Não se pode estritamente falando caracterizar a “espiritualidade”
cristã como experiência ou como cultura ou como ideologia. O termo
parece hoje um tanto impreciso ou ambíguo, visto sugerir teorias e
práticas de tipo religioso sem indicar no entanto a vida na Aliança e no
Espírito de Deus.
A vida espiritual do cristão católico recapitula em gestos e
palavras a história da salvação, a dispensação da revelação. Cada
pessoa é chamada a viver singularmente a plenitude da economia divina. A
vida no Espírito é comunicação a cada um por todos da totalidade do
Mistério.
Na fé se recebe a vida no Espírito Santo, na luz da fé ela se deixa
pensar. A experiência individual ou a psicologia religiosa não têm
capacidade para aperceber-se da comunhão na vida divina concedida aos
fiéis de Nosso Senhor Jesus Cristo. A vida cristã, visto significar
participação no mistério divino, é tão misteriosa quanto este. Ela
participa amplamente na plenitude de sua graça; mas a consciência que
ela tem de si mesma é sempre inadequada diante do mistério que a
suscita, a habita e a arrasta em sua órbita. As lembranças e a
compreensão de cada pessoa são condicionadas por nossas peculiaridades
humanas. Somente a luz da fé na revelação divina coligida na Escritura e
a Tradição ensinam ao cristão aquilo que ele vive. Somente a fé lhe
abre a porta que dá acesso ao segredo da sua vida no Espírito.
Para meditar teologicamente sobre a “espiritualidade cristã”, nossa
vida no Espírito Santo de Jesus Cristo, deixaremos que nosso olhar
acompanhe o movimento da revelação divina. Ele é que propriamente
caracteriza a vida espiritual do fiel cristão e sua inteligibilidade.
Nossa reflexão vai deste modo se articular nos seguintes momentos: 1) a
vida espiritual nos foi dada gratuitamente na história da salvação; 2) é
recapitulada em Jesus Cristo; 3) oferecida e celebrada na Eucaristia
pela Igreja; 4) é comunhão na intimidade trinitária.
O plano acima esboçado permite adivinhar aquilo que nosso discurso
não poderá detalhar totalmente: o agir cristão alicerçado nas virtudes e
nos dons do Espírito, bem-aventuranças e frutos do Espírito. Por vida
no Espírito Santo queremos referir-nos acima de tudo ao ser cristão, a
fonte do seu agir. Não iremos evocar tampouco os atos habituais da vida
cristã: a oração e os atos de misericórdia espiritual ou corporal. Vamos
refletir, nesta meditação teológica, sobre o movimento que anima a vida
espiritual de cada pessoa, tal como se desenvolve e se condensa na
economia da salvação.
História e Espírito
O dom do Espírito nos antecede como uma graça, ele nos precede na
história. Vida espiritual não se improvisa, não tem sua origem em si
mesma, não pode haurir água viva em sua própria fonte. É recebida do
Alto; brota como toda vida das gerações e dos partos da história.
A história da salvação é o desenrolar do plano previdente divino que
se revelou a partir da criação e da eleição de Abraão. Ela se deixa
percorrer de novo integralmente por aqueles que Deus chama para acolher o
seu dom original e reconhecer a eleição com a qual foram agraciados.
Tal como a história da salvação, a vida espiritual é opção de Deus,
promessa e cumprimento, queda e arrependimento, ruptura e renovação da
Aliança indefectível. Como toda a história da salvação, a nossa vida
espiritual deita suas raízes em uma humanidade vulnerada, mas sempre
vivaz, que deve ainda e sempre de novo ser educada para a sabedoria. Tal
como a história sagrada de Israel, a vida espiritual de cada fiel
cristão (ã) se inscreve na carne e dela recebe a graça de comparecer
diante do seu Criador. E graças a outrem que a história se constrói, é
do outro, daquele que nos precede, que nos instrui e nos ensina, que se
edifica toda vida cristã.
Essa docilidade à tradição recebida dos antigos não caracteriza apenas a perpétua “deuterose” (do gregodeuterosis =
repetição) que forjou a história do povo de Deus no Primeiro Testamento
e no Segundo. A mesma docilidade à voz viva do Evangelho qualifica a
humildade constitutiva da vida no perdão e na esperança. É pelo Espírito
Santo e seguindo a trajetória de suas operações salutares que a vida
cristã se deixa conduzir e iniciar à caridade.
