A
liturgia do 18º domingo do tempo comum repete, no essencial, a mensagem das
leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao
seu Povo o alimento que dá a vida eterna e
definitiva.
A
primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo,
com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas,
no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e
principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades
estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros
valores.
No
Evangelho, Jesus apresenta-Se como o “pão” da vida que desceu do céu para dar
vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é, que
escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os
seus valores, que adiram à sua proposta.
A
segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho
e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e
adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve
significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente
diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao
mundo.
1ª
leitura: Ex. 16,2-4.12-15 - AMBIENTE
A
secção de Ex. 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a
marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha – a que
vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
Três
dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf.
Ex. 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo
desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a
acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o
castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o
pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de
que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma
dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se
apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do
seu Povo.
Provavelmente,
estes relatos têm por base elementos de caráter histórico (dificuldades reais
sentidas pelos hebreus que saíram do Egito com Moisés, no seu caminho para a
Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória coletiva;
no entanto, os catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese,
do que em apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura
uma catequese “jahwista”, do séc. X a.C. com uma catequese “sacerdotal”, do séc.
VI a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação
de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh… Aqui, Israel fala em regressar
ao Egipto, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egito
representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história, de
voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar
comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu
Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece
a Israel vida em abundância.
O
episódio que hoje nos é proposto – o episódio das codornizes e do maná – é
situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia
do segundo mês após a saída da terra do Egipto” (Ex. 16,1). O deserto de Sin
estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
A
história das codornizes tem por base um fenômeno que se observa, por vezes, na
Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar
o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos
beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por
base uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas
do Sinai que, após ser picada por um insecto, segrega uma substância resinosa e
espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância
(que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o
pão.
Vai
ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram,
ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a
catequese que nos transmitem no texto que nos é
proposto.
MENSAGEM
1.
O episódio começa com a murmuração do Povo “contra Moisés e contra Aarão” (v.
2). Por estranho que pareça, Israel sente saudades do tempo em que passou no
Egito pois, apesar da escravidão, estava sentado “ao pé de panelas de carne” e
comia “pão com fartura” (v. 3). Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as
limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de
escravo, demasiado “verde” e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo,
ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo
que ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a
responder sem hesitações às suas propostas, a segui-l’O incondicionalmente no
caminho da fé.
2.
A resposta de Deus é “fazer chover pão do céu” (v. 4) e dar ao Povo carne em
abundância (v. 12). O objetivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades
materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que
cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que
milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas
necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas
areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e
de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança, em amor, em entrega. O
cuidado, a solicitude e o amor de Deus experimentados nesta “crise”, não só
ajudarão o Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe, também, superar
mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além, alargar os
horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais
santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a
não duvidar do seu amor e fidelidade… Israel aprende, neste percurso, que Jahwéh
é a rocha segura em quem se pode confiar nas crises e dramas da
vida.
3.
O facto de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária
“para cada dia” (v. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em
Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o “ter”, a libertar o
coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado
com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a
entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l’O como verdadeira fonte de
vida.
ATUALIZAÇÃO
• Mais
uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta dá-nos conta da preocupação de
Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A
ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu
Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a
amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu
fechamento e a tomar consciência de outros valores. Para Deus, “alimentar” o
Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à felicidade e à vida
verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus que, no deserto,
ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma mentalidade de escravo e
de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e da felicidade… Ele vai
conosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da vida, vê as nossas
necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa tendência para o
egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos novos, convida-nos a
ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da liberdade e da vida
verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com que Deus acompanha a
nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a escutar esse Deus, a
aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar incondicionalmente
n’Ele.
•
As “saudades” que os israelitas sentem do Egito, onde estavam “sentados junto de
panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo
acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e
sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de
aceitar a liberdade que se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de
escravidão continua, bem viva, no nosso mundo… É a mentalidade daqueles que
vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para
acumular bens materiais; é a mentalidade daqueles que trocam valores importantes
pelos “cinco minutos de fama” e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles
que têm como único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais
básicas; é a mentalidade daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas
cômodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se
interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que
vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar
os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos
novos tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não
fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos
é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo,
a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de
chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso
encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer
e a dar passos firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova… E, durante
o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso
lado.
• A
ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a
subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia)
pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ganância, da
ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos dominar pelo
desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da
ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e
angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e
a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois
só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da vida
definitiva.
2ª
leitura: Ef. 4,17.20-24 - MENSAGEM
O
nosso texto é, fundamentalmente, um convite – feito com a veemência que Paulo
usava sempre nas suas exortações – a deixar a vida antiga e os esquemas do
passado, para abraçar definitivamente a vida nova que Cristo veio
propor.
Paulo
usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro
com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a
Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela
futilidade (v. 17), pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores”
(v. 22). O homem que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem
novo, que vive na verdade (v. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (v.
24).
