Em síntese: Os protestantes costumam levantar questionamentos contrários às verdades católicas. Questionamentos, estes, nem sempre bem redigidos, de modo que PR recebe freqüentemente a solicitação de responder-lhes. É a isto que atenderemos no artigo seguinte.
Consideraremos, a seguir, algumas objeções levantadas contra o Catolicismo e lhes daremos a resposta católica.
1. Objetante: "Se a Igreja Católica deu a Bíblia ao mundo, sendo infalível em suas decisões por que muitos de seus membros rejeitaram os livros apócrifos? Roma rejeitou ou pelo menos pôs em dúvida a canonicidade e os autores de Tiago e Hebreus. E por que mais tarde veio a aceitá-los? E como ela pode aceitar como sagrados os livros que ela posteriormente rejeitou?
Em resposta devemos notar que os cristãos dos cinco primeiros séculos (até o Concílio de Calcedônia em 431) tiveram que aprofundar o sentido de verdades reveladas pelo Evangelho. Para realizar esta ingente tarefa, não havia meios de comunicação modernos que permitem coordenar estudos e trabalhos, mas havia escolas de teologia no Oriente (Antioquia) e na África (Alexandria), cujos estudos podiam ser aprovados ou reprovados pela sé primacial de Roma.
Foi sobre este pano de fundo que se formou o catálogo (ou cânon) da Bíblia. Consideraremos separadamente o Antigo e o Novo Testamento.
1. O Antigo Testamento
Os judeus tinham dois catálogos de seus livros sagrados: 1) o de Jâmnia carente de sete livros (Tobias, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico e 1/2 Macabeus) rejeitados porque escritos em língua estrangeira (grego ou aramaico) ou em terra estrangeira; 2) o catálogo de Alexandria ou dos LXX, que não seguia os critérios nacionalistas adotados em Jâmnia. Conseqüentemente a tradução grega dos LXX foi-se tornando o texto usual dos cristãos. Contudo nos primeiros séculos havia escritores cristãos que duvidavam dessa escolha, já que os judeus da terra (Palestina) professavam o catálogo restrito. As dúvidas se dissiparam por obra do Espírito Santo, que rege a igreja, de modo que em 393 no Concílio Regional de
Hipônia foi definido o cânon amplo da Bíblia, com seus sete livros ditos deuterocanônicos (catalogados em segunda instância ou após terem sido controvertidos). A definição do catálogo amplo, professada pela igreja de Roma, foi-se repetindo. Não nos surpreende, porém, o fato de que alguns escritores da Igreja tenham defendido o catálogo restrito, mesmo após o século IV, São Jerônimo, que foi à Terra Santa para estudar hebraico com os rabinos, era uma voz dissidente, que não teve continuidade. - Os sete livros que os católicos designam como deuterocanônicos, são pelos protestantes ditos "apócrifos". É preciso não confundir a voz dos teólogos com a do magistério oficial da Igreja. Os teólogos podem duvidar, discutir e debater sem que o magistério da Igreja esteja envolvido nisso.
2. Novo Testamento
Também os livros do Novo Testamento foram, em parte, debatidos, sete passaram por este processo e são chamados "deuterocanônicos": Tg; Hb; Ap; Jd; 2Pd; 2/3 Jo. Foram discutidos ou porque não se sabia ao certo quem era o respectivo autor ou por razões doutrinárias: assim Hb 6, 4-6 parece ensinar que não há perdão para certos pecados (o que é falso) e São Tiago parece opor-se a São Paulo ao insistir sobre a necessidade de boas obras para chegar à salvação. A hesitação foi cedendo a um claro entendimento, de modo em 393 os deuterocanônicos do Novo Testamento foram incluídos no cânon bíblico. O Concílio de Trento nada inovou, mas repetiu o catálogo tal como professado desde o século IV. Em PR 313/1998, pp. 253 se encontra a lista dos concílios que no decorrer da história repetiram a definição do cânon amplo, evidenciando quanto é falso dizer que foi o Concílio de Trento que os introduziu na Bíblia.
O magistério da Igreja não se contradisse aceitando o que rejeitara ou rejeitando o que aceitara. Os teólogos, sim, podem contradizer-se no estudo de determinada questão.
II. Objetante: "Se os católicos afirmam que não é permitido fazer interpretação particular da Bíblia, como saberemos quem está dizendo a verdade quando católicos e orientais ortodoxos afirmam ao mesmo tempo que a tradição apostólica apoia suas doutrinas, quando na verdade sabemos que elas se opõem entre si?"
Respondemos que a garantia da inerrancia no magistério foi dada aos Apóstolos cujo primaz é Pedro (ver Mt 28, 18-20; Mt 16, 16-19). Somente a Pedro disse Jesus: "Confirma teus irmãos" (Lc 22, 21-23). Por conseguinte as dúvidas sobre matéria de fé e de Moral são resolvidas pelo sucessor de Pedro, que goza de especial assistência do Espírito Santo. Os cristãos orientais ditos "ortodoxos" guardaram o mesmo Credo que os católicos, mas recusam o Primado de Pedro, o que muito enfraquece o seu testemunho; cada nação ortodoxa oriental tem a sua frente um Sínodo de Bispos que a governa.
