A Palavra de Deus deste domingo
nos convida ao desafio da demonstração da nossa fé através do Amor a Deus e ao
próximo (evangelho). A primeira leitura tirada do livro do Êxodo nos sugere o
cuidado com os mais fracos da comunidade. Deus é aliado deles e quando
abraçamos a luta para defendê-los e promovê-los realizamos a vontade de Deus
que é misericordioso (1ª leitura). Esse dinamismo de sensibilidade e
solidariedade sempre acontece quando a Palavra de Deus é acolhida e seriamente
assimilada pela comunidade (2ª leitura).
1ª leitura: Ex.
22,20-26
Cuidar dos mais
fracos
Temos aqui um exemplo de
precisas indicações de como concretizar o amor a Deus. O texto que temos aqui
(Ex. 22,20-26) é a continuação da exposição do decálogo, os dez Mandamentos da
lei de Deus que conhecemos. Na verdade, por respeito às origens, o decálogo não
recebe o nome de “lei”, mas de “palavras”. Os mandamentos, muito mais que uma
direta comunicação de um recado de Deus para a humanidade, é uma resposta dela
ao Amor de Deus. Mas como vivenciá-la na prática? Nesta primeira leitura temos
um exemplo. Amar a Deus quer dizer dar atenção, ou melhor, cuidar dos mais
frágeis. O próximo é aquele que mais precisa de ajuda para poder viver com
dignidade. Logo após o texto do Decálogo do livro do Êxodo (Ex. 20,1-21), segue
o texto do Código da Aliança que aparece como uma espécie de tradução concreta
do amor a Deus em diversas dimensões: social, religiosa, ecológica,
econômica... O amor a Deus não deve se resumir em puro sentimento, mas num
compromisso de qualidade de relação conosco e com os outros. O presente texto
da leitura de hoje ressalta quatro categorias de pessoas profundamente
necessitadas daquele contexto bíblico: o estrangeiro, a viúva, o órfão e o
pobre. Todos eles, na condição em que viviam, passavam por uma situação de
grande vulnerabilidade; eram indefesos e viviam à mercê dos mais variados tipos
de violência. Os estrangeiros eram todos aqueles que, perseguidos por motivos
vários, sobretudo de guerra, eram expulsos do aconchego da própria cultura e se
refugiavam em outros povos pedindo abrigo e proteção, passando por uma
experiência de grande sofrimento: sem famílias, sem referência cultural, sem o
conhecimento da língua, sem amizade. Explorá-los nessa situação era crueldade
(hoje seria um crime considerado “hediondo”!), muitos eram escravizados e viviam
humilhados. A viúva e o órfão, mãe e filho, numa sociedade patriarcal, estavam
totalmente desprotegidos, sem amparo e sem força nem meios para sua
sustentabilidade econômica. O pobre, enquanto pessoa desprovida dos meios
necessários para sua digna subsistência, também participava da mesma condição.
Mais que pobres, eram empobrecidos! O texto não faz menção ao apelo à dignidade
pessoal de cada um. Isso será fruto de uma consciência de dignidade humana que
a humanidade vai adquirir ao longo dos séculos. Mas quem ama logo descobre o
que falta ao bem-estar do outro. A motivação básica que aparece para o cuidado
deles, é o Amor a Deus (causa teológica): Deus aparece como aliado dos pobres:
“se os maltratardes, gritarão por mim e eu ouvirei o seu clamor”, “ser clamar
por mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso” (Ex. 22,22.26b).
Nossa vida
Temos nesse texto de modo muito
claro algumas mensagens bem concretas: a) A nossa Aliança com Deus (fé,
batismo), não pode ser inconsequente. Imediatamente após a colocação do texto
dos dez mandamentos segue uma série de prescrições bem concretas em vista de
favorecer ao povo a tradução em miúdos da fé em Deus. Deus se manifesta na
pessoa dos mais pobres. O fundamento do cuidado especial para com os pobres e
desvalidos está na mesma origem de igualdade: fomos criados à imagem e
semelhança de Deus, por essa razão somos todos merecedores de toda atenção e
respeito. A pobreza não é uma condição natural, mas sociocultural,
sociopolítica, socioeconômica... A desigualdade social violenta é um subproduto
do egoísmo humano. b) O “grito desses pobres”, fragilizados, constitui uma
espécie de ameaça aos promotores das suas injustiças: se gritam a Deus os
escutará e dará uma resposta em defesa deles. Deus é o Advogado dos pobres e
desprezados deste mundo. Os pobres e excluídos de hoje, quando organizados,
também são capazes de amedrontar os poderosos. Por isso os dominadores usam de
estratégias para amordaçá-los de diversas formas: com a educação maquiada, com
presentes, com promessas, ou mesmo através da promoção do “pão e circo” (comida
e espetáculos gratuitos). Infelizmente essa ainda é uma estratégia de dominação
muito usada por governos em nossos dias; sobretudo de perfil populista. c) Há
uma profunda relação entre fé e cidadania... O amor a Deus que não se
materializa em compromissos com a melhoria da qualidade de vida e partilha de
bens, é vazio. Assim diz o Evangelista João: “Se alguém possui os bens deste
mundo e, vendo o seu irmão em necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor
de Deus permanecer nele? Filhinhos, não amemos com palavras, nem com a língua,
mas com obras e de verdade” (1Jo 3, 17-18). “Se alguém diz: "Eu amo a
Deus", e, no entanto, odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem
não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo
4,20).
