Um
dos aspectos menos compreendidos da doutrina da Igreja Católica diz
respeito à proibição dos contraceptivos. O problema acontece porque este
ensinamento é as mais das vezes deslocado do seu lugar natural e, com
isso, a sua correta apreciação fica prejudicada. Geralmente não adianta
meramente citar os documentos magisteriais sobre o assunto, porque eles
se direcionam a uma situação distinta daquela que os interlocutores
estão geralmente imaginando – o que contribui para a confusão.
O ensinamento católico encontra a sua formulação lapidar na conhecida Humanae Vitae
de Paulo VI: é «de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato
conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o
desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim
ou como meio, tornar impossível a procriação» (HV 14). A expressão mais
importante aqui é «ato conjugal», que evidentemente pressupõe dois
cônjuges: um esposo e uma esposa unidos pelos sagrados liames do
Matrimônio. O que a Igreja diz aqui, simplesmente, é que para os esposos
não é uma «via legítima para a regulação dos nascimentos» (id. ibid.)
recorrer à contracepção artificial.
Penso que, para a maior parte das
pessoas, o recurso aos contraceptivos dá-se não num contexto de entrega
conjugal, mas sim de sexo fora do Matrimônio. Ora, sexo fora do
Matrimônio é já pecado de per si: trata-se ou de adultério ou de
fornicação, em qualquer dos casos uma grave violação do Sexto Mandamento
que não passa a ser pecaminosa somente por causa do preservativo
utilizado e nem deixa de sê-lo caso o ato sexual seja feito sem
camisinha. Para uma correta compreensão do ensinamento católico é
preciso, penso, separar as duas coisas. Ou melhor, as três coisas.
A primeira coisa, a se dizer para os casais casados, é que a regulação artificial da natalidade é intrinsecamente desordenada. Para isso valem as razões evocadas na Humanae Vitae
e em outros documentos similares, que apontam para o nexo intrínseco
entre «o significado unitivo e o significado procriador» (HV 13) do ato
conjugal como querido por Deus e inscrito na natureza sexuada humana.
A segunda coisa, a se dizer para os solteiros, não pode ser simplesmente «não use camisinha». O que é preciso lhes dizer é que não façam sexo fora do casamento.
Isso é uma coisa muito mais básica do que o veto à contracepção
artificial, e se explica à luz da antropologia cristã e do significado
mais profundo da sexualidade humana, que não pode ser reduzida ao
hedonismo doentio com o qual é tratada nos dias de hoje. Pretender
explicar a imoralidade da contracepção para gente que ainda não entendeu
sequer que não pode sair por aí tendo relações sexuais com
desconhecidos (*) é uma tática evidentemente fadada ao fracasso.
[(*) Para fins de
intimidade conjugal, um amigo, um namorado ou mesmo um noivo é um
desconhecido. É uma pessoa que, por sua própria condição, não tem o
direito a certas intimidades que são próprias dos esposos unidos em uma
empresa comum para a vida inteira: enquanto este compromisso mútuo não
for firmado, e enquanto permanecer aberta a possibilidade de que os
caminhos de ambos venham a se separar, duas pessoas são estranhas entre
si independente do tempo há que se conheçam e da quantidade de
informações sobre a outra que cada uma delas possua.
O amor conjugal está alicerçado sobre a
entrega integral em vistas ao futuro, e não sobre o tempo gasto no
passado. Ter passado algum tempo (por grande que ele seja) com uma
pessoa é coisa banal, que se pode advogar até mesmo em favor de animais
irracionais; em princípio, um cachorro pode ter passado a sua vida
inteira com uma única cadela, ou um boi com uma única vaca, e nem por
isso é-nos possível elevar o "relacionamento" deles ao patamar do amor
humano.
Ao contrário, devotar o seu futuro a um
companheiro é ato de liberdade por excelência, único digno da natureza
humana que detém inteligência e vontade para ser senhora da própria
existência. É fácil assenhorear-se do que já passou, entregar fatos
consumados sobre os quais não se pode fazer mais nada; o que é
verdadeiramente digno e humano é entregar o que ainda não é (e nada, a
não ser o próprio amor, impede que seja diferente). Enquanto esta
entrega não for feita, repito, duas pessoas são a rigor desconhecidas
entre si. Não por acaso a Bíblia emprega a palavra "conhecer" para se referir aos atos sexuais.]
Uma terceira coisa se precisa dizer a respeito dos preservativos, e que é ligeiramente diferente das duas acima. Refere-se aos efeitos sociais deletérios da contracepção artificial. Sobre estes, é útil citar as palavras do saudoso D. Estêvão Bettencourt:
Não se deve argumentar a partir da onda de erotismo hoje existente para legitimar o sexo livre. Essa onda seria incoercível e, de certo modo, obrigaria jovens e adultos à prática sexual extraconjugal. — Na verdade, não é a freqüência ou a pujança de um determinado comportamento que o torna lícito. Como os assaltos dos malfeitores e a corrupção dos homens públicos são freqüentes, mas nem por isso são legitimados, assim também o sexo livre, por mais freqüente que seja, fica sendo reprovável. É muito mais sadio e educativo incitar os jovens e a sociedade ao uso regrado do sexo (por que não dizer, à castidade?) do que se deixar dominar pelos modismos; aliás, a disciplina e o autodomínio, no caso, são a única solução cristã.
É fácil ver que, num círculo vicioso, a
promiscuidade é retroalimentada precisamente por estas tentativas de se
lhe “minimizar” os danos. É fácil ver que as incontáveis campanhas de
“sexo seguro” que empestam a nossa sociedade contemporânea têm o efeito
de predispôr as pessoas (mormente os jovens) ao sexo livre e
irresponsável, como se os males decorrentes de uma vida sexual
desordenada unicamente se resumissem a meia dúzia de doenças sexualmente
transmissíveis; como se, mutatis mutandis, o único problema do
destempero à mesa fossem taxas de colesterol elevadas, e os mais
deploráveis espetáculos de glutonice pudessem se transformar na mais
sublime expressão da dignidade humana se forem seguidos de cuidadosas
lavagens estomacais. À luz de tudo isso, é fácil perceber como os
contraceptivos na verdade agravam o problema, que –
parafraseando D. Estêvão – só pode ser corretamente enfrentado à luz de
disciplina e de autodomínio, coisas cujo abandono não conduz senão à
degradação humana. E disso, infelizmente, a nossa sociedade dá um triste
testemunho.
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