No segundo domingo da Quaresma, a
Palavra de Deus define o caminho que o verdadeiro discípulo deve seguir: é o
caminho da escuta atenta de Deus e dos seus projetos, da obediência total e
radical aos planos do Pai.
O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
Na primeira leitura apresenta-se a
figura de Abraão. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta de
Deus, que sabe ler os seus sinais, que aceita os apelos de Deus e que lhes
responde com a obediência total e com a entrega confiada. Nesta perspectiva,
ele é o modelo do crente que percebe o projeto de Deus e o segue de todo o
coração.
Na segunda leitura, há um apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhada e coerente, as testemunhas do projeto de Deus no mundo. Nada – muito menos o medo, o comodismo e a instalação – pode distrair o discípulo dessa responsabilidade.
Na segunda leitura, há um apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhada e coerente, as testemunhas do projeto de Deus no mundo. Nada – muito menos o medo, o comodismo e a instalação – pode distrair o discípulo dessa responsabilidade.
AMBIENTE
A primeira leitura de hoje faz parte de
um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (cf.
Gn. 12-36). Trata-se de um conjunto de relatos singulares, originalmente
independentes uns dos outros, sem grande unidade e sem caráter de documento
histórico. Nesses capítulos aparecem, de forma indiferenciada, “mitos de
origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã),
“lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao
patriarca do clã), indicações mais ou menos concretas sobre a vida dos clãs
nômades que circularam pela Palestina durante o 2º milênio e reflexões
teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos
de vida e de fé.
Por detrás do quadro teológico e
catequético que nos é proposto, estão as migrações históricas de povos nômades,
antepassados do povo bíblico, nos inícios do 2º milênio a.C. Por essa época, a
história registra um forte movimento migratório de povos amorreus entre a
Mesopotâmia e o Egito, passando pela terra de Canaan. São povos que não
conseguiram fixar-se na Mesopotâmia (ou que tiveram de a abandonar por causa de
convulsões políticas registradas nessa zona no início do 2º milênio) e que
continuaram o seu caminho migratório, à procura de uma terra onde “plantar
definitivamente a sua tenda”, de forma a escapar aos perigos e incomodidades da
vida nômade. Os nossos patriarcas bíblicos fazem, provavelmente, parte dessa
onda migratória.
Os clãs referenciados nas “tradições
patriarcais” – nomeadamente os de Abraão, Isaac e Jacob – tinham os seus sonhos
e esperanças. O denominador comum desses sonhos era a esperança de encontrar
uma terra fértil e bem irrigada, bem como possuir uma família forte e numerosa
que perpetuasse a “memória” da tribo e se impusesse aos inimigos. O deus aceite
pelo grupo era o potencial concretizador desse ideal.
MENSAGEM
Nos capítulos anteriores (cf. Gn.
3-11), o autor descreveu uma humanidade que escolheu o pecado e que se afastou
de Deus; agora, o autor vai apresentar um novo ponto de partida: Deus ainda não
desistiu da humanidade e continua a querer construir com ela uma história de
salvação. Para isso, interpela diretamente um homem no meio de uma multidão de
nações. Esta “eleição” não é um privilégio, mas um convite a realizar uma
tarefa difícil: ser um sinal de Deus no meio dos homens.
O tema central do nosso texto é a
interpelação de Deus a Abraão. Segundo o teólogo jahwista, Deus chamou Abraão,
convidou-o a deixar a sua terra e a sua família e a partir ao encontro de uma
outra terra; ligado a este convite, aparece uma bênção e a promessa de a
família de Abraão se tornar uma grande nação. Porquê esta iniciativa de Deus?
Porquê o chamamento a este homem, em particular? O catequista jahwista não dá
qualquer tipo de explicação. Temos aqui um exemplo perfeito desse mistério,
sempre novo e sempre sem explicação, chamado “vocação”.
Como é que Abraão reage ao chamamento
de Deus? É preciso ter em conta que, para os antigos, abandonar a terra (o
horizonte natural onde o clã vive e onde tem as suas referências – inclusive em
termos de paisagem), a pátria (isto é, o espaço onde o clã encontra o afeto e a
solidariedade e, além disso, o seu espaço protegido por usos, leis e costumes)
e a família (o círculo familiar íntimo, onde o homem encontra o apoio e o seu
complemento), era pouco menos do que irrealizável. Abraão será capaz de
arriscar tudo, deixando o seguro para apostar em algo nebuloso e incerto?
