É
extremamente grave o pecado do padre, porque peca com pleno
conhecimento: sabem bem o mal que faz. Ensina São Tomás que o pecado dos
fiéis é mais grave que o dos infiéis, precisamente porque os fiéis
conhecem melhor a verdade; ora, as luzes dum simples fiel são bem
inferiores às de um sacerdote. O padre é tão instruído na lei de Deus,
que a ensina aos outros: Porque os lábios do sacerdote hão de guardar a
ciência, e é da sua boca que os outros aprenderão a lei.
É muito grave o pecado de quem conhece a lei, porque de nenhum modo
pode desculpar-se com a ignorância. Pecam os pobres seculares, mas no
meio das trevas do mundo, afastados dos sacramentos, pouco instruídos
nas coisas espirituais, envolvidos nos negócios do século. Como apenas
têm um fraco conhecimento de Deus, não vêem bem o mal que fazem,
pecando: sagittant in obscuro, — arremessam as suas frechas na
obscuridade como diz David. Os padres ao contrário estão cheios de luz,
pois eles mesmo são os luzeiros destinados a alumiar os outros: Vós sois
o luz do mundo.
Sem dúvida, devem os padres estar muito instruídos, depois de terem
lido tantos livros, ouvido tantos sermões, feito tantas meditações e
recebido dos seus superiores tantos avisos! Numa palavra, foi-lhes dado
conhecer a fundo os divinos mistérios.
Sabem pois perfeitamente quanto Deus merece ser servido e amado,
conhecem a malícia do pecado mortal, que é um inimigo tão contrário a
Deus que, se Deus pudesse ser aniquilado, o seria por um só pecado
mortal, como ensina São Bernardo: “O pecado tende a destruir a divina
bondade”; e noutro lugar: “O pecado, quanto lhe é possível, aniquila a
Deus”. Diz o autor da Obra imperfeita que o pecador, tanto quanto
depende da sua vontade, faz morrer Deus.
De facto, ajunta o Pe. Medina, o pecado mortal tanto desonra e
desagrada a Deus que, se Deus fosse susceptível de tristeza, o pecado o
faria morrer de pura dor. Tudo isso sabe o padre muito bem, e conhece
por igual a obrigação em que está, como padre, cumulado de benefícios de
Deus, de o servir e amar. Assim, diz São Gregório, quanto melhor vê a
enormidade da injúria que faz a Deus, pecando, mais grave é o seu
pecado.
Todo o pecado da parte do padre é um pecado de malícia, semelhante ao
dos anjos, que pecaram na presença da luz. É ele o anjo do Senhor, diz
São Bernardo, falando do padre, e de certo modo peca no Céu, pecando no
estado eclesiástico. Peca no meio da luz, o que faz que o seu pecado,
como fica dito, seja um pecado de malícia: não pode pois alegar
ignorância, porque sabe que mal é o pecado mortal; também não pode
alegar fraqueza, porque conhece os recursos para se tornar forte, se
quiser valer-se deles. Se o não quer, a culpa é sua: Não quis entender
para praticar o bem.
Pecado de malícia, diz Santa Teresa, é aquele a que o pecador se
decide cientemente; e afirma noutro lugar que todo o pecado de malícia é
pecado contra o Espírito Santo. Ora, da boca do Senhor sabemos que o
pecado contra o Espírito Santo não será perdoado, nem na vida presente,
nem na futura; quer dizer, um tal pecado será de mui difícil perdão, por
causa da cegueira que o pecado de malícia traz consigo.
Pregado na cruz, rogou o nosso Salvador pelos seus perseguidores:
Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem. Mas esta oração não
aproveitou para os maus padres; foi antes a sua sentença de condenação,
porque os padres sabem o que fazem. Nas suas lamentações, exclamava
Jeremias: Como se embaciou o ouro, como perdeu o seu brilho? Esse ouro
embaciado é precisamente, diz o cardeal Hugues, o sacerdote pecador, que
devia luzir com todo o brilho do amor divino, mas pelo pecado se tornou
escuro, horrível, objecto de horror para o próprio inferno, e mais
odioso aos olhos de Deus que todos os outros pecadores. Diz São João
Crisóstomo que nunca Deus é tão ofendido como quando os que o ultrajam
estão revestidos da dignidade sacerdotal.
O que agrava a malícia do pecado no padre é a ingratidão de que se
torna culpado para com Deus, que o elevou a funções tão sublimes. São
Tomás ensina que a enormidade do pecado aumenta à medida da ingratidão
de quem o comete. Nenhumas ofensas, diz São Basílio, nos ferem tanto,
como as que nos são feitas por nossos amigos e parentes.
Os padres são chamados por S. Cirilo — Dei intimi familiares. A que
dignidade mais alta poderia Deus erguer a um homem, do que fazê-lo
sacerdote?Passai revista a todas as honras e dignidades, diz Santo
Efrém, e vereis que não há nenhuma que não seja eclipsada pelo
sacerdócio. Que honra maior, que nobreza mais assinalada, que ser
constituído vigário de Jesus Cristo, seu coadjutor, santificador das
almas e ministro dos sacramentos?Dispensadores regiae domus: é assim que
São Próspero chama aos padres.
Escolheu o Senhor o padre do meio de tantos outros homens, para ser
ministro seu, e para lhe oferecer em sacrifício o seu próprio Filho.
Escolheu-o entre todos os homens viadores para oferecer o sacrifício a
Deus. Deu-lhe poder sobre o corpo de Jesus Cristo; depôs nas suas mãos
as chaves do Paraíso; elevou-o acima de todos os reis da terra e de
todos os anjos do Céu; numa palavra, fê-lo um Deus na terra.
Que mais poderia eu fazer à minha vinha que não tenha feito? Não
parece que estas palavras são dirigidas unicamente ao padre? Depois
disso, que monstruosa ingratidão, quando esse padre, tão amado de Deus, o
ofende na sua própria casa, como o mesmo Deus se lamenta pela boca de
Jeremias. A este pensamento, exclama São Bernardo com gemidos: Ai,
Senhor, os que têm a vanguarda na vossa Igreja são os primeiros a
perseguir-vos!Ao que parece, é ainda dos maus padres que se queixa o
Senhor, quando convida o Céu e a terra para testemunhas da ingratidão,
que os seus filhos usam com ele: Ó céus, escutai, ó terra, presta
ouvidos… criei filhos, cumulei-os de honras, e eles desprezaram-me!
De facto, que filhos poderiam ser esses senão os padres, que Deus
elevou a tão alta dignidade, e com a sua carne alimentou à sua mesa, e
que depois ousaram desprezar o seu amor e a sua graça? É ainda desta
ingratidão que se lamenta quando diz pela boca de David: Se o meu
inimigo tivesse falado mal de mim, eu o teria sofrido… mas tu que eras
como que metade da minha alma, tu, um dos chefes do meu povo, meu amigo
íntimo, que partilhavas das delícias da minha mesa! Sim, o Salvador
parece dizer: se um inimigo, quer dizer um idólatra, um herege, um
mundano, me ofendesse, eu o suportaria, mas como poder sofrer que me
ultrajes tu, sacerdote, meu amigo, meu comensal?
É o que Jeremias deplora igualmente, exclamando: Os que se
alimentavam delicadamente… que se tinham nutrido na púrpura, abraçaram a
podridão. Que miséria, que horror, diz o Profeta! O que se alimentava
duma iguaria celeste e se revestia de púrpura, ei-lo coberto com os
andrajos do pecado, a nutrir-se de lodo e estrume!
Santo Afonso Maria de Ligório, em “A Selva”; via blog Senza Pagare
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