Por vchal
Nós, cristãos católicos, acreditamos na imortalidade da alma e professamos nossa fé “na comunhão dos santos”. Não seria possível, então, que os falecidos se comunicassem conosco?
Por Dom
Frei Boaventura Kloppenburg — Nós cristãos católicos admitimos e
proclamamos a imortalidade da alma. Cremos na sua sobrevivência
consciente logo depois da separação do corpo pela morte. Acreditamos que
as almas dos falecidos continuam solidárias com os que ainda vivemos
nesta peregrinação terrestre. Professamos nossa fé na comunhão dos santos. Podemos comunicar-nos com os falecidos mediante a oração invocativa.
Não seria possível, então, que os falecidos também se comunicassem conosco?
A doutrina cristã sobre a comunhão dos santos se refere à
comunicação mútua de bens espirituais, no plano inteiramente
imperceptível da fé. É certo que a Bíblia menciona várias vezes
aparições perceptíveis de espíritos do além. Assim o evangelista Lucas
nos relata que “o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da
Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado
José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. Entrando na casa
onde ela estava, disse-lhe: Alegra-te, cheia de graça, o Senhor é
contigo” (Lc 1, 26-28). Jesus ressuscitado apareceu a Saulo a caminho de Damasco e falou com ele (cf. At 9). A Igreja aprovou aparições de Nossa Senhora em Lourdes e em Fátima.
Trata-se, nestes casos, evidentemente, de comunicações perceptíveis
vindas do além. A fé cristã, por conseguinte, admite não somente a mera
possibilidade de comunicações sensíveis, mas afirma fatos reais deste
tipo de trato entre o além e o aquém.
Não devemos, porém, esquecer que Lucas nos informa que o Anjo “foi
enviado por Deus”. Quem negará a Deus todo-poderoso a capacidade de
enviar-nos seus mensageiros?
Quando Deus manda, a iniciativa é sua; e a conseqüente manifestação do além toma para nós um caráter espontâneo.
Bem outra é a situação quando a iniciativa é nossa, querendo nós provocar alguma conversação com entidade do além.
Quem pretende provocar a manifestação de algum falecido para dele
receber mensagem ou notícia pratica um ato chamado pelos antigos de necromancia, expressão que vem do grego nekrós = falecido e mantéia =
adivinhação. E quem intenta comunicar-se com o além com o fim de
colocá-lo a serviço do homem realiza um ato já conhecido pelos antigos
como magia. Quando a esperada ação da evocada entidade do além é a favor do homem ou para o bem, chama-se magia branca, mas será sempre “magia”. E se for para o mal, será magia negra ou malefício, feitiçaria, bruxaria.
Tais comunicações provocadas do além, seja na forma de necromancia,
seja na de magia (branca ou negra, pouco importa), são conhecidas também
como evocação. Há diferença fundamental entre invocação e
evocação: esta sempre pretende uma comunicação perceptível provocada por
iniciativa do homem; aquela é apenas uma forma de prece ou súplica.
É evidente que a invocação é um ato bom e cristão, expressão da comunhão dos santos.
Mas que dizer da evocação?
Para esta pergunta recebemos da revelação divina resposta clara e insistente:
- Êxodo 22, 17: “Não deixarás viver os feiticeiros”. Aqui, a palavra “feiticeiros” engloba todos aqueles que praticam qualquer tipo de evocação: necromantes e magos, sem excluir os que se entregam à magia branca. Deviam ser condenados à morte.
- Levítico 19, 31: “Não vos voltareis para os necromantes nem consultareis os adivinhos, pois eles vos contaminariam. Eu sou Iahweh, vosso Deus”.
- Levítico 20, 6: “Aquele que recorrer aos necromantes e aos adivinhos para ter comunicação com eles, voltar-me-ei contra esse homem e o exterminarei do meio de seu povo”. Portanto são condenados também aqueles que simplesmente consultam os necromantes.
- Levítico 20, 27: “O homem ou a mulher que entre vós forem necromantes ou adivinhos serão mortos; serão apedrejados, e o seu sangue cairá sobre eles”.