Diante do desafio de Deus, Abraão
permanece mudo, sem discutir nem objetar. Com consumada mestria, o autor
jahwista limita-se a descrever a sequência dos acontecimentos, como se as ações
de Abraão valessem por mil explicações: o patriarca, simplesmente, pôs-se a
caminho. O verbo “yalak” utilizado no vs. 4 (“ir”, “partir”, “pôr-se a
caminho”) tem uma força extraordinária e expressa a audácia do crente que é
capaz de arriscar tudo, de deixar o seguro para apostar em algo que não é
certo, confiando apenas na Palavra de Deus. Trata-se de um rasgo maravilhoso,
que define uma atitude de fé radical, de confiança total, de obediência incondicional
aos desígnios de Deus. Esta é uma das passagens onde o que se conta de Abraão
tem um valor de modelo: o autor jahwista pretende ensinar aos seus concidadãos
a obediência cega às propostas de Deus.
Deus, por sua vez, compromete-se com
Abraão e acena-lhe com uma promessa. A promessa expressa-se, neste contexto,
através da bênção (a raiz “abençoar” é repetida cinco vezes, nestes poucos
versículos). A bênção é uma comunicação de vida, através da qual Deus realiza a
sua promessa de salvação. Na promessa aqui formulada, a bênção concretiza-se
como descendência numerosa (noutros textos das “tradições patriarcais”, a
bênção de Deus é, além da descendência numerosa, promessa de uma terra).
Particularmente importante, neste
contexto da promessa é a ideia de que o Povo nascido de Abraão será uma fonte
de bênção para todas as nações (v. 3c): inaugura-se, aqui, a ideia de que
Israel é o centro do mundo e de que a sua “vocação” é ser testemunha da
salvação de Deus diante de todos os povos da terra. Não se trata de um
privilégio concedido a Israel, mas de uma responsabilidade.
ATUALIZAÇÃO
• A figura de Abraão que nos foi
apresentada pelos catequistas de Israel tem sido, ao longo dos tempos, uma
figura inspiradora para todos os crentes. Abraão é o homem que encontra Deus,
que está atento aos seus sinais e sabe interpretá-los, que responde aos
desafios de Deus com uma obediência total e com uma entrega confiada… Esta
figura constitui uma interpelação muito forte a esse homem moderno que nunca
tem tempo para encontrar Deus nem para perceber os seus sinais, pois está
demasiado ocupado a ganhar dinheiro ou a construir a carreira profissional. Eu
tenho tempo para me encontrar com Deus, para aprofundar a comunhão com Ele?
Preocupo-me em detectar a sua presença, as suas indicações e propostas nos
acontecimentos do dia a dia? A minha resposta aos seus desafios é um “sim”
incondicional, ou é uma procura de razões para justificar os meus pontos de
vista e esquemas pessoais?
• A figura de Abraão questiona, também,
o homem instalado e comodista, que prefere apostar na segurança do que já tem,
em vez de arriscar na novidade de Deus, ou deixar que a Palavra de Deus ponha
em causa os seus velhos hábitos, a sua forma de vida e a sua instalação. Estou
disposto a mudar, a “pôr-me a caminho” em direção a essa terra nova da vida
plena e autêntica, ou prefiro continuar prisioneiro dos meus esquemas
pré-concebidos, dos meus medos, dos meus velhos hábitos, das minhas velhas
formas de pensar, de agir e de julgar os outros?
• Este texto diz-nos, também, que por
detrás da história da humanidade há um Deus que tem um projeto para os homens e
para o mundo e que esse projeto é de amor e de salvação… Apesar de os homens O
ignorarem e prescindirem das suas orientações e propostas, Deus continua a vir
ao seu encontro, a desafiá-los a caminhar em direção ao novo, a propor-lhes ir
mais além. O homem, por sua vez, é convidado a participar neste projeto, por
meio da fé (entendida como adesão plena aos planos de Deus). Estou disposto a
colaborar com esse Deus que tem um plano para o mundo e para os homens e a
embarcar com Ele na construção de um mundo mais feliz?
2ª
leitura – 2Tim. 1,8b-10 – AMBIENTE
Segundo os Atos dos Apóstolos, Paulo
encontrou Timóteo em Listra, cidade da Licaónia, no decurso da sua segunda
viagem missionária. Filho de pai grego e de mãe judeo-cristã, Timóteo devia ser
ainda bastante jovem, nessa altura (cf. At. 16,1). No entanto, Paulo não
hesitou em levá-lo consigo através da Ásia Menor, da Macedónia e da Grécia.
Tímido e reservado, de saúde delicada (em 1Tim. 5,23 Paulo aconselha: "não
continues a beber só água, mas mistura-a com um pouco de vinho, por causa do
teu estômago e das tuas frequentes indisposições), Timóteo tornou-se um
companheiro fiel e discreto do apóstolo no trabalho missionário. Para não ter
problemas com os judeus, Paulo fê-lo circuncidar (cf. At. 16,3); e, numa data
desconhecida para nós, Timóteo recebeu dos anciãos a “imposição das mãos” (cf.
1Tim 4,14) que o designava como enviado da comunidade para anunciar o Evangelho
de Jesus.