A Sagrada Escritura atesta esta ação do Espírito na história da humanidade como uma revelação do Verbo de Deus na palavra e na ação dos seres humanos. A vida espiritual não pode, portanto, ser um grito primal dado que é uma resposta articulada à Palavra que a precede, a acompanha, a sustenta e alcança. A vida no Espírito é a escuta da primeira palavra sobre o amor: “Ouve, ó Israel, amarás o Senhor teu Deus … “, e a história da salvação não atinge o seu termo sem que a esta palavra venha somar-se este segundo apelo ao amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
A Sagrada Escritura atesta esta ação do Espírito na história da humanidade como uma revelação do Verbo de Deus na palavra e na ação dos seres humanos. A vida espiritual não pode, portanto, ser um grito primal dado que é uma resposta articulada à Palavra que a precede, a acompanha, a sustenta e alcança. A vida no Espírito é a escuta da primeira palavra sobre o amor: “Ouve, ó Israel, amarás o Senhor teu Deus … “, e a história da salvação não atinge o seu termo sem que a esta palavra venha somar-se este segundo apelo ao amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
Amarás o Senhor … , amarás o teu próximo …, história impossível, dom
do Espírito. Nossa vida espiritual só se realiza quando se retrata na
indistinção dos inícios; ela é uma fonte de água viva, impulso e doação
até o fim. Não significa recolhimento em uma interioridade vazia, o
mutismo que parece indiferença diante das desgraças do mundo e da
felicidade do cristão. A vida no Espírito é silêncio da escuta e
resposta aplicada de um Fiat: vida espiritual é caridade.
Esta a lição da história, este o fruto do Espírito. “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,34).
A recapitulação em Jesus Cristo
O mandamento novo trai o Coração daquele que é sua fonte. Dá
testemunho do Homem Deus que ama como homem com uma caridade divina [agapé]
e convida os irmãos ao mesmo amor. A ordem da caridade caracteriza a
vida espiritual e manifesta a grandeza autêntica de Nosso Senhor Jesus
Cristo. A vida no Espírito é também vida em Cristo, por Cristo e com
Cristo. Ele é o Deus Verdadeiro: a união a Cristo faz a verdade da vida
no Espírito. O Senhor – nosso Servo Sofredor – é o Deus que se deve amar
de todo o coração, com toda a nossa mente, com toda a nossa alma e com
todas as forças. Ele é ao mesmo tempo o mais próximo e o mais distante
próximo que temos de amar como a nós mesmos.
Vida espiritual é o amor do Verbo que veio na carne. Cada um se deixa
seduzir por um dos inúmeros traços do rosto de Cristo. Ele é o salvador
e o esposo, o mestre e o amigo, o irmão e o companheiro de peregrinação
terrestre. A vida espiritual de cada pessoa habita como que em seu
lugar próprio, e mesmo talvez sem o saber, um dos mistérios da vida de
Nosso Senhor, da sua Encarnação e sua Natividade à sua Paixão, Morte e
Ressurreição. A mansidão e a humildade de seu coração alimentam a nossa
vida no Espírito.
Este esplendor se revela à noite. A nossa vida no Espírito está
escondida com Cristo em Deus Pai. Seu Nome talvez esteja em nossos
lábios, sem no entanto contemplarmos a sua glória. Nós o amamos, e no
entanto não o vimos ainda. Mas esses mistérios do ocultamento do Verbo
na infância humana e na paixão de morte atestam a sua proximidade
inalienável com a condição humana. Ele não marca nenhuma distância nem
ratifica nenhum afastamento.
Todo espaço imaginado vazio fora da presença e da atuação de Jesus
Cristo é privação de Deus, extinção do Espírito. Sem Cristo nada podemos
fazer nem viver a espiritualidade cristã. Esta perde o vigor e perece
quando se separa – por pouco que seja – da sua Fonte, da sua Cabeça, da
Vide Verdadeira, ainda que fosse em nome da abstração do sensível, da
fascinação do Uno, da infinitude do pensamento ou da imensidão do
coração. Fora do olhar de Jesus Cristo, não existe vida espiritual. Sem o
brilho da sua face, ficamos sem a luz sobre Deus e o mundo.
