quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O PODER DA PALAVRA



No entretecido das relações humanas há uma realidade provida de especial capacidade para influenciar a vida, própria e alheia: é a palavra. Ela está dotada de poder incalculável. Se para o ser humano viver é exprimir-se, a palavra é a máxima expressão do aprendiz que ele é: por ela, em conjunção com a imagem, consegue dar corpo às experiências que o humanizam. 

A Retórica clássica estuda as técnicas de persuasão escondidas na organização e nas relações das palavras dentro de um discurso, para perceber como influenciam o auditório e produzem o sentido global que querem comunicar. A palavra humana, enquanto entendida e aceite, goza de poder para persuadir, mais ou menos segundo a força das ideias comunicadas e a veemência da arte literária. É um ponto de encontro entre quem a profere e quem a recebe: o que ela produzirá depende das circunstâncias de quem a pronuncia/escreve e de quem a escuta/lê.
Se a palavra relata os fatos (exercendo função informativa ou descritiva) e interpreta os fatos (exercendo função expressiva), também devemos dizer que ela gera factos (exercendo função performativa) e inspira à ação exercendo função impressiva ou interpelante). 

Vai-nos a vida em redescobrir as funções performativa e provocante da palavra, tantas vezes esquecidas. Não é totalmente verdade que «palavras, leva-as o vento». Uma vez pronunciadas, não voltam atrás sem produzir algum efeito.
Verdade é que o seu poder depende muito de quem as usa. Mesmo assim, o discurso de um hábil político num comício consegue dirigir a opinião dos ouvintes a favor da sua causa. 

A voz tonitruante de um profeta verga um povo a arrepender--se do mau procedimento e a converter-se ao bem. A palavra convoca-nos, provoca-nos, isto é, chama-nos à ação, mesmo no silêncio que a evoca e invoca. Ela move-nos, para o bem e para o mal: a palavra de uma boa notícia deixa o receptor esfuziante de alegria, o jogo virtual que estimula adolescentes ao suicídio provoca-o efetivamente. 

Ela determina a vida das pessoas, seja de uma multidão, seja de indivíduos. A força de um dirige uma multidão no protesto pela paz, pela dignidade e liberdade da pessoa e contra toda a espécie de opressões. A palavra dos bons pais consegue que os filhos lhe obedeçam.

Há quem de palavras faça coisas. Mas mais corrente é a palavra gerar fatos históricos. Gera a reconciliação entre desavindos como causa a discórdia entre familiares. É mediadora do ódio e da amizade, do ressentimento e da compreensão mútua. 

Uma palavra de esperança traz o futuro risonho para o presente, dando-lhe o ânimo de que carecia. Por isso, é tão grave «faltar à palavra dada»: atraiçoa a esperança que orientava uma vida, quebra uma corrente de humanidade, corta sentimentos, rasga feridas, faz correr sangue. A palavra mata: uma horrenda notícia provocou um ataque de coração. Mas também faz recomeçar uma vida de novo.

Os que usaram a palavra com paixão e força de persuasão, como os profetas bíblicos, os poetas gregos e latinos e os escritores clássicos, têm grande poder sobre os leitores de todos os tempos, porque com palavras poderosas comovem, inquietam, atraem, inspiram.

Eles próprios foram agarrados pela palavra, antes de a proclamarem. Foi o que aconteceu ao profeta Jeremias: “Devoro as tuas palavras onde às encontro; a tua palavra é a minha alegria e as delícias do meu coração” (15,16).
Entre todos os humanos, um houve cuja palavra tinha um poder muito superior ao de qualquer outro. Foi a de Jesus. A sua era “a palavra com poder [exousía]”: “admiravam-se com o seu ensinamento, porque a sua era palavra com poder” (Lc 4,32). Nele a palavra transformava o luto em júbilo, a desgraça em alegria, a ansiedade em conforto: “Tende confiança! Eu sou! Não tenhais medo!” (Mt 14,27). A sua palavra era luz e vida nova: “Lázaro, sai para fora! E o morto saiu” (Jo 11,43). 

Além de devolver a saúde aos doentes, de consolar os atribulados, de acalmar as tempestades e de dar sentido à existência dos que eram considerados descartáveis, a palavra de Jesus dizia aos candidatos a discípulos: “segue-me”; e eles seguiam-no. “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, pois, fazendo assim, tornais-vos filhos do vosso Pai que está no céu” (Mt 5,44-45). Quem não se sente seduzido por esta palavra que gera a fraternidade universal? Os evangelistas dão testemunho desse apelo e dessa sedução: “Depois de Jesus ter acabado de proclamar estas palavras, as multidões ficavam vivamente impressionadas com os ensinamentos dele. De fato, ensinava-as como quem tem poder [exousía] e não como os seus escribas” (Mt 7,28-29). “Nunca ninguém falou assim, como este homem” (Jo 7,46).
 
 
 
 
 
Padre Emílio Carlos Mancini

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