A atividade de Timóteo está bastante
ligada a Paulo, como o demonstram as contínuas referências que Paulo lhe faz
nos seus escritos. Com ternura, Paulo refere-se a Timóteo como o “nosso irmão,
colaborador de Deus na pregação do Evangelho de Cristo” (1Tes. 3,2); e faz
referências a Timóteo nas Cartas aos Tessalonicenses (cf. 1Tes. 11,1; 2Tes.
1,1), na 2 Coríntios (cf. 2 Cor 1,1), na Carta aos Romanos (cf. Rom 16,21), na
Carta aos Filipenses (cf. Fl. 1,1), na Carta aos Colossenses (cf. Col. 1,1) e
na Carta a Filémon (cf. Flm. 1). Encarregou-o, também, de missões particulares
entre os Tessalonicenses (cf. 1Tes. 3,2.6) e entre os Coríntios (cf. 1 Cor
4,17).
Em relação à segunda Carta a Timóteo
há, no entanto, um problema sério: a maioria dos comentadores considera esta
carta posterior a Paulo (o mesmo acontece com a 1 Timóteo e com a Carta a
Tito), sobretudo por aí aparecer um modelo de organização da Igreja que parece
ser de uma época tardia, isto é, de finais do séc. I ou princípios do séc. II).
A questão continua em aberto.
Timóteo é, por esta altura, bispo de
Éfeso, na costa ocidental da Ásia Menor. Estão a começar as grandes
perseguições; muitos cristãos estão desanimados e vacilam na fé. É preciso que
os líderes das comunidades – entre os quais está Timóteo – mantenham o ânimo e
ajudem as comunidades a enfrentar, com fortaleza, as dificuldades que se
avizinham.
MENSAGEM
O nosso texto apresenta-se como uma
exortação de Paulo a Timóteo, convidando-o a superar a sua juventude e timidez
e a ser um modelo de fidelidade e de fortaleza no testemunho da fé.
O autor da segunda carta a Timóteo
apresenta os motivos que devem impulsionar Timóteo a cumprir com fidelidade a
sua missão apostólica. Neste texto que nos é proposto, em concreto, o autor da
carta recorda a Timóteo o projeto salvífico de Deus que, de forma gratuita,
quer salvar os homens e chamá-los à santidade (cf. 2Tim. 1,9). Esse projeto
manifestou-se em Jesus Cristo, o libertador, que destruiu a morte e o pecado e
ofereceu a todos os homens a vida plena e definitiva (cf. 2Tim. 1,9-10). Ora
Paulo (nesta altura prisioneiro por causa do Evangelho), Timóteo e todos os
outros são as testemunhas deste projeto de Deus e não podem ficar calados
diante do enfraquecimento da vida cristã que se constata nas comunidades; mesmo
no meio das perseguições e dificuldades, eles não podem demitir-se da missão
que Deus lhes confiou… Têm de ser testemunhas vivas, entusiastas e corajosas do
projeto salvífico e amoroso de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Mais uma vez somos convidados a
recordar que Deus tem um projecto de salvação e de vida plena para os homens,
para todos os homens. Quase todos os domingos, a Palavra de Deus convida-nos a
tomar consciência desse fato; mas nunca é demais lembrá-lo, até porque os
homens do nosso tempo tendem a esquecer Deus e a viver sem a consciência da sua
presença, do seu amor, da sua preocupação com a nossa vida, a nossa realização,
a nossa felicidade. Se tivéssemos sempre consciência de que temos um lugar
cativo no projecto de Deus e que o próprio Deus está a velar pela nossa
realização e pela nossa felicidade, certamente a vida teria um outro sentido e
no nosso coração haveria mais serenidade, mais paz, mais esperança.
• Também é preciso termos consciência
de que nós, os crentes, somos, aqui e agora, as testemunhas vivas de Deus e do
seu projeto para os homens e para o mundo. Nada – e muito menos o nosso
comodismo e instalação – pode distrair-nos dessa responsabilidade. Os homens,
nossos irmãos, têm de encontrar em nós – e particularmente naqueles a quem foi
confiada a missão de animar e orientar a comunidade – sinais vivos de Deus, do
seu amor, da sua bondade e ternura, da sua preocupação com os homens.
• É verdade que não é fácil ser
testemunha de Deus e do seu projeto. O mundo de hoje tende a ignorar os apelos
de Deus ou até manifesta desprezo pelos valores do Evangelho (esses valores que
temos de testemunhar, a fim de sermos sinais do mundo novo que Deus quer propor
aos homens). No entanto, as dificuldades não podem ser uma desculpa para nos demitirmos
das nossas responsabilidades e de levarmos a sério a vocação a que Deus nos
chama.
