O
espiritismo é um dos desvios doutrinários mais perigosos presentes no
Brasil, já que “nega não apenas uma ou outra verdade de nossa santa fé,
mas todas elas”. Seria possível, diante disso, manter um “diálogo
ecumênico” com os espíritas?
Por Frei Boaventura Kloppenburg — O Vaticano II nos
explica que por "movimento ecumênico" se entendem iniciativas e
atividades que visam à união dos cristãos (Unitatis Redintegratio,
n. 4b). Um verdadeiro movimento ou diálogo ecumênico só é possível com
aquelas igrejas ou comunidades cristãs separadas da comunhão católica
que efetivamente dão esperanças positivas de chegar outra vez à comunhão
plena. Mas o espiritismo não é uma igreja separada, nem mesmo pretende
ser igreja. Não somente não há nenhuma esperança de conseguir algum dia
"comunhão plena" com os reencarnacionistas, mas semelhante comunhão não é
nem sequer pensável. O reencarnacionismo não é cristão e seus postulados fundamentais se opõem total e absolutamente à soteriologia cristã. E mesmo que se proclamassem cristãos, seria necessário dizer-lhes que em verdade não o são.
Em sua declaração oficial de 2 de janeiro de 1978, a Federação Espírita
Brasileira, que é kardecista, fez saber que "é imprópria, ilegítima e
abusiva a designação de
espíritas adotada por pessoas, tendas, núcleos, terreiros,
centros, grupos, associações e outras entidades que, mesmo quando
legalmente autorizados a usar o título, não praticam a doutrina
espírita", isto é, "o conjunto de princípios básicos codificados por
Allan Kardec". Pela mesma lógica se pode afirmar também que é imprópria, ilegítima e abusiva a designação de cristãos adotada
por pessoas, centros, terreiros ou outras entidades que, mesmo quando
legalmente autorizados a usar o título, não praticam a doutrina cristã.
Colocados pastoralmente diante dos movimentos espíritas (ou outros, que
não faltam entre nós), é necessário que nos perguntemos honradamente
qual é nosso objetivo. Temos dois campos bem diferentes: de um lado
estão os sectários com seus métodos proselitistas, procurando penetrar
no ambiente católico; de outro lado temos os próprios católicos mais ou
menos facilmente vítimas desta propaganda sectária. A quem queremos
dirigir-nos pastoralmente: aos propagadores da evocação e da
reencarnação ou aos fiéis católicos vítimas deste assalto? Do objetivo
dependerá nosso método. Se não definimos previamente e com clareza a
meta, ou se pretendemos alcançar uns e outros, animados com a benévola
atitude de compreensão, de abertura e de diálogo com relação aos
agressores, teremos uma ação pastoral híbrida, que produzirá nos
fautores do erro grande alegria (pois lhes deixamos abertas todas as
portas e ainda abrimos outras) e nos católicos um estado de confusão,
desorientação e perplexidade ainda maior.
Desde o Concílio se insistiu muito no diálogo com os não-católicos.
Esta disposição de diálogo com os responsáveis do movimento espírita não
deve jamais olvidar que sua ativa presença entre nossos fiéis tem um
objetivo claro e definido, que certamente não é o de ajudar-nos a
conseguir que sejam melhores cristãos católicos.
O Documento de Puebla (n. 80) constata que:
"Muitas seitas se têm mostrado clara e pertinazmente não só anticatólicas, mas até injustas contra a Igreja, e têm procurado minar seus membros menos esclarecidos. Devemos confessar com humildade que, em grande parte, até em determinados setores da Igreja, uma falsa interpretação do pluralismo religioso permitiu a propagação de doutrinas errôneas e discutíveis."
Por estes motivos nossa atitude pastoral há de dirigir-se em primeiro lugar diretamente às vítimas da propaganda espírita.
Não podemos esquecer o grave fato da presença ativa, com claros
propósitos proselitistas, daquilo que o Senhor chamou "falsos profetas".
Tem-se a impressão de que entre os mesmos pastores católicos já não há
ambiente para recordar palavras como estas das Escrituras:
"Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos os conhecereis" ( Mt 7, 15-16).