A vida espiritual do cristão e da cristã se vive pessoalmente, de
coração a coração, de espírito a espírito, no corpo a corpo humano com o
Anjo. Todo desconhecimento de Jesus Cristo é obliteração da
singularidade pessoal, e a submersão na impessoalidade deixa a criatura
sem Deus e sem esperança. A vida espiritual do (a) cristão(ã) é a
emergência para fora do cósmico ou do inconsciente, encantamento da
pessoa diante do seu ser que é dom. Fora de Jesus Cristo, não há
salvação para a pessoa nem para o amor. Fora de Jesus Cristo não se tem
acesso a Deus. Ele é o Sumo Sacerdote do nosso único sacrifício.
A Eucaristia
A vida no Espírito é dádiva divina, é crística e eucarística.
A vida na Aliança é concedida na história como a graça e o sacramento da nossa redenção. Ela se realiza no Ato de Cristo e no dom do Espírito Santo. Encontra seu termo e também sua raiz na Obra pela qual se estabelece, se renova e se consuma a união a Deus, na qual consiste a nossa bem-aventurança. Esta obra santa da bondade divina é o sacrifício de Cristo, caso aceitemos a definição de Agostinho (cf. Cidade de Deus, X). Graças a este sacrifício se abre a porta da intimidade divina e a união a Deus nos é oferecida como o dom paterno e fraternal de uma filiação adotiva. A vida no Espírito, deste modo, é sacrifício pascal, alegria do acesso à intimidade divina e ao seu amor mais forte que a morte; prova do desarraigamento do egoísmo assassino, libertação do mal e reconhecimento da graça.
A vida na Aliança é concedida na história como a graça e o sacramento da nossa redenção. Ela se realiza no Ato de Cristo e no dom do Espírito Santo. Encontra seu termo e também sua raiz na Obra pela qual se estabelece, se renova e se consuma a união a Deus, na qual consiste a nossa bem-aventurança. Esta obra santa da bondade divina é o sacrifício de Cristo, caso aceitemos a definição de Agostinho (cf. Cidade de Deus, X). Graças a este sacrifício se abre a porta da intimidade divina e a união a Deus nos é oferecida como o dom paterno e fraternal de uma filiação adotiva. A vida no Espírito, deste modo, é sacrifício pascal, alegria do acesso à intimidade divina e ao seu amor mais forte que a morte; prova do desarraigamento do egoísmo assassino, libertação do mal e reconhecimento da graça.
A moral e a ascese cristãs se desenvolvem sob o signo da Cruz
gloriosa, que tem na Eucaristia da Igreja seu memorial e seu sacramento
cotidiano. A vida no Espírito que nos assimila ao Ato salvador de Jesus
Cristo vai levá-lo em nós à sua plenitude. O único sacrifício do Filho
Unigênito não se repete, mas abraça e integra no seu ato de oblação
todos os irmãos que o Pai lhe confia geração após geração. Elevado acima
da terra, na Cruz, Ele atrai a si todos os seres humanos, dá-lhes sua
vida, compartilha o amor e de todos faz um só Espírito e um só Corpo. O
memorial sacramental do sacrifício redentor, a Eucaristia, faz a Igreja,
congrega-a e a une a Deus Pai.
Aquele que se entregou uma vez para sempre se oferece todos os dias à
bondade do Pai para nos integrar na mesma oferenda cotidiana. Viver no
Espírito de Cristo é estar associado, é associar-se a este gesto de
reconciliação. É todo dia, e a cada hora, receber e retribuir esse amor
criador, sem medida nem limites.
A vida no Espírito é eucarística. É cooperação voluntária na obra de
salvação do mundo. É o impulso de uma vida que se entrega também como a
de Cristo, o dom do coração que paga amor com amor. É comunhão eclesial
no amor (agapé) derramado em nosso coração pelo Espírito que
nos foi dado. Pela graça do Espírito levamos em nossa carne a
superabundância do amor prodigalizado na Paixão de Jesus; construímos o
seu Corpo. N’Ele congregados, louvamos, bendizemos, adoramos e damos
glória Àquele pelo qual, no Espírito Santo, recebemos o querer e o
fazer. Nossa comunhão vem a ser o sinal e o instrumento da Aliança com
nosso Criador e Redentor. Em ato de união e de oferenda, a Igreja faz a
Eucaristia; celebra o sacrifício que a santifica; dá graças pelo Autor
da graça que a configura a si e a une a si como Esposa.
