A
liturgia do 19º domingo do tempo comum dá-nos conta, uma vez mais, da
preocupação de Deus em oferecer aos homens o “pão” da vida plena e definitiva.
Por outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da
auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de
Deus.
A
primeira leitura mostra como Deus Se preocupa em oferecer aos seus filhos o
alimento que dá vida. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água”
com que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da
bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os
seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de
dificuldade e de desânimo.
O
Evangelho apresenta Jesus como o “pão” vivo que desceu do céu para dar a vida ao
mundo. Para que esse “pão” sacie definitivamente a fome de vida que reside no
coração de cada homem ou mulher, é preciso “acreditar”, isto é, aderir a Jesus,
acolher as suas propostas, aceitar o seu projeto, segui-l’O no “sim” a Deus e no
amor aos irmãos.
A
segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o “pão” da vida…
Quando alguém acolhe Jesus como o “pão” que desceu do céu, torna-se um Homem
Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver no
caridade, a exemplo de Cristo.
1ª
leitura – 1Re. 19,4-8 - AMBIENTE
Elias
atua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé
jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros
(especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente,
estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de
facilitar o intercâmbio cultural e comercial… Mas essas razões políticas não são
entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério
profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853
a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias
(853-852 a.C.).
Elias
é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos
israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte
da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os
profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de
quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re. 18). Esse episódio é,
certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre
os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas
de outros povos.
Para
além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes
(veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1
Re. 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os
pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns
comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os
mandamentos de Jahwéh.
Após
o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo, Acab e a sua esposa
fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul, a fim de salvar a
vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente
nesse contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é proposto nos
situa.
MENSAGEM
A
cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e solitário face à incompreensão
e à perseguição de que é alvo. O profeta sente que falhou, que a sua missão está
condenada ao fracasso e que a sua luta o conduziu a um beco sem saída; sente
medo e está prestes a desistir de tudo… O pedido que o profeta faz a Deus no
sentido de lhe dar a morte (v. 4) reflete o seu profundo desânimo, desilusão,
angústia e desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o profeta é um
homem e que está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua fragilidade e
da sua finitude.
No
entanto, Deus não está longe e não abandona o seu profeta. O nosso texto refere,
neste contexto, a solicitude e o amor de Deus, que oferece a Elias “pão cozido
sobre pedras quentes e uma bilha de água” (v. 6). É a confirmação de que o
profeta não está perdido nem abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido
e perseguido pelos homens. A cena garante-nos a presença contínua de Deus e o
seu cuidado com aqueles que chama e a quem dá o alimento e o alento para serem
fiéis à missão, mesmo em contextos adversos. Repare-se como Deus não anula a
missão do profeta, nem elimina os perseguidores; mas limita-Se a dar ao profeta
a força para continuar a sua peregrinação.
Alimentado
pela força de Deus, o profeta caminha durante “quarenta dias e quarenta noites
até ao monte de Deus, o Horeb” (v. 8). A referência aos “quarenta dias e
quarenta noites” alude certamente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf.
Ex 24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei;
também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até
alcançar a Terra Prometida. Em qualquer caso, esta peregrinação ao Horeb – o
monte da Aliança – é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de
Israel como Povo de Deus… Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias
necessita revitalizar a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como
profeta de Jahwéh e como defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no
Horeb/Sinai.
ATUALIZAÇÃO
• No
quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo
e pela angústia, marcado pela decepção e pelo desânimo, que experimentou
dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que,
por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele
prefere morrer a ter de continuar. “Este” Elias testemunha essa condição de
fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética. É
um quadro que todos nós conhecemos bem… A nossa experiência profética está,
muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições;
outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que
nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa
fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta… Como
responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade
e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode
ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da
decepção?
• O
nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar
testemunho profético. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água”
com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do
amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e
lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de
desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece
condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n’Ele que temos de
colocar a nossa segurança e a nossa esperança.
• Como
nota marginal, atentemos na forma de atuar de Deus: Ele não resolve magicamente
os problemas do profeta, nem Se substitui ao profeta… O profeta deve continuar a
sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus “apenas”
alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes,
pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico,
enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu… O nosso Deus não
Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua ação a
nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que
precisamos d’Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos
o caminho a seguir.
• A
“peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé
israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade
de, por vezes, encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de
reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa
“paragem” não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de centrarmos a
nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito
da missão que nos confiou.
