No
entretecido das relações humanas há uma realidade provida de especial
capacidade para influenciar a vida, própria e alheia: é a palavra. Ela está
dotada de poder incalculável. Se para o ser humano viver é exprimir-se, a palavra
é a máxima expressão do aprendiz que ele é: por ela, em conjunção com a imagem,
consegue dar corpo às experiências que o humanizam.
A Retórica clássica estuda
as técnicas de persuasão escondidas na organização e nas relações das palavras
dentro de um discurso, para perceber como influenciam o auditório e produzem o
sentido global que querem comunicar. A palavra humana, enquanto entendida e
aceite, goza de poder para persuadir, mais ou menos segundo a força das ideias
comunicadas e a veemência da arte literária. É um ponto de encontro entre quem
a profere e quem a recebe: o que ela produzirá depende das circunstâncias de
quem a pronuncia/escreve e de quem a escuta/lê.
Se
a palavra relata os fatos (exercendo função informativa ou descritiva) e
interpreta os fatos (exercendo função expressiva), também devemos dizer que ela
gera factos (exercendo função performativa) e inspira à ação exercendo função
impressiva ou interpelante).
Vai-nos a vida em redescobrir as funções
performativa e provocante da palavra, tantas vezes esquecidas. Não é totalmente
verdade que «palavras, leva-as o vento». Uma vez pronunciadas, não voltam atrás
sem produzir algum efeito.
Verdade
é que o seu poder depende muito de quem as usa. Mesmo assim, o discurso de um
hábil político num comício consegue dirigir a opinião dos ouvintes a favor da
sua causa.
A voz tonitruante de um profeta verga um povo a arrepender--se do
mau procedimento e a converter-se ao bem. A palavra convoca-nos, provoca-nos,
isto é, chama-nos à ação, mesmo no silêncio que a evoca e invoca. Ela move-nos,
para o bem e para o mal: a palavra de uma boa notícia deixa o receptor
esfuziante de alegria, o jogo virtual que estimula adolescentes ao suicídio
provoca-o efetivamente.
Ela determina a vida das pessoas, seja de uma multidão,
seja de indivíduos. A força de um dirige uma multidão no protesto pela paz,
pela dignidade e liberdade da pessoa e contra toda a espécie de opressões. A
palavra dos bons pais consegue que os filhos lhe obedeçam.
Há
quem de palavras faça coisas. Mas mais corrente é a palavra gerar fatos
históricos. Gera a reconciliação entre desavindos como causa a discórdia entre
familiares. É mediadora do ódio e da amizade, do ressentimento e da compreensão
mútua.
Uma palavra de esperança traz o futuro risonho para o presente,
dando-lhe o ânimo de que carecia. Por isso, é tão grave «faltar à palavra
dada»: atraiçoa a esperança que orientava uma vida, quebra uma corrente de
humanidade, corta sentimentos, rasga feridas, faz correr sangue. A palavra
mata: uma horrenda notícia provocou um ataque de coração. Mas também faz
recomeçar uma vida de novo.
Os
que usaram a palavra com paixão e força de persuasão, como os profetas
bíblicos, os poetas gregos e latinos e os escritores clássicos, têm grande
poder sobre os leitores de todos os tempos, porque com palavras poderosas
comovem, inquietam, atraem, inspiram.
Eles
próprios foram agarrados pela palavra, antes de a proclamarem. Foi o que
aconteceu ao profeta Jeremias: “Devoro as tuas palavras onde às encontro; a tua
palavra é a minha alegria e as delícias do meu coração” (15,16).
Entre
todos os humanos, um houve cuja palavra tinha um poder muito superior ao de
qualquer outro. Foi a de Jesus. A sua era “a palavra com poder [exousía]”:
“admiravam-se com o seu ensinamento, porque a sua era palavra com poder” (Lc
4,32). Nele a palavra transformava o luto em júbilo, a desgraça em alegria, a
ansiedade em conforto: “Tende confiança! Eu sou! Não tenhais medo!” (Mt 14,27).
A sua palavra era luz e vida nova: “Lázaro, sai para fora! E o morto saiu” (Jo
11,43).
Além de devolver a saúde aos doentes, de consolar os atribulados, de acalmar
as tempestades e de dar sentido à existência dos que eram considerados
descartáveis, a palavra de Jesus
dizia aos candidatos a discípulos: “segue-me”; e eles seguiam-no. “Amai os
vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, pois, fazendo assim,
tornais-vos filhos do vosso Pai que está no céu” (Mt 5,44-45). Quem não se
sente seduzido por esta palavra que gera a fraternidade universal? Os
evangelistas dão testemunho desse apelo e dessa sedução: “Depois de Jesus ter
acabado de proclamar estas palavras, as multidões ficavam vivamente impressionadas
com os ensinamentos dele. De fato, ensinava-as como quem tem poder [exousía] e
não como os seus escribas” (Mt 7,28-29). “Nunca ninguém falou assim, como este
homem” (Jo 7,46).
Padre
Emílio Carlos Mancini
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