Advogada Cristine Borges defende o casal desde a
primeira adoção(Foto: Ricardo Araújo/G1)
primeira adoção(Foto: Ricardo Araújo/G1)
Decisão inédita da Justiça do RN converteu união estável em
casamento.
Homens vivem juntos há mais de 10 anos e tem dois filhos adotivos.
Ricardo Araújo Do G1 RN
Os homens, um de 43 anos e outro de 49 anos, finalmente conseguiram garantir
na Justiça o direito que lutavam para ser reconhecido há um ano: o de serem,
legalmente, uma família. A decisão dos desembargadores da 3ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte foi inédita. O pleito do casal foi
deferido à unanimidade na 2ª Instância, após ter sido negado pela magistrada que
analisou o processo inicialmente.
Profissionais liberais, respeitados em suas respectivas funções, o casal
prefere manter a identidade em sigilo no intuito de protegerem o casal de filhos
adotivos. Para eles, a preocupação que eles tinham em garantir todos os direitos
que os filhos de casais heterossexuais tem quando da morte dos pais ou até mesmo
acesso a um plano de saúde como dependentes, por exemplo, foi o que manteve viva
a esperança no reconhecimento do casamento.
"Eu me sinto muito gratificado com a decisão da Justiça. Demorou um ano. A
expectatia, a ansiedade eram intensas. Houve um desgaste emocional muito
grande", comentou um dos homens. A alegria da conquista, entretanto, superou os
momentos de incerteza vividos pelo casal ao longo do processo. "Hoje estamos
protegidos pela Constituição. Somos oficialmente uma família", ressaltou o
companheiro. O custo do processo, porém, foi alto. O casal preferiu, entretanto,
não detalhar quanto desembolsou no decurso processual.
Para a advogada que acompanha o casal desde o processo de adoção do primeiro
filho, a decisão da Justiça Potiguar será um divisor de águas no que tange aos
assuntos relacionados ao tema. "É um julgado muito significativo. Servirá de
referência para outros processos. A Justiça já vem analisando esses casos com
mais atenção", destacou Cristine Borges da Costa Araújo. Para ela, a decisão do
colegiado é uma vitória da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Na decisão, a desembargadora Sulamita Bezerra Pacheco, relatora do processo,
afirmou que "pensar de modo diferente é o mesmo que fomentar insegurança
jurídica a estas situações, afrontar a dignidade da pessoa humana, discriminar
preconceituosamente o optante pelo mesmo sexo, vilipendiar (desrespeitar) os
princípios da isonomia e da liberdade, e retirar da família constituída pelo
casal homoafetivo a proteção Estatal arraigada na Carta Magna, reduzindo-a a uma
subcategoria de cidadão e conduzindo-a ao vale do ostracismo", argumentou a
magistrada.
O casal acredita que, em poucos anos, o fato inédito da Justiça Potiguar será
um feito comum. "Esperamos que este casamento seja uma coisa normal, que não
choque mais", afirmaram. Questionados sobre o que sentiram quando o Colegiado
proferiu a decisão favorável, um deles disse que num primeiro momento comemorou
a vitória jurídica. "Em seguida, caiu a ficha que era, a partir daquele momento,
um homem casado e agora tenho uma família reconhecida e protegida pela
Constituição", relatou um deles.
A juíza relatora Sulamita Bezerra Pacheco concluiu seu relatório citando uma
célebre frase do escritor Machado de Assis, escrita no romance "Ressurreição".
"Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba
amar"", transcreveu a magistrada. Ela disse, ainda, no mesmo documento, que "a
opção sexual do ser humano voltada à formação da família, não deve ser motivo de
críticas destrutivas, mas sim de integral proteção Estatal".
O processo de adoção
Os homens que adquiriram o direito de ser reconhecidos legalmente como um
casal, são pais de duas crianças. A primeira, foi adotada quando tinha quatro
anos de idade. No processo de adoção, somente um dos pais poderia ter o nome no
registro de nascimento. Numa outra decisão inédita no Rio Grande do Norte, a
Justiça determinou que o nome do outro companheiro fosse incluso no registro de
nascimento da criança.
"O processo de adoção foi mais tranquilo do que o do reconhecimento do
casamento. Os juízes, inclusive, quando nós conseguimos incluir o nome do
segundo pai no registro, sugeriram que outra criança fosse adotada e que ela
teria, automaticamente, os nomes dos pais no registro", explicou a advogada
Cristine Borges.
Para incluir o nome do outro pai no registro da primeira criança adotada, o
casal deu entrada na Justiça num pedido de perfiliação. "Naquela época, não
poderíamos adotar com os nomes dos dois pais", relembrou um dos pais. Com a
adoção da segunda criança, o processo foi mais simples. Visto que, os nomes dos
dois pais foram inclusos ao mesmo tempo no registro de nascimento da
criança.
Questionados sobre os tabus relacionados à criação dos filhos sem a presença
da figura materna, os homens afirmaram que as crianças crescem conscientes da
realidade e que não enfrentam problemas. "Pode acontecer quando elas entrarem na
fase da adolescência. Somos respeitados, participamos das atividades escolares e
a festa de uma das crianças teve participação em massa dos amiguinhos", destacou
um dos pais.
O outro afirmou que a "nossa família é uma família convencional. Damos aos
nossos filhos muito carinho, amor, afeto e, acima de tudo, respeito". Em relação
ao preconceito, eles afirmam que ainda existe, mas numa escala bem menor quando
comparada à outras épocas. "Nossas famílias e amigos nos aceitam e respeitam. Os
que não aceitam, se calam", ressaltou o homem mais jovem.
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