Início da Carta aos Hebreus.
1Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; 2nestes
dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o
universo.
3Este é o esplendor da glória do
Pai, a expressão do seu ser. Ele sustenta o universo com o poder de sua
palavra. Tendo feito a purificação dos pecados, ele sentou-se à direita
da majestade divina, nas alturas. 4Ele foi posto tanto acima dos anjos quanto o nome que ele herdou supera o nome deles.
5De fato, a qual dos anjos Deus
disse alguma vez: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”? Ou ainda: “Eu
serei para ele um Pai e ele será para mim um Filho”? 6Mas, quando faz entrar o Primogênito no mundo, Deus diz: “Todos os anjos devem adorá-lo!”
— Adorai o Senhor Deus, vós anjos todos!
— Adorai o Senhor Deus, vós anjos todos!
— Deus é Rei! Exulte a terra de alegria, e as ilhas
numerosas rejubilem! Treva e nuvem o rodeiam no seu trono, que se apoia
na justiça e no direito.
— E assim proclama o céu sua justiça, todos os povos podem ver a sua glória. Aos pés de Deus vêm se prostrar todos os deuses!
— Porque vós sois o Altíssimo, Senhor, muito acima do universo que criastes, e de muito superais todos os deuses.
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Marcos.
— Glória a vós, Senhor.
14Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: 15“O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos, e crede no Evangelho!”
16E, passando à beira do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. 17Jesus lhes disse: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”. 18E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus.
19Caminhando mais um pouco, viu também Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca, consertando as redes; 20e logo os chamou. Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo Jesus.
Na liturgia, começamos hoje a primeira semana do tempo comum. O
Evangelho tem duas partes: um apelo à conversão feito por Jesus, e o chamado de
quatro discípulos.
“Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galiléia.” Na
Palestina, o Estado da Galiléia é o mais distante de Jerusalém. Mostra que
Jesus não queria ser preso nem morrer.
“O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo.” Portanto,
a conversão tem de ser agora, não pode ser adiada. O tempo já se cumpriu, quer
dizer, já venceu o prazo. O original está em grego, e esta língua tem duas
palavras para designar o tempo: 1ª) “Krónos”: o tempo do calendário. 2ª)
“Kairós”: o tempo da graça, de favor de Deus e de oportunidade de salvação.
“Exorto-vos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: ‘No momento
favorável, eu te ouvi, no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento
favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6,2).
“O Reino de Deus está próximo” porque o próprio Jesus é a Boa Nova
do Reino. Na sua pessoa, na sua mensagem e na sua obra está já presente a
salvação que o Reino de Deus traz ao homem. O Reino de Deus não é mais algo do
futuro, mas está presente e começa a se realizar, isto é, está à porta de cada
um de nós.
Por isso, “convertei-vos e crede no Evangelho!” Evangelho significa
Boa Nova. É o conjunto de tudo que Jesus ensinou. Conversão, palavra muito
usada no trânsito, significa mudança de direção. Devemos mudar a direção da
nossa vida, mudar o nosso comportamento, transformando-o radicalmente.
“Crede no Evangelho!” Deus veio até os homens para reconciliá-los.
Não lhes traz mais mandamentos, mas lhes pede a fé em suas palavras.
Os quatro primeiros discípulos que Jesus chamou são duas duplas de
irmãos. Os quatro são pescadores. “Deixando imediatamente as redes, seguiram a
Jesus.” “Deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram,
seguindo Jesus”. Para seguirmos a Jesus, precisamos deixar tudo: bens
materiais, família, trabalho... Chama a nossa atenção a resposta pronta,
imediata e incondicional deles. O discípulo – dirá Jesus mais tarde – precisa
renunciar a tudo: famílias, bens...
Jesus os instruirá de forma dinâmica, isto é, não numa sala de
aula, mas durante a vida normal que vão viver juntos. É assim que nasce a
Igreja.
Jesus já conhecia esses quatro: Pedro, André, Tiago e João, pois
era por ali que João Batista pregava e ministrava o batismo de penitência.
Jesus sabia que não eram pessoas ociosas, mas gente trabalhadora e responsável;
e eram generosos para se entregarem por um ideal. Os quatro não sabiam o que
era esse Reino de Deus para o qual foram chamados, mas confiavam em Jesus que
os convidava. Nós também, quando abraçamos uma missão ou vocação (vida
sacerdotal, matrimônio...) nunca conhecemos direito o futuro, mas confiamos em
Deus que nos convida. Fé é exatamente isso: caminhar como se visse o invisível.
Os quatro passaram a viver apoiados na fé.
Não adianta alguém dizer que tem fé, se não tem boas obras. São
estas que mostram a nossa fé. Ter fé é seguir um caminho novo, traçado não por
nós, mas por Deus para nós. Eu não conheço o caminho, mas creio que dará certo,
porque foi Deus que me chamou e ele conhece o caminho. Quando recebemos um
sacramento – por exemplo, a ordenação sacerdotal, o matrimônio – é certo que
Deus nos chama para aquilo, porque o sacramento é o sinal visível da graça e da
ação de Deus.
A fé cristã começa quando alguém toma um caminho novo na vida, por
causa de Deus, de Jesus Cristo, da Santa Igreja. Tomar um caminho novo é
exatamente o sentido da palavra conversão.
Antes de subir para o céu, Jesus disse aos seus discípulos: “Assim
está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no
seu nome será anunciada a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as
nações...” (Lc 24,46-47). Para recebermos o perdão dos nossos pecados, temos de
nos converter.
A nossa conversão deve ser para a Igreja, que é o Corpo Místico de
Cristo. Para a Igreja que ele fundou: una, santa, católica e apostólica.
Certa vez, um professor estava aplicando uma prova aos seus alunos,
os quais, em silêncio, tentavam responder as perguntas com certa ansiedade.
Faltavam uns quinze minutos para o encerramento, quando um aluno
levantou o braço e disse ao professor: “Professor, pode me dar uma folha em
branco?” O professor levou a folha até a sua carteira e perguntou por que mais
uma folha em branco. Ele respondeu: “Eu tentei responder as questões, rabisquei
tudo, fiz uma confusão e quero começar outra vez”.
Apesar do pouco tempo que faltava, o professor confiou no rapaz e
lhe deu a folha em branco, torcendo para o aluno.
Nós, pela vida afora, vamos corrigindo aqui, apagando ali... Mas
pode acontecer, em determinado momento, de precisarmos de uma folha em branco e
mudar a nossa vida radicalmente, porque não dá mais para fazermos pequenos
retoques. Apesar do pouco tempo que nos resta, o professor, que é Cristo,
confia em nós e nos dá a folha em branco, torcendo depois para que acertemos.
Por isso, se for necessário, não vamos ter medo de pedir a folha em branco,
fazendo uma reforma mais radical da nossa vida. A palavra conversão significa
justamente isso.
Os nossos atos têm suas raízes, isto é, eles são manifestações de
algo mais profundo em nosso interior, como um iceberg. Como disse Jesus a
Nicodemos: “Se alguém não nascer de novo, não poderá ver o Reino de Deus” (Jo
3,3). Como aquele professor, Jesus está ao nosso lado, torcendo por nós e
pronto para nos ajudar.
Maria Santíssima tinha o coração todo voltado para Jesus e para a
sua Igreja. Pedimos a ela que interceda por nós, a fim de recebermos a graça da
conversão.
Pe Queiroz
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