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão:
Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A
toda a hora bendirei o Senhor,
o
seu louvor estará sempre na minha boca.
A
minha alma gloria-se no Senhor:
escutem
e alegrem-se os humildes.
Enaltecei
comigo o Senhor
e
exaltemos juntos o seu nome.
Procurei
o Senhor e Ele atendeu-me, libertou-me de toda a
ansiedade.
Voltai-vos
para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de
vergonha.
Este
pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as
angústias.
O
Anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos
perigos.
Saboreai
e vede como o Senhor é bom:
feliz
o homem que n’Ele se refugia.
2ª
leitura – Ef 4,30-5,2 - AMBIENTE
A
nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa “carta
circular” que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte ocidental da
Ásia Menor (inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na prisão (em
Roma, durante os anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de
Paulo) é uma carta onde o apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e
refletida, as principais exigências da vida nova que resulta do
batismo.
Na
secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma “exortação aos batizados”: é um texto
parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de
forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícope
de 4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida como um convite a
viver de acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do
seu batismo.
MENSAGEM
Pelo
Batismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito,
recebeu um sinal ou selo que prova a sua pertença a Deus. Tem, portanto, de
viver em consequência e de expressar, nas suas ações concretas, a vida nova do
Espírito. A exortação a “não contristar” o Espírito (4,30) deve entender-se como
“não decepcioneis o Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo
com o homem velho”.
Em
concreto, o que é que implica ser “morada do
Espírito”?
Significa,
por um lado, que os vícios do “homem velho” (o azedume, a irritação, a cólera, o
insulto, a maledicência e toda a espécie de maldade – 4,31) devem ser eliminados
da vida do cristão. Repare-se como todos estes “vícios” dizem respeito ao mundo
da relação com os irmãos: o cristão deve evitar qualquer ação que se oponha ao
amor.
Significa,
por outro lado, pautar toda a vida por atitudes de bondade, de compaixão, de
perdão, de amor, tendo Cristo como o modelo de vida
(4,32).
O
que fundamenta todas estas exortações é o fato de os crentes serem “filhos bem
amados de Deus”; por isso, devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus.
Como exemplo concreto, os crentes têm diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado
de Deus que, cumprindo os projetos do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos
homens (5,1-2).
ATUALIZAÇÃO
Pelo
batismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a
comunidade de Deus. O Batismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito
cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de
compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a
família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que
assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os
valores de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito
“como o Pai do céu é perfeito” (cf. Mt. 5,48)?
Para
os batizados, o modelo do “Filho amado de Deus” que cumpre absolutamente os
planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos
projetos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão
máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço
humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os
marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites… Dessa forma,
Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros
seus filhos. Como é que me situo face a esse “modelo” que é Jesus? Como Ele,
vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder
positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do
egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos
irmãos?
• Seguir
Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir uma nova
atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o
azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má-língua, a
inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos
cristãos. Esses “vícios” são manifestações do “homem velho” que não cabem na
existência de um “filho de Deus”, cuja vida foi marcada com o selo do Espírito.
É necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal
ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela
violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser
incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Batismo e a cortar a
nossa relação com a família de Deus.
Evangelho
– Jo 6,41-51 - AMBIENTE
Naquele tempo, 41os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do céu”.
42Eles comentavam: “Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?”
43Jesus respondeu: “Não murmureis entre vós. 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. 45Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai, e por ele foi instruído, vem a mim. 46Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna.
48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. 50Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. 51Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.
42Eles comentavam: “Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?”
43Jesus respondeu: “Não murmureis entre vós. 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. 45Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai, e por ele foi instruído, vem a mim. 46Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna.
48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. 50Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. 51Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.
No
seu “livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), João apresenta-nos um conjunto de
cinco catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando diferentes símbolos,
Jesus é apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o plano do Pai
e fazer aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses (“Jesus, a água que dá a
vida” – cf. Jo 4,1-5,47; “Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes” –
cf. Jo 6,1-7,53; “Jesus, a luz que liberta o homem das trevas” – cf. Jo
8,12-9,41; “Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas” – cf. Jo
10,1-42; “Jesus, vida e ressurreição para o mundo” – cf. Jo 11,1-56) terminam
com uma secção onde se manifesta a oposição dos judeus a essa vida nova que
Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa forma, preparando os seus leitores
para aquilo que vai acontecer em Jerusalém no final da caminhada histórica de
Jesus: a morte na cruz.
