seguidores de Jesus: é-lhes comumente apresentada a sedutora proposta de abandonar a Deus e o caminho da Cruz, de adorar a criatura no lugar do Criador, de procurar a felicidade onde ela não se encontra: no dinheiro, na bebida, no sexo, na fama e em tantas outras coisas. Por outro lado, rejeitar essas criaturas que se arrogam o direito de tomar o lugar de Deus implica numa espécie de morte, de martírio.
Para fortalecer a coragem cristã, poucas coisas são tão importantes quanto a leitura e a meditação assídua do Evangelho e da vida dos santos. "A santidade na Igreja representa uma hermenêutica da Escritura da qual ninguém pode prescindir", indicava o Papa Bento XVI. "O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efetuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus"01.
Pode acontecer que as pessoas, ao se debruçar sobre a riqueza misteriosa das Escrituras, imaginem a santidade como algo muito distante, seja no tempo, seja na própria dimensão das possibilidades de vida humana. Ao ler a vida dos santos, no entanto, o cristão depara-se com o Verbo que novamente se encarna na história. A santidade deixa de ser uma realidade "do século I", grafada em letras arcaicas ou "mortas": é uma verdade palpável, que toca também os homens dos nossos dias. É especialmente no esbarrar-se com aqueles que viveram verdadeiramente a Palavra de Deus que o ser humano se encontra com a "Beleza tão antiga e tão nova" da qual fala Santo Agostinho em suas Confissões.
A mensagem de Cristo nunca é velha, atrasada ou "inadequada" para os tempos modernos, como muitas leituras anticlericais sugerem; ao contrário, ela se rejuvenesce a cada testemunho vigoroso de amor, a cada mártir que se recusa a trair sua fé.
Neste contexto, um relato forte retirado da Bíblia, embora aborde uma perseguição ocorrida aos judeus, ajuda os cristãos a inflamar em si mesmos o espírito de fortaleza e de coragem. O trecho em questão narra o destemor de uma mãe e de seus sete filhos, todos mortos pelo rei Antíoco IV Epifânio, durante uma perseguição violenta ocorrida em Jerusalém, no século II a. C.
O Segundo Livro dos Macabeus afirma que os infantes "foram um dia presos com sua mãe" e instados a comer carne de porco, "por meio de golpes de azorrague e de nervos de boi" (7, 1). Um azorrague era uma espécie de açoite feito com tiras de couro e que possuía, em cada ponta, um instrumento cortante ou pedaços de articulações de carneiro. O espírito daquela família, no entanto, era resoluto. Nenhum dos terríveis golpes de azorrague diminuiu-lhes o fervor em cumprir a vontade de Deus: "Estamos prontos a morrer, antes de violar as leis de nossos pais" (v. 2), disse um deles, sem medo.
As torturas se seguiam, como em um conto de terror. "O rei (...) ordenou que aquecessem até a brasa assadeiras e caldeirões (...) [e] que cortassem a língua do que falara por todos e, depois, que lhe arrancassem a pele da cabeça e lhe cortassem também as extremidades, tudo isso à vista de seus irmãos e de sua mãe" (v. 3-4).
O que fizeram, então, aqueles rapazes, vendo seu irmão ser cruelmente torturado até o suplício? Não renunciavam a seu propósito, nem titubeavam, mas "exortavam-se mutuamente a morrer com coragem" (v. 6). Animados pela esperança na ressurreição dos mortos, eles entregavam bravamente sua vida a Deus, um por um.
Chegando o momento de infligir a morte ao filho mais novo, Antíoco recuou, por um instante. Ele insistia com ele, "prometendo-lhe com juramente torná-lo rico e feliz, se abandonasse as tradições de seus antepassados, tratá-lo como amigo e confiar-lhe cargos" (v. 24). Mas, nem assim o jovem cedia. Então, o rei tentou conversar com sua mãe. Narra o autor sagrado que ele "mandou que a mãe se aproximasse e o exortasse (...) para que o adolescente salvasse sua vida" (v. 25).
E o que fez aquela mulher, que tinha visto os outros seis filhos serem torturados e mortos diante de si? O que fez aquela mãe, cuja alma se encontrava dilacerada, à semelhança de Nossa Senhora, no Calvário? A Escritura diz que "ela consentiu em persuadir o filho" (v. 26), mas que, em seguida, exortou-lhe, falando na língua materna: "Meu filho, (...) não temas (...) este algoz, mas sê digno de teus irmãos e aceita a morte, para que no dia da misericórdia eu te encontre no meio deles" (v. 27.29).
Esta santa mulher, mesmo acabrunhada pela dor de perder todos os seus filhos, estava consciente de que havia algo muito pior que a morte do corpo: a perdição da alma. "Seguindo as pegadas de todos os seus filhos, a mãe pereceu por último" (v. 41). Naquele dia, uma família inteira entregava-se em sacrifício a Deus. Eles preferiram morrer a violar as leis de seus pais, a abandonar as tradições de seus antepassados.
Olhando para a história da Igreja, não é difícil encontrar dramas muito parecidos com este contado pelo Espírito Santo. De São Pedro a São Maximiliano Kolbe, de São Josafá aos mártires deste tempo, inúmeros são os exemplos de homens e mulheres que ofereceram a sua vida em holocausto, preferindo a morte a ofender a Deus. No dia a dia, todos os cristãos são chamados a testemunhar a mesma coragem destes grandes servos da fé, senão pelo sangue, pelo sacrifício quotidiano e pela prática da penitência. Este é o único caminho possível para o Céu. O outro é a idolatria – que, por sua vez, conduz à morte eterna.





Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
  1. Verbum Domini, Exortação Apostólica Pós-Sinodal, Papa Bento XVI, 30 de setembro de 2010

LITURGIA DIÁRIA - A PROFETISA ANA.

Primeira Leitura (1Jo 2,12-17)

Leitura da Primeira Carta de São João.
12Eu vos escrevo, filhinhos: os vossos pecados foram perdoados por meio do seu nome. 13Eu vos escrevo, pais: vós conheceis aquele que é desde o princípio. Eu vos escrevo, jovens: vós vencestes o maligno.
14Já vos escrevi, filhinhos: vós conheceis o Pai. Já vos escrevi, jovens: vós sois fortes, a Palavra de Deus permanece em vós e vencestes o Maligno.
15Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. 16Porque tudo o que há no mundo – as paixões da natureza, a concupiscência dos olhos e a ostentação da riqueza – não vem do Pai, mas do mundo.
17Ora, o mundo passa, e também a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.

Responsório (Sl 95)

— O céu se rejubile e exulte a terra!
— O céu se rejubile e exulte a terra!
— Ó família das nações, dai ao Senhor, ó nações, dai ao Senhor poder e glória, dai-lhe a glória que é devida ao seu nome!
— Oferecei um sacrifício nos seus átrios, adorai-o no esplendor da santidade, terra inteira, estremecei diante dele!
— Publicai entre as nações: Reina o Senho
 
Evangelho (Lc 2,36-40)

Naquele tempo, 36havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada; quando jovem, tinha sido casada e vivera sete anos com o marido.
37Depois ficara viúva, e agora já estava com oitenta e quatro anos. Não saía do Templo, dia e noite servindo a Deus com jejuns e orações. 38Ana chegou nesse momento e pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. 39Depois de cumprirem tudo, conforme a Lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Nazaré, sua cidade. 40O menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele.

