Por Luiz Eduardo Cantarelli
Nem todos
futuros são para desejar, porque há muitos futuros para se temer. (Pe Antônio
Vieira).
Em 1970, os católicos eram 90% dos brasileiros. Hoje,
segundo o IBGE, são 64,6%, ou seja, 26%, uma massa de 37 milhões – uma Argentina
de gente -, deixou de ser católica. Ao seu estilo, Nelson Rodrigues preconizava
na década de 70 que o Brasil seria, no futuro, o maior país de ex-católicos do
mundo.
Para onde partem os
católicos? Na sua grande maioria, seguem para as, assim chamadas, religiões
evangélicas, principalmente para as de cunho pentecostal e autônomas. No último
censo, os protestantes subiram de 15% para 22,2%, dentre estes, estão os
tradicionais que ficaram patinando nos 4%.
O espiritismo, que na
década de 50 pensou-se que seria a religião do Brasil, estancou em 2%.
Os “sem religião”
margeiam os 8%, sendo que os 3% restantes estão espalhados nas diversas outras
propostas religiosas. Então, basicamente, o funil de saída é para o
protestantismo e, daí, parte deles migra para os “sem religião” – o que não quer
dizer que se tornam ateus.
Quando estancará o
vertedouro de escoamento é uma incógnita, pois vários são os fatores, objetivos
e subjetivos interferentes nesse processo, alguns destes relevantes que ouso
explicar o movimento.
O primeiro: o “espírito do tempo” que estamos
vivenciando, um mundo plural, em que a morte do passado nos revela que tradição
não dá mais liga e o individualismo é o senhor da razão. Nesta nova visão de
mundo, tem muito pouco valor aquilo em que os antepassados creram e viveram. A
experimentação do novo e a curiosidade do desconhecido soam forte em cada
um.
Segundo Dr. Flávio
Pierucchi, da USP: “Uma sociedade que não precisa mais de Deus para se
legitimar, se manter coesa, se governar e dar sentido à vida social, mas que, no
âmbito dos indivíduos, consome e paga bem pelos serviços prestados em nome
dEle”.
A humanidade já viveu uma experiência parecida em meados do século XIX, com a crise Católica da negação do modernismo, acrescida do movimento milenarista e do sucesso da ciência insipiente, que tudo parecia provar e demonstrar. Naquela trajetória, nasceram o Positivismo, o Espiritismo, o Adventismo, os Mórmons, as Testemunhas de Jeová, a Teosofia, o Exército da Salvação e tantas outras religiões. Eram propostas notadamente anticatólicas, porém, inovadoras e muitas dessas permaneceram no tempo.
Paradoxalmente, podemos considerar o
movimento religioso evangélico atual fugaz e consonante com a onda consumista. É
fragmentado em milhares de denominações que seguem o discurso do pastor fundador
e, na maioria das vezes, com uma adaptação racional e funcional do evangelho às
necessidades pessoais – uma forma híbrida de
autoajuda.
O segundo: foi no Brasil que ocorreu em menor espaço de tempo o êxodo rural – o deslocamento de grandes massas de gente do campo para as cidades. Foram 35 milhões de migrantes que incharam as grandes cidades, principalmente nas periferias. Note-se que foi aí que se deu o maior número de conversões. (Antoniazzi). Assim, no impacto da perda de espaços e de valores que norteavam a família, estes se diluíram, influenciando e transformando as gerações que se seguiram. Nesse cenário decomposto, muitas vezes a escolha da religião é motivada pela ocasião.
O terceiro: a quantidade de propostas e igrejas
que concorrem no mercado religioso. O espaço sagrado da Igreja, como o católico
o qualifica, altera-se no protestantismo – ali, o sagrado é o coração do homem.
O espaço físico pode ser oriundo de um açougue, uma funerária ou outro prédio
qualquer.
Nessa facilidade de
produzir igrejas e congregações, as ofertas são muitíssimas. Associado aos
milhares de pequenos movimentos, há a força das “amplas vitrines”, que são as
grandes igrejas evangélicas mediáticas, nas quais a maximização dos lucros é a
“teologia sonhada”. Fazem uso dos mecanismos de mercado como franquias, cartões
de crédito, bancos, etc. Dezenas de milhões de reais são investidos, por mês, na
TV, que é concessão do Estado, para apresentar-se em horário nobre, com
“milagres” de hora marcada e ao vivo.
De modo descarado,
ainda segundo Pierucchi, “o discurso proferido dos fieis para com Deus, que
sustentou a civilização judaico-cristã e islâmica desde as origens, agora tem
sua direção invertida pela nova cristandade que proclama que Deus é fiel, o fiel
é Deus. Investimento seguro, vale dizer”.
O quarto: e o mais relevante, a falta de
testemunho, pelos católicos, é o principal motivo alegado para a saída de
muitos. Talvez o homem contemporâneo necessite mais do que pregação. Ele precisa
de testemunhos reais e tangíveis.