A vida no Espírito é dom recebido e a ele responde uma comunidade que
não suporta nem confusão nem separação. Essa vida é o inderrogável face
a face de uma Aliança; conhece a distinção e o respeito próprios da
união conjugal. A vida na Eucaristia discerne no sangue derramado o
presente dos esponsais divinos. Exala sempre o violento perfume do
sangue derramado, do martírio. A vida espiritual não quer dizer apatheia (a
insensibilidade filosófica do estoicismo), ela estremece sempre diante
da emoção suplicante, intercede, solicita, procura, pede, mas também
sabe dar e abandonar, pois é a vulnerabilidade do amor.
A adoração do Eterno, no templo da Igreja e das almas, é
reconhecimento do Amor que move o céu e a terra; é oblação propiciatória
e súplica desolada, pois o Amor não é amado. Desolação e trevas de quem
se acha, no banquete eucarístico, sentado à mesa dos pecadores. Consolo
e universal complacência do Espírito, visto que em cada filho dos
homens o Pai dos céus reconhece o seu Filho Bem Amado.
A vida eucarística é renovação incessante e transbordamento de um
amor que assume as feições da piedade, da compaixão e da misericórdia
sem perder o impulso da dádiva e a alegria da fascinação do Criador
diante de sua criatura, do Pai das misericórdias diante dos filhos que
gera no Filho Unigênito.
A vida no Espírito é eucarística e eclesial, oblação mortificante e
comunhão na paz, ministério de adoração e intercessão, alegria dos
esponsais, filial intimidade. A liturgia sacramental pode ser discreta,
até secreta, no coração dos fiéis; ela é a fonte e o ápice da vida
cristã: abre a porta que dá acesso a Deus. Vida espiritual é a iniciação
à vida trinitária.
A vida trinitária
A vida espiritual cristã não é feita à medida humana; não é
determinada pela experiência corporal ou psíquica, mas exige, sem
dúvida, retidão moral. Não se reduz, no entanto, à moralidade. Mais a
suscita do que dela resulta. Não é sabedoria racional, intuição
inefável, ciência oculta; nem tampouco é um feitiço do mundo ou magia
dos sentimentos. Dócil ao Lógos toû stauroû, à Palavra da Cruz
(a pregação de um Messias Crucificado: 1 Cor 1,18), a vida no Espírito é
no Filho Bem Amado comunhão na intimidade do Pai. O Verbo de Deus
assumiu a carne humana e se fez homem para que o ser humano ganhasse a
vida nova e a divinização.
Esta comunicação da vida divina tem o realismo das mais surpreendentes palavras do Evangelho: Felizes os pobres no espírito … amai os vossos inimigos … Ela
é participação na vida d’Aquele que está escondido neste mundo, na sua
providência constante, na sua sabedoria criadora, no seu amor
invencível, inexaurível. As exigências comuns da caridade evangélica dão
testemunho dessa participação no amor divino, sobrenatural: amai-vos uns aos outros como eu vos amei,
com amor infinitamente santo, indefinidamente vulnerável com que vos
amei. Se a paciência nos permite possuir nossas almas, é porque tem no
Espírito a eterna garantia do Criador dos céus e da terra, d’Aquele que
chama pelo nome as estrelas e os eleitos.
A vida no Espírito nos é dada na história, por Cristo, como também a
Eucaristia de sua Igreja; é divinização e participação por graça naquilo
que Deus é por sua própria natureza. Deus por participação: eis a meta a
que é chamada a criatura humana. Mesmo assim, não somos menos humanos,
visto que o Cristo nos revela em sua Pessoa este admirável comércio de
aliança e de esponsais que faz do ser humano o parceiro bem amado do seu
Deus. Eis o mistério absoluto, e tão simples, de que participamos por
graça, convidados à simplicidade do olhar que reconhece em cada dom o
bem único e primeiro, em cada presença a mesma Presença do Pai, em cada
obra e em toda paixão a paciência do Verbo Encarnado, em toda intimidade
um transbordamento da vida do Espírito Criador.
Embora seja ainda humana, a vida espiritual é também santa e divina. É
vida. Portanto, gerada. Nasce do Pai de toda luz e toda bênção. Ele nos
gera porque é Pai. Gera-nos em seu Filho Unigênito no qual encontra
sempre toda a sua complacência. Filhos no Filho, um só e mesmo Filho,
esta é por graça adotiva a condição dos filhos dos homens amados pelo
Pai n’ Aquele que é por geração eterna o Filho bem Amado.