- Deuteronômio 18, 10-14: “Que em teu meio não se encontre alguém que faça presságio, oráculos, adivinhação ou magia, ou que pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou adivinhos, ou evoque os mortos, pois quem pratica essas coisas é abominável a Iahweh, e é por causa dessas abominações que Iahweh teu Deus os desalojará em teu favor. Tu serás íntegro para com Iahweh teu Deus. Eis que as nações que vais conquistar ouvem oráculos e adivinhos. Quanto a ti, isso não te é permitido por Iahweh teu Deus”.
- 2 Reis 17, 17, enumerando as infidelidades de Israel, pelos quais foi castigado: “… Praticaram a adivinhação e a feitiçaria e venderam-se para fazer o mal na presença de Iahweh, provocando sua ira. Então Iahweh irritou-se sobremaneira contra Israel e arrojou-o para longe de sua face…”
- 2 Reis 21, 6: descrição dos crimes do rei Manassés: “Praticou encantamentos e a adivinhação, estabeleceu necromantes e adivinhos e multiplicou as ações que Iahweh considera más, provocando assim a sua ira”.
- Isaías 8, 19-20: o profeta se levanta contra aqueles que dizem: “Consultai os necromantes e os adivinhos que sussurram e murmuram”.
- Destaque especial merece a consulta do rei Saul à necromante de Endor, narrada em 1 Samuel 28, 3-25. Estando em dificuldades na guerra contra os filisteus, e sem saber o que fazer, o rei Saul disse aos seus servos: “Buscai-me uma necromante para que eu lhe fale e a consulte”. Informaram-lhe os servos que havia uma na localidade de Endor, ao sul do monte Tabor. Saul então disfarçou-se e, de noite, acompanhado de dois homens, foi à casa da necromante (os espíritas diriam “médium”) e lhe pediu para evocar o falecido Samuel. Segundo o texto, Samuel de fato compareceu e disse a Saul: “Por que perturbas o meu repouso, evocando-me?” Saul respondeu: “É que estou em grandes angústias. Os filisteus guerreiam contra mim, Deus se afastou de mim, não me responde mais. Então vim te chamar para que me digas o que tenho que fazer”. Respondeu Samuel: “Por que me consultas, se Iahweh se afastou de ti e se tomou teu adversário?” E lhe anunciou os castigos de Deus.
- Em Eclesiástico 46, 20 lemos a respeito deste caso de evocação: “Mesmo depois de morrer, (Samuel) profetizou, anunciou ao rei (Saul) seu fim, do seio da terra elevou sua voz para profetizar, para apagar a iniqüidade do povo”. Segundo os textos citados, parece que se deve admitir que o falecido Samuel, evocado pela necromante de Endor, realmente compareceu. Todo o contexto, todavia, deixa evidente que se trata de caso excepcional, sendo a evocação não a causa, mas a ocasião aproveitada por Deus para autorizar o comparecimento do falecido profeta e anunciar os castigos ao rei desobediente e infiel. Deste episódio singular não se pode inferir que nos outros casos os necromantes e magos conseguissem de fato fazer comparecer os falecidos evocados.
- Aliás, em 1 Crônicas 10, 13-14, somos assim informados acerca do fim do rei: “Saul pereceu por se ter mostrado infiel para com Iahweh, não seguira a palavra de Iahweh e, além disso, interrogara e consultara uma necromante. Não consultou a Iahweh, que o fez perecer e transferiu a realeza a Davi, filho de Jessé”.
Clara, repetida, enérgica e severíssima é, pois, a proibição divina de evocar os falecidos. E este mandamento divino não foi revogado na Nova Aliança. Eis alguns exemplos:
- Em Atos 13, 6-12, Paulo e Barnabé encontram em Patos um judeu “mago e falso profeta”, que se opunha à missão apostólica dos dois. Paulo, repleto do Espírito Santo, lhe disse: “Filho do diabo, cheio de toda a falsidade e malícia, inimigo de toda justiça, não cessas de perverter os retos caminhos do Senhor? Eis que agora o Senhor faz pesar sobre ti a sua mão”.
- Em Atos 16, 16-18, Paulo, estando em Filipos, dá com uma jovem escrava “que tinha um espírito de adivinhação e obtinha para seus amos muito lucro, por meio de oráculos”. Paulo disse ao espírito que estava na jovem: “Eu te ordeno em nome de Jesus Cristo: sai desta mulher!” E o espírito saiu no mesmo instante.