O
batismo – o momento da adesão a Cristo – é o momento decisivo da transformação
do homem velho em homem novo. O próprio rito do batismo (o imergir na água
significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água significa o
nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, da
auto-suficiência, do pecado) sugere a transformação e a ressurreição do homem
para uma vida nova – a vida em Cristo. A partir daí, o homem devia adotar uma
nova maneira de pensar e de agir, conseqüência do seu compromisso com Cristo e
com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu batismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.
Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu batismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.
ATUALIZAÇÃO
•
O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu
chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência dessa adesão é passar a
viver de uma forma diferente, de acordo com valores diferentes, e com uma outra
mentalidade. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma
mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face
aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar
consciência de que também nós encontramos Cristo, fomos chamados por Ele,
aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso
batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir um
rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento de encontro com Cristo, de
compromisso com Ele e o início de uma caminhada que Deus nos chama a percorrer,
com coerência, pela vida fora, até chegarmos ao homem
novo.
•
Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do homem velho… O homem
velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado
a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça,
que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o
êxito, a moda…), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela
concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta
libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade
deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem
das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar
outros valores que nos escravizam?
•
Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem novo. O homem novo é o homem
continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de
Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão,
que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que
pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá
testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu
“projeto” de vida? Os meus gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade
de um homem novo, que vive em comunhão com Deus e no amor aos
irmãos?
• Todos
nós, no dia do nosso batismo, optamos pelo homem novo… É preciso, no entanto,
termos consciência que a construção do homem novo nunca é um processo acabado… A
monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa
preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na
mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência, na acomodação; então, o
homem velho espreita-nos a cada esquina e toma conta de nós… Precisamos de ter
consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de
renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção
constante ao chamamento de Deus. O cristão não cruza os braços considerando que
já atingiu um nível satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de
vigilância e de conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante,
aos desafios sempre novos de Deus.
Evangelho
– Jo 6,24-35 - AMBIENTE
No
passado domingo, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco pães
e dois peixes, na “outra” margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao “cair
da tarde” desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo
6,16-21).
O
episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia
seguinte” ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a
multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que
ainda estava do “outro lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado
a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
A
multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum – uma cidade situada na margem
ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da
atividade de Jesus na Galiléia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um
discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a
multiplicação dos pães e dos peixes).
MENSAGEM
A
cena inicial (v. 24) parece sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus
alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e
segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr
melhor.
Contudo,
Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas
razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser,
por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não
foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só
percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância.
Assim, o fato da multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não
significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus
um modo fácil e barato de resolver os seus problemas
materiais.
Na
verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso
equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse
mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem
(“Mestre, quando chegaste aqui?” – v. 25); mas, mal se encontra diante da
multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua
chegada a Cafarnaum… As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o
problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução
dos seus problemas materiais (v. 26). Trata-se de uma procura interesseira e
egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou
passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é
preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas
sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão,
ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o
essencial – o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida
eterna é o próprio Jesus que o traz (v. 27).
O
que é preciso fazer para receber esse pão? – pergunta-se a multidão (v. 28). A
resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (v. 28). Na
cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus (que
falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta
milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para
receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão
acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha
daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros
homens. É acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não
acaba.
Os
interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse “pão”
garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do
amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse
seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (v. 30)? Qual a prova de que a
realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é
que Jesus não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu
o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma
continuada – para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma
proposta geradora de vida (v. 31)?
Jesus
responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para
saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome
de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida
eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas
através de Jesus (v. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos
espetaculares, que deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a
proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os
dias.
A
última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o “portador”
do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe
saciar a fome e a sede de vida (v. 35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra,
acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de
viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo
Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em
gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa
“qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à vida
eterna.
ATUALIZAÇÃO
•
O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura
da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome
de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de
transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos
sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em
tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de
felicidade e de realização, em valores efêmeros, em propostas que parecem
sedutoras mas que só geram escravidão e dependência… Na verdade, o dinheiro, o
poder, a realização profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres,
os amigos são valores efêmeros que não chegam para “encher” totalmente a nossa
vida e para lhe dar um sentido pleno. Como podemos “encher” a nossa vida e
dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de
vida?
• Jesus
de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a
questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através
de Jesus que Deus sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em
plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na
nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual
construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora
tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus
que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude?
Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa
referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à
distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que
condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao
mundo?
•
O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para
dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é
clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo
para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento,
acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-l’O no
caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos
irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras
concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou atos institucionais que
nos fazem constar dos livros de registro da nossa paróquia; aderir a Jesus é
assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à
morte.
•
No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando
constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos,
apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as
pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a
repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o
batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o
matrimônio na Igreja porque, assim, a cerimônia é mais espetacular e proporciona
fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã
para nos auto-promovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é
um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona
uma vida cômoda e tranquila; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade
para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos pague resolvendo
algumas das nossas necessidades materiais… A nossa adesão a Jesus deve partir de
uma profunda convicção de que só Ele é o “pão” que nos dá
vida.
•
A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do
céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe
oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e
que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus atua na
vida do homem de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos
os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a
Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os
caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os
métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa
vida.
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas
Carvalho
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