 Reflexão

Este Evangelho nos apresenta uma mulher muito idosa, a profetiza Ana. Ela soube esperar a hora de Deus, e viu finalmente cumprida a sua esperança, e premiado o seu constante serviço ao Senhor através de jejuns e orações.
Ana e Simeão têm muitas coisas em comum. Ambos eram leigos, isto é, não pertenciam ao corpo sacerdotal, mas ao grupo dos simples, a quem o Pai revela os mistérios de Cristo e do Reino de Deus. E ambos sabiam ler, através dos sinais, a presença de Deus na humanidade do seu Filho, Cristo Jesus.
Por isso, o descobrem e o comunicam aos outros, do mesmo modo que os pastores de Belém ou os astrólogos do Oriente, enquanto o mistério continua oculto para os sábios, os vaidosos e os auto-suficientes.
Lendo o Antigo Testamento, nós observamos que aparecem muitas profetizas: Miriam, Débora, Judite, Ester, Hulda... Isso, apesar da cultura machista da época. Essas profetizas são destacadas na Bíblia como guardiãs da Aliança entre Deus e o povo.
Num momento de virada da História, lá estava Ana no Templo, acolhendo a novidade que é o Filho de Deus, e anunciando-o a todos que encontrava. São duas fragilidades que se encontram: O recém nascido e a mulher idosa que o anuncia. Deus gosta de usar a fraqueza humana como seu instrumento.
“Derramarei o meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão. Sim, meus servos e minhas servas anunciarão o meu nome” (Jl 3,1).
“O Reino de Deus é como o fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha, até que tudo fique fermentado” (Mt 13,33). Como o fermento que atua na massa, assim é a mulher atuando na sociedade e transformando-a em Reino de Deus. As mulheres atuam nas Comunidades cristãs com uma força incrível, especialmente na família, onde o seu trabalho é lento mas irresistível como o fermento.
No ambiente profundo do Natal, adquire atualidade a família, com os seus valores básicos e permanentes, como célula que é da sociedade e da Igreja.
A família é uma instituição sempre passível de aperfeiçoamento, e em constante evolução. Ela é insubstituível, porque é o melhor e mais adequado clima para o crescimento e a maturidade pessoal de todos os seus membros, através do amor e da doação.
Este é o caminho evangélico de realização do ser humano, como pessoa e como cristão. O amor é, e será sempre, a origem e alma da família, como reflexo do amor de Cristo para com o seu povo, a Igreja. É também um reflexo da força criadora de Deus, visível na paternidade e na maternidade humana.
E o evangelista Lucas termina este Evangelho com um resumo da infância e juventude de Jesus: “O menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele”. A Encarnação segue a sua marcha normal. Jesus é uma criança como as outras. Não é nem um super-homem nem um herói mitológico. Nasceu e cresceu no seio de uma família, como qualquer um de nós.
A frase de Lucas resume os três elementos básicos da educação de uma criança: proporcionar-lhe o crescimento na saúde, na sabedoria e na graça de Deus. Dar condições para que a criança cresça no corpo, isto é, que ela receba o que é melhor para a sua saúde. A criança não sabe o que é melhor para a sua saúde, por exemplo, o que e quando comer, mas os pais sabem.
Dar também condições para que a criança cresça na sabedoria, que inclui o estudo, a ciência, mas vai além. Ter sabedoria é saber vivenciar aquilo que se vai aprendendo de bom para a vida.
E dar condições para que a criança cresça na fé e na graça de Deus, através do catecismo, ensinado em casa e na sala de catequese. Dentro de casa a fé é transmitida principalmente pelo bom exemplo.
S. Paulo resume o modo como os pais devem educar os filhos: “Proclama a Palavra, insiste oportuna ou inoportunamente, convence, repreende, exorta, com toda a paciência e com a doutrina (2Tm 4,2s). Em outras palavras, S. Paulo diz: “Insiste, repreende, ensina, transmite a doutrina, com toda paciência e firmeza”. Essas são as virtudes chaves de uma boa educação.
- Paciência porque cada criança, cada jovem tem o seu momento próprio de conversão, que é graça de Deus, portanto escapa ao nosso controle. E essa mudança de comportamento é lenta., não acontece de uma hora para outra.
- Firmeza porque os pais não podem mostrar insegurança, voltando atrás ou, pior ainda, indo na onda dos filhos. A turminha é malandra e muitas vezes querem educar os pais. Querem corrigir e ditar para os pais o modo de educar.
Seguindo essas orientações de S. Paulo, haverá uma educação sem rupturas nem traumas, mas firme como a rocha.
Havia, certa vez, na Idade Média, um castelo inexpugnável situado no alto de uma rocha. Esse castelo foi sitiado por um exército. Após várias semanas, comando do exército esperava a qualquer momento a rendição, pois acreditava que os alimentos do castelo tinham se esgotado. No acampamento do exército, os soldados estavam angustiados e irrequietos, pois o cerco parecia não ter mais fim, e questionavam se valia a pena insistir.
No castelo, só restava um boi e um saco de farinha para alimentar centenas de pessoas que ainda resistiam bravamente ao cerco. O comandante do castelo decide tomar uma medida desesperada, que para seus homens parecia pura insensatez: matou o boi, encheu-lhe a cavidade abdominal com a farinha e ordenou que jogassem tudo pelo rochedo abaixo sobre o acampamento inimigo.
O comandante do exército tomou aquilo como uma mensagem e, acreditando que o castelo ainda estava bem abastecido, levantou o cerco e retirou-se.
Assim como a profetiza Ana, as pessoas idosas precisam ser corajosas e demonstrar a sua força, como fez o comandante do castelo. Pois, junto com Deus, os fracos são fortíssimos e invencíveis.
Mesmo que sejamos de idade muito avançada, como a profetiza Ana, não deixemos de exercer a nossa vocação profética. É o que pedimos aos dois profetas, Simeão e Ana, e à Rainha dos Profetas, Maria Santíssima.
 