Salmo 18
Este salmo é um hino de
agradecimento a Deus que protege os perseguidos e preserva a autoridade dos
seus servos. Este salmo foi composto por Davi quando Javé o libertou de todos
os seus inimigos e da mão de Saul (cf. Sl 18,1.31-36). Deus é visto como força,
rochedo, fortaleza, libertador, refúgio, escudo, baluarte (cf.Sl 18,2). Por
isso Louvado seja! Deus está próximo daquele injustamente perseguido,
restaura-lhe seu vigor e mantém autoridade (cf. Sl 18,7-24). Deus é fiel com o
fiel, íntegro com os íntegros, puro com os puros (cf. Sl 18,26-27). Deus é
força que move os pobres na resistente luta por vida mais digna.
2ª leitura:
1Ts. 1,5a-10
Uma comunidade
que cresce na fé e no amor
A comunidade de Tessalônica era
fervorosa e teve um grande progresso na fé a ponto de se tornar um modelo para
outras comunidades: “a vossa fé em Deus propagou-se por toda parte” (1Ts. 1,8),
“assim vos tornastes modelo para todos os fieis da Macedônia e da Acaia” (1Ts.
1,7). Paulo enumera três causas desse sucesso: a) Esses cristãos assimilaram e
vivenciavam a mensagem que lhes fora semeada, tornando-se, desse modo
imitadores de Cristo (cf. 1Ts 1,6); b) Foram dóceis aos ensinamentos de
Paulo e seguiram seu exemplo, imitando suas ações (cf. 1Ts. 1,6); c) Acolheram
a Palavra com alegria apesar das tribulações.
Dessa forma, tinham um
comportamento exemplar, cultivavam um dinamismo missionário propagando a
Palavra de Deus, tinham boa qualidade de relacionamento com os outros e
abandonaram a idolatria (os falsos deuses) confirmando assim, sua mudança
de vida e perseverança no bem.
Nossa vida
Esse relato de Paulo que
manifesta a alegria pelo progresso dessa comunidade, nos lança um convite para
refletirmos sobre a parábola do Semeador. A semente que caiu no bom terreno
germinou, brotou, cresceu e deu frutos a base de cem, sessenta e trinta frutos
por um (cf. Mt. 13,1-9). Mas se pensarmos em nível pessoal, perguntemo-nos como
está o nosso ritmo de crescimento na fé, no humanismo, da esperança, da
sensibilidade para com os mais necessitados. O texto nos convida a não sermos
estéreis, incapazes de transformar em vida as boas mensagens que recebemos. A
acolhida da Palavra de Deus está na base desse processo de conversão,
crescimento espiritual e produção de bons frutos; quando é acolhida com alegria
e assimilada, a Palavra de Deus transforma nossa vida pessoal de das nossas
comunidades. A prática do Amor depende do Alimento da Palavra de Deus:
“Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para
corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito,
preparado para toda boa obra” (2Tm. 3,16-17).
Evangelho:
Mt. 22,34-40
Aleluia, aleluia, aleluia.
Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e a ele nós viremos (Jo 14,23).
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
22 34 Sabendo os fariseus que Jesus reduzira ao silêncio os saduceus, reuniram-se
35 e um deles, doutor da lei, fez-lhe esta pergunta para pô-lo à prova:
36 “Mestre, qual é o maior mandamento da lei?”
37 Respondeu Jesus: “‘Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito’.
38 Este é o maior e o primeiro mandamento.
39 E o segundo, semelhante a este, é: ‘Amarás teu próximo como a ti mesmo’.
40 Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas”.
Palavra da Salvação.