A Igreja Católica é
similar a uma arca. Com suas múltiplas espiritualidades, tem lugar para a
heterogeneidade, embora também carregue uma contradição interna na qual não mais
que 30% dos que se dizem católicos são habituais frequentadores da igreja. Os
outros 70% orbitam em torno dela nas necessidades sociais e nos ritos de
passagem como: batismo, casamento e velórios. Estes são os católicos nominais
que estão incluídos nos citados 64% do IBGE, alguns deles com aversão à
religião, mas, por uma tênue teia do passado, se mantêm ligados à Igreja. Outros
frequentam novas propostas religiosas/filosóficas que ainda não constam no
questionário do Censo e há uma grande parcela de católicos que está aguardando
um “insight” com a Transcendência. Muitas vezes a Igreja não sabe lidar com essa
realidade. São os que se dizem “católicos não praticantes”. Estes formam o
estoque dos futuros ex-católicos. Como dizia D. Eugênio Sales: “O problema da Igreja não são os
evangélicos, mas sim os falsos católicos”.
Embora os processos históricos muitas vezes tornem-se arrebatadores e incontornáveis, na visão da hierarquia, a Igreja Católica no Brasil tem se preocupado com o êxodo dos seus fieis. Aperfeiçoa a formação dos sacerdotes, enriquece e alegra os ritos, prioriza a caridade, e o que não se pode providenciar humanamente, a Providência Divina assume. Não obstante, essas atitudes não são suficientes para conter o êxodo católico. O “estrago” será tão grande nas hostes católicas que só no distante futuro poder-se-á avaliá-lo – como aconteceu na percepção histórica da reforma luterana, no século XVI.
O monopólio católico de
500 anos está se desmilinguindo e sendo criada, a partir daí, uma nova força
política religiosa contrária às tradições católicas. Resultado desse processo,
que não é mais embrionário, pode ser observado nas Minas Gerais, de tradição
católica. A principal avenida de entrada de Belo Horizonte, Nossa Senhora do
Carmo, passou a se chamar Senhora do Carmo. De notar, também, que a Igreja Assembleia de
Deus projeta eleger, este ano, 5.600 vereadores em todo o país, além de
investir pesadamente em compra de redes de Rádio e TV (Folha de São Paulo,
22/7).
Interessante observar
que nessa Igreja, até a década de 90, ver televisão e ouvir rádio era
considerado pecado. Mudaram a doutrina para não perder o “boom” do crescimento.
Quem viver, verá!
Mortos, levantai-vos!,
preconizava Dom Sebastião Leme em Olinda no início do século XX quando da
parcimônia dos católicos frente ao seu isolamento na República nascente. Hoje,
poderíamos repetir o discurso. Levantai-vos para conhecer a Igreja;
para integrar-se na comunhão dos santos, de que a Igreja é portadora; não vos
constrangeis frente a essa tempestade de ofertas de discursos religiosos
eloquentes.
Somos testemunhas de milhares de servidores consagrados, bispos, padres, freiras, leigos que se desgastam em vida, como vela no altar, em prol do outro e da Igreja. Se faltam pastores ou estão assoberbados de trabalho, atendamos o apelo bíblico; “sede-vos mesmos”, líderes para evangelizar. Se somos filhos de uma Igreja que é a genitora de todas as outras, porque estaríamos equivocados? Por acaso, colhe-se maçãs de laranjeiras?
No livro “Como a Igreja
Católica Construiu a Civilização Ocidental” central de qualquer civilização. Ao
longo de dois mil anos, a maneira de o homem ocidental pensar sobre Deus deve-se
sem a menor dúvida à Igreja Católica.
Quando perguntaram a G.K Chesterton, escritor inglês, ex-anglicano, porque é que entrou para a Igreja Romana, ele respondeu: Para me libertar dos meus pecados, porque não há outro sistema religioso que ensina as pessoas (se o professam realmente) a libertarem-se dos seus pecados. (Autobiografia, p.280).
O testemunho de Marco
Monteiro Grillo, ex-luterano e agora católico convicto: Se uma igreja que
remonta a Cristo e aos apóstolos, em que o subjetivismo simplesmente não existe,
e onde uma autoridade visível (o magistério) sempre foi e será responsável pela
salvaguarda da fé, essa Igreja só pode ser a Igreja Católica Apostólica Romana,
essa Igreja que não está sujeita às intempéries da história, nem aos modismos de
cada época, nem aos gostos dos fregueses.
Se no futuro os
católicos, mesmo sendo 20% da população, forem comprometidos com Cristo e a
Igreja dEle, éticos na vida social e em todos os demais sentidos, a Igreja, que
são todos, já terá cumprido a sua missão. Os exemplos
atraem.
Luiz Eduardo Cantarelli
é jornalista – pós-graduado em Ciência da Religião.
Belo Horizonte – Minas Gerais
Belo Horizonte – Minas Gerais
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