 
 
Pe Queiroz

sábado, 28 de dezembro de 2013

FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA.

Domingo dentro da Oitava do Natal

As leituras deste domingo complementam-se ao apresentar as duas coordenadas fundamentais a partir das quais se deve construir a família cristã: o amor a Deus e o amor aos outros, sobretudo a esses que estão mais perto de nós – os pais e demais familiares.

O Evangelho sublinha, sobretudo, a dimensão do amor a Deus: o projeto de Deus tem de ser a prioridade de qualquer cristão, a exigência fundamental, a que todas as outras se devem submeter. A família cristã constrói-se no respeito absoluto pelo projeto que Deus tem para cada pessoa.

A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos de todos os que vivem “em Cristo” e aceitaram ser Homem Novo. Esse amor deve atingir, de forma mais especial, todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais. É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.

LEITURA I – Sir 3,3-7.14-17a (gr. 2-6.12-14)

O livro de Ben-Sira (também chamado “Eclesiástico”), de onde foi extraída a primeira leitura deste domingo, é um livro sapiencial e que, como todos os livros sapienciais, pretende apresentar uma reflexão de carácter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz. Estamos no início do séc. II a.C., numa época em que o helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso, no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Jesus Ben-Sira, o autor deste livro, avisa os israelitas para não deixarem perder a identidade cultural e religiosa do seu Povo. Procura, então, apresentar uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel, sublinhando a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.

O texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais.
Uma palavra sobressai: o verbo “honrar”. Ele leva-nos ao decálogo do Sinai (cf. Ex 20,12), onde aparece no sentido de “dar glória”. “Dar glória” a uma pessoa é dar-lhe toda a sua importância; “dar glória aos pais” é, assim, reconhecer a sua importância como instrumentos de Deus, fonte de vida.
Ora, reconhecer que os pais são a fonte, através da qual Deus nos dá a vida, deve conduzir à gratidão; e essa gratidão tem consequências a nível prático. Implica ampará-los na sua velhice e não os desprezar nem abandonar; implica assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); implica não fazer nada que os desgoste; implica escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; implica ser indulgente para com as limitações que a idade traz.
Dado o contexto da época em que Ben-Sira escreve, é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que os mais antigos preservam e que passam aos jovens.
Como recompensa desta atitude de “honrar” os pais, Jesus Ben-Sira promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão e atualização do texto podem fazer-se à volta dos seguintes dados:

  • Sentimo-nos gratos aos nossos pais porque eles aceitaram ser, em nosso favor, instrumentos de Deus criador? Lembramo-nos de lhes demonstrar essa gratidão?