- Em Atos 19, 11-20 descreve-se a atividade e a pregação de Paulo em Éfeso, com este resultado: “Muitos daqueles que haviam crido vinham-se confessar e revelar suas práticas. Grande número dos que se haviam dado à magia amontoavam os seus livros e os queimavam em presença de todos. E estimaram o valor deles em cinqüenta mil peças de prata”. Deviam ser muitos os livros de magia! O fato de eles queimarem estes livros só se explica se admitirmos que o Apóstolo falou fortemente contra as práticas da magia.
- Na carta aos Gálatas (5, 20-21) declara o mesmo Apóstolo que os que praticam a magia “não herdarão o Reino de Deus”.
- E São João, no Apocalipse, revela que a porção dos magos se encontra no lago ardente de fogo e enxofre (21, 8); e que, na hora do julgamento, os magos ficarão de fora da Cidade Eterna (22, 15).
Posteriormente, a Igreja sempre se manteve fiel a esta rigorosa
interdição divina de evocar os falecidos. No último Concílio, o Vaticano
II, em 1964, a Constituição Lumen Gentium,
temendo que a doutrina sobre nossa comunicação espiritual com os
falecidos pudesse dar azo a interpretações do tipo espiritista,
acrescentou ao texto do n. 49 a nota n. 2 (no site do Vaticano, n. 147),
“contra qualquer forma de evocação dos espíritos“,
coisa que, esclareceu a comissão teológica responsável pela redação do
texto, nada tem a ver com a “sobrenatural comunhão dos santos”. A
comissão definiu então mais claramente o que se proibia: “A evocação
pela qual se pretende provocar, por meios humanos, uma comunicação
perceptível com os espíritos ou as almas separadas, com o fim de obter
mensagens ou outros tipos de auxílio”.
O Concílio Vaticano II nos remete então a vários documentos
anteriores da Santa Sé (já no dia 27 de setembro de 1258 o papa
Alexandre IV falara disso), principalmente à declaração de 4 de agosto
de 1856 (cf. Denz. 2823-2825) e à resposta de 24 de abril de 1917 (cf. Denz. 3642). Na declaração de 4 de agosto de 1856, precisamente quando Allan Kardec se iniciava no espiritismo, era repetida a proibição de “evocar as almas dos mortos e pretender receber suas respostas”.
No documento de 24 de abril de 1917 se declarava ilícito “assistir a
sessões ou manifestações espiritistas, sejam elas realizadas ou não com o
auxílio de um médium, com ou sem hipnotismo, sejam quais forem estas
sessões ou manifestações, mesmo que aparentemente simulem honestidade ou
piedade; quer interrogando almas ou espíritos, ou ouvindo-lhes as
respostas, quer assistindo a elas com o pretexto tácito ou expresso de
não querer ter qualquer relação com espíritos malignos”.
No dia 31 de março de 1892 a Santa Sé publicou sua resposta oficial a
um caso imaginado de evocação no qual as circunstâncias descritas eram
as mais favoráveis. Eis a exposição do caso, a pergunta e a resposta:
“Tito, depois de excluir qualquer comunicação com o mau espírito, tem
o costume de evocar as almas dos defuntos. Costuma proceder da seguinte
maneira: Quando está só, sem outra preparação, dirige uma prece ao
príncipe da milícia celeste a fim de obter dele o poder de comunicar-se
com o espírito de determinada pessoa. Espera algum tempo; depois,
enquanto conserva a mão pronta para escrever, sente um impulso que lhe
dá a certeza da presença do espírito. Expõe então as coisas que deseja
saber e sua mão escreve as respostas a estas questões. Tais respostas
concordam inteiramente com a fé católica e a doutrina da Igreja acerca
da vida futura. Geralmente elas falam sobre o estado em que se encontra a
alma do tal falecido, pedem sufrágios etc. É lícito proceder desta
maneira?” — A resposta oficial, aprovada pelo papa Leão XIII, foi
categórica: ” O que foi exposto não é permitido“.
Transcrito e levemente adaptado do livro ” Espiritismo, orientação para católicos“,
de Dom Frei Boaventura Kloppenburg (Loyola), pp. 26-27.
(via Pe. Paulo Ricardo)
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