DEPOIS DO CHARLIE HEBDO: AS IGREJAS EUROPEIAS PODEM SER O PRÓXIMO ALVO?
Não é preciso ser profeta para prever a ameaça que paira sobre a Europa cristã.
Mais uma vez, um hediondo ataque terrorista obriga os
europeus a encarar algumas realidades políticas e culturais básicas. O
massacre na redação parisiense da revista Charlie Hebdo levanta questões
fundamentais e preocupantes sobre a liberdade de expressão e sobre o
delicado equilíbrio entre os direitos civis e o policiamento eficaz. Mas
para os cristãos, e para os católicos especificamente, os atuais
perigos do terrorismo devem levar a sérias considerações sobre várias
questões bastante diferentes. Olhando para a Europa contemporânea,
precisamos levar em conta um evento funesto que ainda não ocorreu, mas
que quase com certeza vai ocorrer nos próximos anos. A não ser que as
circunstâncias políticas mudem radicalmente, vai haver em breve um
grande ataque contra algum símbolo icônico do cristianismo europeu.
Esta afirmação não exige dons de profecia. Faz anos que os segmentos mais extremistas
do islamismo radical vêm proferindo ameaças diretas contra a fé e a
prática cristã. E é irrelevante que as suas ações estejam em contradição
com as interpretações tolerantes da tradição do islã. Grupos radicais
como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico afirmam que os cristãos de hoje são
idólatras a quem não se aplicam as promessas de proteção que existem no
alcorão para “os povos do livro”. Atacar igrejas cristãs, para eles, é
lutar contra a idolatria e contra os infiéis.
Os grupos terroristas
já alvejaram indivíduos e instituições cristãs para provocar efeitos
máximos de choque. Em 1995, um grupo árabe com sede nas Filipinas
projetou assassinar o papa João Paulo II durante a sua visita àquela
nação, como forma de distrair as atenções mundiais de outro plano
terrorista: o de atacar aviões comerciais norte-americanos (o turco Ali
Agca disparou contra o mesmo papa em 1981, mas ele não estava agindo em
nome da causa jihadista). Quando o papa Bento XVI fez o seu polêmico
discurso de Regensburg, em 2006, grupos muçulmanos extremistas
organizaram protestos do lado de fora da catedral de Westminster, a
igreja católica mais importante da Inglaterra, enquanto um porta-voz
advertia que qualquer um que insultasse o islã deveria esperar nada
menos que a execução.
Catedrais e grandes igrejas se destacam
nas listas de alvos abortados de células islâmicas. Esses ataques
frustrados já miraram contra as catedrais de Estrasburgo e de Cremona,
por exemplo. A Al-Qaeda já fez ameaças contra a grande catedral de
Bolonha: um afresco medieval do Juízo Final, presente nesse templo,
retrata o profeta Maomé sendo jogado no inferno, com uma cobra em volta
do seu corpo nu e com um demônio esperando por ele. Ativistas muçulmanos
italianos protestaram frequentemente contra esta obra. Também é
sensível o risco que corre o santuário espanhol de peregrinações de
Santiago de Compostela, dada a sua dedicação a São Tiago, o “Matamoros”,
ou seja, o “matador de mouros”. Outros importantes edifícios cristãos,
embora não ofendam especificamente o sentimento islâmico, também podem
atrair a violência terrorista justamente por causa do seu enorme valor
simbólico.
Os recentes acontecimentos no Oriente Médio fazem com que os ataques contra igrejas
sejam vistos como muito mais prováveis. Durante a última década, os
extremistas em toda aquela região atacaram deliberadamente edifícios e
comunidades cristãs para destruí-los, em particular na Síria e no
Iraque. Os ataques-relâmpago realizados contra igrejas no Egito em 2013
foram os piores e mais numerosos no país desde o ano de 1321. O Iraque
tem sido cenário constante do massacre de clérigos e fiéis cristãos, em
geral durante as grandes celebrações, como o Natal. Em todo o mundo,
aliás, o Natal é um tempo excepcionalmente perigoso para as igrejas
localizadas em países como a Nigéria ou o Quênia: é a época em que os
ataques suicidas são mais temidos. A Al-Qaeda e o Estado Islâmico, os
principais autores dessas táticas, têm, ambos, forte presença em solo
europeu.
As autoridades de segurança europeias, naturalmente, estão bem
consciente desses perigos. Vejam-se os controles de segurança para quem
quer entrar na Praça de São Pedro, em Roma. Por definição, no entanto,
as igrejas e seus cultos precisam ficar abertos ao público. Para os
planejadores terroristas, elas são como frutas em galhos baixos ao lado
da estrada.
Como uma espécie de exercício intelectual, deveríamos pensar nas consequências de tais atos potenciais de terrorismo.
Qual seria o efeito cultural ou político de um ataque que devastasse
edifícios tão queridos como a abadia de Westminster, a catedral de Notre
Dame, a de Santiago de Compostela, o Duomo de Florença ou a própria
basílica de São Pedro? Ou de ataques simultâneos, como os que acontecem
com frequência em Bagdá, durante a Missa do Galo em duas ou mais cidades
europeias?
Os efeitos imediatos, sem dúvida, seriam o luto, o pesar e a fúria, e os líderes muçulmanos
estariam entre os primeiros a condenar esse ataque hipotético, e com
absoluta sinceridade. Eles declarariam que os terroristas representam
uma parcela extremista da fé, que viola os seus preceitos básicos. As
autoridades da Igreja, por sua vez, responderiam certamente com palavras
de perdão e de reconciliação. E todos nós poderíamos esperar massivos
encontros e vigílias inter-religiosas em várias cidades de todo o
planeta.
É difícil, porém, evitar o aumento da tensão e da
confrontação religiosa. Tais ataques resultariam em dramáticas e
militarizadas operações de segurança em torno de outras igrejas, o que
promoveria uma sensação de cerco e incentivaria a retórica de cruzada e
jihad. O Vaticano descreveu inicialmente os ataques no metrô de Londres,
em 2005, como "anticristãos", mas retirou este comentário quando ele
foi acusado de ser “inflamatório”. Em outras circunstâncias, porém,
motivos flagrantemente anticristãos podem ser impossíveis de esconder.
Podemos imaginar os cristãos europeus adquirindo uma nova consciência da sua cultura
e do seu patrimônio, redescobrindo o senso de história cristã que eles
sempre tiveram por óbvio. Na Inglaterra, por exemplo, a antiga bandeira
cruzada de São Jorge era praticamente desconhecida há quarenta anos, mas
hoje é um símbolo de identidade nacional. Poderíamos também esperar uma
reforçada militância dos imigrantes do hemisfério sul que vivem na
Europa, milhões dos quais são cristãos e cujos países de origem são
cenários de violência inter-religiosa. Deveríamos esperar uma violência
retaliatória? Nacionalistas de extrema-direita poderiam, eles próprios,
adotar uma retórica de cruzada e atacar mesquitas e centros islâmicos.
Eu não tenho a pretensão de prever as consequências em suas minúcias.
Mas seria valioso, ainda assim, pensarmos nessas atrocidades potenciais
antes que elas aconteçam de verdade.
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