  • Apesar da preocupação moderna com os direitos humanos e o respeito pela dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono e de marginalização, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. Que motivos justificam o desprezo e abandono daqueles a quem devemos “honrar”?

  • É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados ou de acompanhamento especializado. No entanto, a situação é muito menos compreensível se o afastamento de um pai do convívio familiar resulta do egoísmo do filho, que não está para “aturar o velho”…

  • O capital de maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por nós uma riqueza ou um estorvo à nossa modernidade?

  • Face à invasão contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa identidade cultural e religiosa, o que significam os valores que recebemos dos nossos “pais”? Avaliamos com maturidade a perenidade desses valores?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)

Refrão 1: Felizes os que esperam no Senhor
e seguem os seus caminhos.

Refrão 2: Ditosos os que temem o Senhor,
ditosos os que seguem os ses caminhos.

Feliz de ti, que temes o Senhor
e andas nos ses caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.

Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos serão como ramos de oliveira
ao redor da tua mesa.

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor:
vejas a prosperidade de Jerusalém,
todos os dias da tua vida.

LEITURA II – Col 3,12-21

Paulo estava na prisão (possivelmente em Roma, anos 61/63) quando escreveu aos colossenses. Algum tempo antes, Paulo havia recebido notícias pouco animadoras sobre a comunidade de Colossos. Essas notícias falavam da perigosa tendência de alguns doutores locais, que ensinavam doutrinas errôneas e afastavam os colossenses da verdade do Evangelho. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas, práticas ascéticas, especulações sobre os anjos e achavam que toda esta mistura confusa de elementos devia completar a fé em Cristo e comunicar aos crentes um conhecimento superior dos mistérios cristãos e uma vida religiosa mais autêntica.
Sem refutar essas doutrinas de modo direto, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
O texto da segunda leitura pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (primeira parte), Paulo avisa os colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (segunda parte): implica a renúncia ao “homem velho” do egoísmo e do pecado, e o “revestir-se do homem novo”.

Em termos mais concretos, viver como “homem novo” implica cultivar um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, paciência, mansidão. Lugar especial ocupa o perdão das ofensas do próximo, a exemplo do que Cristo sempre fez. Estas virtudes são exigências e manifestações da caridade, que é o mais fundamental dos mandamentos cristãos.
Catálogos de virtudes como este apareciam também na ética dos gregos; o que é novo aqui é a fundamentação: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo” implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade e no dom da vida.
Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas gerais, Paulo aplica o que acabou de dizer à vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos; aos maridos, convida a amar as esposas, evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o desenvolvimento normal das suas capacidades.
É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o Homem Novo, o homem que vive segundo Cristo.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, ter em conta os dados seguintes:

  • Viver “em Cristo” implica fazer do amor a nossa referência fundamental e deixar que ele se manifeste em gestos concretos de bondade, de perdão, de compreensão, de respeito pelo outro, de partilha, de serviço… É este o quadro em que se desenvolvem as nossas relações com aqueles que nos rodeiam?

  • A nossa primeira responsabilidade vai para com aqueles que conosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor, que deve revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas? Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por um deixar o outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos servirmos do outro?

  • As mulheres não gostam de ouvir Paulo pedir-lhes a “submissão” aos maridos… No entanto, não devem ser demasiado severas com Paulo: ele é um homem do seu tempo, e não podemos exigir dele a mesma linguagem com que, nos nossos dias, falamos destas coisas. Apesar de tudo, convém lembrar que Paulo não se esquece de pedir aos maridos que amem as mulheres e não as tratem com aspereza: sugere, desta forma, que a mulher tem, em relação ao marido, igual dignidade.


ALELUIA – Col 3,15a.16a

Aleluia. Aleluia.

Reine em vossos corações a paz de Cristo,
habite em vós a sua palavra.