III. Objetante: "Os católicos podem provar que, além das Escrituras, outra fonte de autoridade doutrinária seja inspirada?"
Respondemos que Jesus nada escreveu nem mandou escrever, pois a escrita era rara e difícil na antiguidade. Os Apóstolos puseram-se a pregar de viva voz. Essa pregação oral foi ocasionalmente redigida por escrito quando os Apóstolos tinham necessidade de esclarecer alguma questão ou censurar os males de alguma comunidade ou - ainda - quando se fazia oportuno entregar às comunidades uma síntese da pregação (Evangelhos). O próprio evangelista São João adverte no fim do seu Evangelho, duas vezes, que nem tudo o que Jesus disse e fez está contido na Escritura (cf. Jo 20, 30s; 21, 24). Sendo assim, vê-se que a Palavra escrita há de ser entendida à luz da Palavra oral que a berçou e acompanha, tendo por seu órgão oficial o magistério da Igreja assistido pelo Espírito Santo. Sem esse acompanhamento da Palavra viva oral, a Palavra escrita pode ser distorcida para diversos lados e assim desviada do seu teor original. De resto os protestantes tem todos sua tradição oral, que interpreta a Bíblia; é, porém, uma tradição literalmente humana e distante da era apostólica; assim Lutero, Calvino, Wesley,... deram origem a tradição extra - bíblica que interpreta a Bíblia segundo a mente do reformador. O primeiro recurso à tradição oral entre os protestantes refere-se ao catálogo bíblico: onde é que a Bíblia diz que são 66 ou 73 os livros sagrados? É somente a tradição oral que responde a esta pergunta. Está claro que existem tradições e Tradição; não é qualquer historieta ou qualquer sentença que a Igreja assume como Tradição. Podem-se citar dois exemplos de Tradição apostólica:
1) o Batismo de crianças, que alguns escritores antigos atribuem à praxe dos Apóstolos;
2) a estrutura da Missa com seu cânon ou sua Oração Eucarística enquadrando as palavras da consagração do pão e do vinho... É o magistério da Igreja quem julga as tradições.
IV: Objetante: "Pode algum católico provar que as doutrinas do papado (indulgências, assunção de corpo e alma, imaculada conceição, virgindade perpétua, batismo infantil, os sete sacramentos, o purgatório e as demais doutrinas extra-bíblicas) foram ensinadas pelos Apóstolos?".
Em resposta dizemos que a Palavra de Deus oral e escrita é como uma semente que tende a se abrir homogeneamente. Assim na era dos Apóstolos e posteriormente foram sendo deduzidas conseqüências ou corolários do depósito revelado. A história favoreceu uma mais profunda compreensão das verdades da fé. Como exemplo desse desenvolvimento homogêneo do dogma pode-se citar o seguinte: os antigos cristãos eram muito rigorosos ao exigir o Batismo de água ou de sangue para a salvação eterna. Os catecúmenos eram tidos como batizados, já que haviam manifestado o desejo do Batismo. Na Idade Média, S. Tomás de Aquino, fiel a essa concepção, julgava que, se um pagão vivesse candidamente o seu paganismo, Deus mandaria um anjo ou um missionário especial para o catequizar e levá-lo a pedir explicitamente o Batismo... Ora tais idéias foram postas em xeque no século XVI, quando se encontraram nas terras recém descobertas muitos povos asiáticos, africanos e americanos pagãos; estariam todos condenados ao inferno sem a culpa de não conhecer o Evangelho lá onde ele não fora apregoado? Os teólogos então alargaram seu horizonte, afirmando que tais homens vivendo de acordo com os ditames de sua consciência cândida, julgando que deviam adorar seus deuses, estariam no caminho da salvação; e não por causa dos erros professados, mas por causa da candura e fidelidade que haviam demonstrado as suas crenças. Assim se concebeu a doutrina do desejo implícito do Batismo. Se tais pessoas soubessem que o Batismo é necessário a salvação, tê-lo-iam pedido.
A sorte póstuma das crianças que morrem sem Batismo é outro exemplo de evolução homogênea do dogma. S. Agostinho no século X julgava que tais crianças eram condenadas ao inferno. S. Anselmo no século XII concebe para elas o limbo ou uma bem-aventurança natural. Hoje em dia prefere-se dizer que a solidariedade com Cristo é maior do que a solidariedade com o primeiro Adão; por isto Cristo lhes merece o ingresso na bem-aventurança celeste, mesmo sem o Batismo (da qual Deus não está obrigado).
Desta forma a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, pode tirar do depósito revelado nova et vetera, coisas novas e coisas velhas, estando as novas incluídas implicitamente nas velhas; cf. Mt 13, 52.
Estêvão Bittencourt
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