Amar a Deus e o
próximo como a si mesmo
Mais uma vez um grupo de fariseus
se reúne para por Jesus à prova lançando-lhe uma pergunta: “Mestre qual é o
maior dos mandamentos da Lei?” (Mt. 22,36). Para nós hoje, essa pergunta não se
apresenta com dificuldade para ser respondida, mas para um judeu fiel e até um
rabino do tempo de Jesus a resposta não era tão fácil. Isso porque os
dirigentes religiosos judaicos (sacerdote, sumo-sacerdotes e anciãos), não só
contemplavam a obediência dos clássicos dez mandamentos, mas deviam estar
atentos a um total de 613 exigências preceituais, sejam positivas (“faça!”) ou
proibitiva (“não faça”!). Em meio a tantos preceitos, acabaram perdendo o
fundamento de tudo. Os líderes do judaísmo haviam multiplicado os mandamentos.
Infelizmente para muitos, como se percebe no caso dos fariseus, a razão de ser
de cada exigência parecia desaparecida. Na sua resposta, Jesus está denunciando
exigências desnecessárias e resgatando a primazia do Amor a Deus, inseparável
do amor ao próximo. Essa primazia de Deus (amor) deveria secundarizar centenas
de exigências preceituais, sobretudo, aquelas relacionadas à esfera religiosa.
A Ele nos empenhamos com as forças num amor que compromete a totalidade da
nossa pessoa: com todo coração (consciência), com a alma (paixão,
sentimentos...) e com toda a razão (inteligência). Jesus propõe a necessidade
de resgate do eixo unificador de tudo, da base fundamental de toda lei e
prescrição: o amor em duas direções a Deus e ao próximo inseparavelmente. Tudo
é dom de Deus, a Ele nós pertecemos, a Ele nos voltamos por inteiro. Mas essa
primazia de Deus não pode ser abstrata, teórica, vazia... Muito mais que
sentimento é convicção de dever fazer o bem ao outro. “Como a si mesmo” é o
parâmetro que Jesus nos coloca. Nas entre linhas, a idéia de Bem está
implícita: ninguém faz mal a si mesmo (em sã consciência!). Amar é bem-quer e o
bem fazer ao outro. O amor a Deus e ao próximo constitui o eixo unificador da
fé e da esperança cristã. Quando Jesus diz que desses dois mandamentos
“dependem a lei e os profetas” significa que esse é o fundamento do conjunto de
todas as leis, prescrições religiosas e civis colecionadas Pentateuco (os cinco
primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Número e Deuteronômio),
atribuídos a Moisés. Ao centro do Pentateuco está o código da Aliança (Ex. 20,23-23,19),
a Lei da Santidade (Lv 17-22) e o Código Deuteronômico (Dt. 12-26). Um conjunto
de exigências que tinham como fundamento o Amor a Deus e ao próximo. Vai dizer
São Paulo que a prática do Amor constitui a plenitude da Lei (cf. Gl. 5,14).
Vale dizer que a lei tem uma função pedagógica de conduzir, orientar,
explicitar exigências... (cf. Gl. 5,24-25), mas quando ela perde o seu
fundamento (promover a Vida) não serve mais para nada. Em vez de promover e
libertar, massacra, humilha, oprime a pessoa. Gera a violência.
Nossa vida
O texto fala por si mesmo com um
conjunto de mensagens muito claras... mas sempre vale a pena pontualizar algo
mais. Jesus nos convida a refletir sobre a inseparabilidade do amor a Deus e ao
próximo: a) É preciso estarmos atentos à hipocrisia religiosa: louvar a Deus,
cantar “Amém! Aleluia! e desprezar os outros, sermos-lhe indiferentes, ou
violentos... b) A inseparabilidade desse amor – em duas direções - nos
conduz a dar um fundamento para a filantropia (fazem o bem aos outros). Quando
a filantropia (amor ao ser humano) é alicerçada na fé, chama-se Caridade. c)
Amor ao próximo depende da compreensão da dignidade humana (valor da pessoa) e
da sua auto-estima: como pode alguém cuidar dos outros se não cuida de si
mesmo? Como é possível alguém ser delicado com os outros se é violento consigo?
Como alguém pode promover os outros se não zela por si mesmo? Como será capaz
de amar os outros, se não se ama, se não se aceita, não se quer bem? Como
alguém poderá lutar pela libertação dos outros se vive preso em si mesmo... no
egoísmo, no vícios, nas manias...?
Antônio
de Assis Ribeiro - SDB (padre Bira)