O
texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas histórias de confronto
entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo da multiplicação dos
pães e dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus
propusera-Se como “o Pão da vida” e convidara os seus interlocutores a aderirem
à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso texto é a sequência desse
episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e
descreve a controvérsia que se seguiu.
MENSAGEM
Os
interlocutores de Jesus não aceitam a sua pretensão de Se apresentar como “o pão
que desceu do céu”. Eles conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai é
José, conhecem a sua mãe e a sua família; e, na sua perspectiva, isso exclui uma
origem divina (v. 41). Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus Se
arrogue a pretensão de trazer aos homens a vida de
Deus.
Em
lugar de discutir a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo
que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é
feita: eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os
desafios de Deus… O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o
“pão” de Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas
certezas, amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso
ritualista, estéril e vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não
precisam para nada do “pão” de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher
Jesus, “o pão que desceu do céu” (vs. 43-46). Eles não escutam Jesus, porque
estão instalados num esquema de orgulho e de auto-suficiência e, por isso, não
precisam de Deus.
Para
aqueles que, efetivamente, O querem aceitar como “o pão de Deus que desceu do
céu”, Jesus traz a vida eterna. Ele “é”, de fato, o “pão” que permite ao homem
saciar a sua fome de vida (“Eu sou o pão da vida” – v. 48). A expressão “Eu sou”
é uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus – “Eu sou aquele que
sou” – tal como aparece em Ex. 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a
validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Jesus e à proposta que
Ele veio apresentar (“quem acredita” – v. 47) encontra a vida definitiva. O que
é decisivo, neste processo, é o “acreditar” – isto é, o aderir efetivamente a
Jesus e aos valores que Ele veio propor.
Essa
vida que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida parcial, limitada e
finita; mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus
estabelece um paralelo entre o “pão” que Ele veio oferecer e o maná que os
israelitas comeram ao longo da sua caminhada pelo deserto… No deserto, os
israelitas receberam um pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e
definitiva e que nem sequer lhes assegurava o encontro com a terra prometida e
com a liberdade plena (alimentada pelo antigo maná, a geração saída da
escravidão do Egito nunca conseguiu apropriar-se da vida em plenitude e nem
sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que buscavam); mas o “pão” que
Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a alcançar a meta da vida plena (vs.
49-50). “Vida plena” não indica aqui, apenas, um “tempo” sem fim; mas indica,
sobretudo, uma vida com uma qualidade única, com uma qualidade ilimitada – uma
vida total, a vida do homem plenamente realizado.
Jesus
vai dar a sua “carne” (“o pão que Eu hei-de dar é a minha carne” – v. 51) para
que os homens tenham acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará
aqui a referir-se à sua “carne” física? Não. A “carne” de Jesus é a sua pessoa –
essa pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os dias,
em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa
“pessoa” revela-lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas
palavras de Jesus, manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os homens
e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e um
serviço de amor.
ATUALIZAÇÃO
Repetindo
o tema central do texto que refletimos no passado domingo, também o Evangelho
que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o “pão” de Deus que
desceu do céu para dar a vida aos homens… Para nós, seguidores de Jesus, esta
afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um fato que condiciona a
nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida,
com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta,
veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus
ocupa na nossa vida? É à volta d’Ele que construímos a nossa existência? O
projeto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas
opções que fazemos em cada instante?
•
“Quem acredita em Mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus. “Acreditar” não é,
neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar
altas considerações teológicas a propósito da sua mensagem… “Acreditar” é
aderir, de fato, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta
constante dos projetos do Pai, segui-l’O no caminho do amor, do dom da vida, da
entrega aos irmãos; é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma luta
coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que
desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com
verdade e objetividade, que “acredito” em Jesus?
No
seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome
física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida
definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade
plena e verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de
vida do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que,
tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a
revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão
nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a
nossa segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é
necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é
preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de
realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos
manipular, aceitando como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda
ou a opinião pública dominante continuamente nos
oferecem…
• Porque
é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l’O
como “o pão que desceu do céu”? Porque vivem instalados nas suas grandes
certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema
religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se
deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo,
calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus
encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer
vida em abundância. Esta “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de
opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós temos alguma tendência
para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar
por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das
ideias política ou religiosamente corretas, de catecismos muito bem elaborados
mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem
arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios
sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas
certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos
instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e disponível
para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil
formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer a vida em
abundância.
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas
Carvalho
Homilia Dominical
Nenhum comentário:
Postar um comentário