 
EVANGELHO - Mt 2,13-15.19-23

O Evangelho que nos é proposto é o final do “Evangelho da infância” de Lucas. Ora, já sabemos que a finalidade do “Evangelho da infância” não é fazer uma reportagem sobre os primeiros anos da vida de Jesus, mas sim fazer catequese sobre Jesus; nessa catequese, diz-se quem é Jesus e apresentam-se algumas coordenadas teológicas que vão, depois, ser desenvolvidas no resto do Evangelho.
A “catequese” de hoje situa-nos em Jerusalém. A Lei judaica pedia que os homens de Israel fossem três vezes por ano a Jerusalém, por alturas das três grandes festas de peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Festa das Cabanas – cf. Ex 23,17-17). Ainda que os rabinos não considerassem obrigatória esta lei até aos treze, muitos pais levavam os filhos antes dessa idade. Jesus tem doze anos e, de acordo com o texto de Lucas, foi com Maria e José a Jerusalém celebrar a Páscoa.
É neste ambiente de Jerusalém e do Templo que Lucas situa as primeiras palavras pronunciadas por Jesus no Evangelho. Elas são, sem dúvida, o centro do nosso relato.

A chave deste episódio está, portanto, nas palavras pronunciadas por Jesus quando, finalmente, se encontra com Maria e José: “porque me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?”
O significado (a catequese) da resposta à pergunta de Maria é que Deus é o verdadeiro Pai de Jesus. Daqui deduz-se que as exigências de Deus são, para Jesus, a prioridade fundamental, que ultrapassa qualquer outra exigência. A sua missão – a missão que o Pai Lhe confia – vai obrigá-l’O a romper os laços com a própria família (cf. Mc 3,31-35).
É possível que haja ainda, aqui, uma referência à paixão/morte/ressurreição de Jesus: tanto o episódio de hoje, como os fatos relativos à morte/ressurreição, são situados num contexto pascal; em ambas as situações Jesus é abandonado – aqui por Maria e José e, mais tarde, pelos discípulos – por pessoas que não compreendem que a sua prioridade é o projeto do Pai; em ambas as situações, Jesus é procurado (cf. Lc 24,5) e tem de explicar que a finalidade da sua vida é cumprir aquilo que o Pai tinha definido (cf. Lc 24,7.25-27.45-46). Lucas apresenta aqui a chave para entender toda a vida de Jesus: Ele veio ao mundo por mandato de Deus Pai e com um projeto de salvação/libertação. Àqueles que se perguntam porque deve o Messias percorrer determinado caminho, Lucas responde: porque é a vontade do Pai. Foi para cumprir a vontade do Pai que Jesus veio ao nosso encontro e entrou na nossa história.
Atente-se, ainda, em duas questões um tanto marginais, mas que podem servir também para a nossa reflexão e edificação: em primeiro lugar, reparemos no entusiasmo que Jesus tem pela Palavra de Deus e pelas questões que ela levanta; em segundo lugar, a “declaração de independência” de Jesus pode ajudar-nos a compreender que a família não é o lugar fechado, onde cada pessoa cresce em horizontes limitados e fechados, mas é o lugar onde nos abrimos ao mundo e aos outros, onde nos armamos para partir à conquista do mundo que nos rodeia.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão do Evangelho de hoje deve ter em conta as seguintes questões:

  • Para Jesus, a prioridade fundamental a que tudo se subjuga (até a família) é o projeto de Deus, o plano que Deus tem para cada pessoa. Se os planos dos pais e os planos de Deus entram em choque, quais devem prevalecer?

  • Anima-nos o mesmo entusiasmo de Jesus pela Palavra de Deus? Somos capazes de esquecer outros interesses legítimos para nos dedicarmos à escuta, à reflexão e à discussão da Palavra? Vemos nela um meio privilegiado de conhecer o projeto que Deus tem para nós?

  • Maria e José não fizeram cenas diante da resposta “irreverente” de Jesus. Aceitaram que o jovem Jesus não lhes pertencia exclusivamente: Ele tinha a sua identidade e a sua missão próprias. É assim que nos situamos face àqueles com quem partilhamos a experiência familiar?

  • A nossa família potencia o nosso crescimento, abrindo-nos horizontes e levando-nos ao encontro do mundo, ou fecha-nos num espaço cômodo mas limitado, onde nos mantemos eternamente dependentes?