"Então, se alguém vos disser: 'Olha o Messias aqui', ou 'ali', não creiais. Pois hão de surgir falsos messias e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios, de modo a enganar até mesmo os eleitos, se possível. Eis que vo-lo predisse" ( Mt 24, 23-25).
"Quem não entra pela porta do redil das ovelhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante" ( Jo 10, 1).
"Sede solícitos por vós mesmos e por todo o rebanho… Eu sei que, depois de minha partida, introduzir-se-ão entre vós lobos cruéis que não pouparão o rebanho, e que no meio de vós surgirão homens que farão discursos perversos com a finalidade de arrastar discípulos atrás de si" ( At 20, 28-30; cf. 2Ts 2, 3-4; 2Pd 2, 1-3 e todo o cap. 13 do Ap).
Não nego o alcance e o valor positivo do diálogo. Haverá situações
concretas e objetivos pastorais que pedem dar absoluta preferência ao
método e à atitude do diálogo: no verdadeiro ecumenismo, quando há
esperanças positivas de chegar a uma plena comunhão, o diálogo será a
via indispensável.
Mas pode haver também situações concretas de defesa e de apologética: é
precisamente o estado dos católicos indefesos, não suficientemente
instruídos e preparados, constantemente molestados por importunos e
falsos profetas disfarçados como cristãos. O binômio apologética-diálogo
não deve ser proposto em forma disjuntiva, "ou apologética ou diálogo",
mas na forma conjuntiva, "e apologética e diálogo".
Apologética será a atitude pastoral com os crentes vítimas da
invasão das seitas; diálogo será a atitude pastoral com os não-católicos
desejosos de encontrar a unidade perdida mandada pelo Senhor.
Quando a situação do agressivo proselitismo sectário nos obriga a
recorrer ao método apologético ou defensivo, será também inevitável a
polêmica: diante da necessária atitude de defesa, o sectário reaciona; e
esta reação pede muitas vezes resposta esclarecedora ou retificadora.
Temos então a polêmica. Encontramo-la em Cristo, nos Apóstolos e nos
melhores Santos Padres e Doutores da Igreja. "Este serviço dos pastores
inclui o direito e o dever de corrigir e decidir, com a clareza e a
firmeza que sejam necessários" (
Documento de Puebla,
n. 249). "Em algumas ocasiões, falta a oportuna intervenção magisterial
e profética do bispo, bem como maior coerência colegial" (Ib., n. 678). O
silêncio e a atitude de tolerância, por vezes, pode ser um pecado de
omissão e ter como conseqüência uma grei desatendida e dispersa. Devemos ser pastores. Pastores vigilantes.
"O bom pastor dá a sua vida por suas ovelhas. O mercenário que não é
pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se,
abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa" (Jo 10, 11-12). No Apocalipse 2, 13-16 diz o Senhor ao responsável da comunidade de Pérgamo:
"Sei onde moras: é onde está o trono de Satanás. Tu, porém, seguras firmemente o meu nome, pois não renegaste a minha fé, nem mesmo nos dias de Antipas, minha testemunha fiel, que foi morto junto a vós, onde Satanás habita. Tenho, contudo, algumas reprovações a fazer: tens aí pessoas que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaq a lançar uma pedra de tropeço aos filhos de Israel, para que comessem das carnes sacrificadas aos ídolos e se prostituíssem. Do mesmo modo tens, também tu, pessoas que seguem a doutrina dos nicolaítas. Converte-te, pois! Do contrário, virei logo contra ti para combatê-los com a espada de minha boca."
É certo que no Brasil o espiritismo não é nosso único problema
religioso. Infelizmente. Mas continua válida a constatação feita pelos
bispos em 1953: que,
no momento, o espiritismo ainda é o desvio doutrinário "mais
perigoso", já que "nega não apenas uma ou outra verdade de nossa santa
fé, mas todas elas, tendo, no entanto, a cautela de dizer-se
cristão, de modo a deixar, a católicos menos avisados, a impressão
erradíssima de ser possível conciliar catolicismo com espiritismo".
Transcrito e levemente adaptado de
Espiritismo, orientação para os católicos,
do Frei Boaventura Kloppenburg,
9.ª ed., São Paulo: Loyola, 2014, pp. 8-11.
do Frei Boaventura Kloppenburg,
9.ª ed., São Paulo: Loyola, 2014, pp. 8-11.
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