Se nossa vida é Cristo, é para ser um com Ele e n’Ele no Amor do Pai
que o enviou. Como Ele é um com seu Pai e o Pai um com Ele, somos um
n’Ele, identificados com Ele pelo Espírito Santo, pelo Amor comum do Pai
e do Filho. Não menos amados que Cristo, dado que totalmente amados
n’Ele; não menos simples que Ele, dado que estamos n’Ele, o Único,
únicos como Ele.
A vida cristã eucarística tem a densidade da perfeita unidade do Pai e
do Filho no Espírito de poder e paz. Como jorra do Uno e do Outro, como
testemunha e penhor eterno da unidade divina, o Espírito Santo
transborda para fora de nós que, amados no Filho, amamos o Pai que nos
leva de volta a seu Filho que veio na carne. O Espírito Santo que nos
habita procede, jorra do Pai e do Filho; procede e jorra também de nós,
dado que somos um só Filho em Jesus Cristo.
Cada um de nós, único, manifesta uma singular tonalidade do amor
divino e mostra sob os olhos encantados do Pai e do Filho um rosto
original do eterno amor. Dignidade singular da pessoa humana que, pela
graça e em Cristo, concede ao Pai amar Aquele que Ele gera e ao Filho
amar Aquele para o qual está voltado desde toda a eternidade e por toda a
eternidade. Inimaginável responsabilidade concedida a cada pessoa por
pura graça, gratuitamente, por acréscimo. Em Cristo cada pessoa concede
ao Pai gerar e ao Filho ser Amado na docilidade e no amor. No Espírito
Santo, cada pessoa, pela superabundância do Amor, tem o poder de dar ao
Pai e ao Filho ser Deus, o nosso Deus.
As palavras são impotentes para dizer a simplicidade deste amor
eternamente proveniente, sempre inventivo, jamais cansado de se
surpreender e encantar-se, pois é o Amor do Pai. Simplicidade escondida
do amor, cuja sabedoria filial não se deixa surpreender sem por sua vez
se entregar e se dar sempre de novo, e jorrar sem fim, sempre de novo.
Jamais cansado de adivinhar e acorrer, de se abandonar e renovar-se.
Na intimidade da vida trinitária, a vida no Espírito une na mesma
dinâmica o Pai e seus filhos, o Criador e todas as criaturas. O amor [ágape]
celebrado pelo Apóstolo Paulo (cf. 1 Cor 13) abarca no mesmo amplexo
Deus e o próximo. É o amor de Cristo que nos arrasta irresistivelmente. A
espiritualidade cristã ignora a indistinção da unidade abstrata do
múltiplo pelo eros da razão humana. Vive da unidade simples e viva cuja sabedoria, cujo segredo, somente a ágape (o amor) divina conhece.
O(a) fiel cristão(ã) vive da fé e na fé. Pela fé, na sua obscuridade e em seu pudor, a vida espiritual se deixa iniciar no mistério de Deus e dos seres humanos, no mistério do Emanuel [Deus Conosco].
O(a) fiel cristão(ã) vive da fé e na fé. Pela fé, na sua obscuridade e em seu pudor, a vida espiritual se deixa iniciar no mistério de Deus e dos seres humanos, no mistério do Emanuel [Deus Conosco].
Cada um de nós se sente mais afetivamente marcado por este ou por
aquele traço da inexaurível riqueza que constitui a nossa vida. Ninguém
consegue experimentar em um só relance e cada dia todos os tesouros da
sabedoria e da ciência revelados no coração de Jesus Cristo. Mas para o
louvor da sua glória, sentimo-nos obrigados a dizer a verdade do que
cremos, por menos que o sintamos, e alegrar-nos com o tesouro que nos dá
vida, para não desperdiçá-lo mais.
Artigo publicado na Revista Grande Sinal, de propriedade
da Província Franciscana da Imaculada Conceição, editada pela Editora
Vozes.
(*) Pe. Albert Chapelle, jesuíta, que durante muitos anos colaborou na revista Vie Consacrée, com valiosas reflexões sobre a vida consagrada e a espiritualidade cristã, faleceu em janeiro de 2003.
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