Evangelho
– Mt. 17,1-9 – AMBIENTE
A secção de Mt 16,21-20,34 é uma
catequese sobre o discipulado, como seguimento de Jesus até à cruz. O texto que
hoje nos é proposto faz parte dessa catequese.
O relato da transfiguração de Jesus é
antecedido do primeiro anúncio da paixão (cf. Mt. 16,21-23) e de uma instrução
sobre as atitudes próprias do discípulo (convidado a renunciar a si mesmo, a
tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu caminho de amor e de entrega da vida –
cf. Mt. 16,24-28). Depois de terem ouvido falar do “caminho da cruz” e de terem
constatado aquilo que Jesus pede aos que o querem seguir, os discípulos estão
desanimados e frustrados, pois a aventura em que apostaram parece encaminhar-se
para um rotundo fracasso; eles vêem esfumar-se – nessa cruz que irá ser
plantada numa colina de Jerusalém – os seus sonhos de glória, de honras, de
triunfos e perguntam-se se vale a pena seguir um mestre que nada mais tem para
oferecer do que a morte na cruz.
É neste contexto que Mateus coloca o
episódio da transfiguração. A cena constitui uma palavra de ânimo para os
discípulos (e para os crentes, em geral), pois nela manifesta-se a glória de
Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o Filho amado de
Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus
apresenta é um projeto que vem de Deus; e, apesar das suas próprias dúvidas,
recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e apostar nesse
projeto.
Literariamente, a narração da
transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto,
o autor do relato vai colocar no quadro que descreve todos os ingredientes que,
no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos
quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a
voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a
perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o
seguinte: não estamos diante de um relato fotográfico de acontecimentos, mas de
uma catequese (construída de acordo com o imaginário judaico) destinada a
ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus, que traz aos homens um projeto que
vem de Deus.
MENSAGEM
Esta página de catequese, destinada a
ensinar que Jesus é o Filho de Deus e que o projeto que Ele propõe vem de Deus,
está construída sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que
elementos são esses?
O monte situa-nos num contexto de
revelação: é sempre num monte que Deus Se revela; e, em especial, é no cimo de
um monte que Ele faz uma aliança com o seu Povo.
A mudança do rosto e as vestes de
brancura resplandecente recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai
(cf. Ex. 34,29), depois de se encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei.
A nuvem, por sua vez, indica a presença
de Deus: era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o
seu Povo através do deserto (cf. Ex. 40,35; Nm. 9,18.22; 10,34).
Moisés e Elias representam a Lei e os
Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); além disso, são
personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do
Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt. 18,15-18; Mal
3,22-23).
O temor e a perturbação dos discípulos
são a reação lógica de qualquer homem ou mulher diante da manifestação da
grandeza, da onipotência e da majestade de Deus (cf. Ex. 19,16; 20,18-21).
As tendas parecem aludir à “festa das
tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em
“tendas”, no deserto.
A mensagem fundamental, amassada com
todos estes elementos, pretende dizer quem é Jesus. Recorrendo a simbologias do
Antigo Testamento, o autor deixa claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em
quem se manifesta a glória do Pai. Ele é, também, esse Messias libertador e
salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas
(Elias). Mais ainda: ele é um novo Moisés – isto é, aquele através de quem o
próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de quem Deus propõe aos homens
uma nova aliança.
Da ação libertadora de Jesus, o novo
Moisés, irá nascer um novo Povo de Deus. Com esse novo Povo, Deus vai fazer uma
nova aliança; e vai percorrer com ele os caminhos da história, conduzindo-o
através do “deserto” que leva da escravidão à liberdade.
Esta apresentação tem como
destinatários os discípulos de Jesus (esse grupo desanimado e frustrado porque
no horizonte próximo do seu líder está a cruz e porque o mestre exige dos
discípulos que aceitem percorrer um caminho semelhante). Aponta para a
ressurreição, aqui anunciada pela glória de Deus que se manifesta em Jesus,
pelas vestes resplandecentes (que lembram as vestes resplandecentes dos anjos
que anunciam a ressurreição – cf. Mt. 28,3) e pelas palavras finais de Jesus
(“não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do Homem ressuscitar dos
mortos” – Mt. 17,9): diz-lhes que a cruz não será a palavra final, pois no fim
do caminho de Jesus (e, consequentemente, dos discípulos que seguirem Jesus)
está a ressurreição, a vida plena, a vitória sobre a morte.
Uma palavra final para o desejo –
manifestado por Pedro – de construir três tendas no cimo do monte, como se
pretendesse “assentar arraiais” naquele quadro. O pormenor pode significar que
os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação gloriosa, ignorando o
destino de sofrimento de Jesus. Jesus nem responde à proposta: Ele sabe que o
projeto de Deus – esse projeto de construir um novo Povo de Deus e levá-lo da
escravidão para a liberdade – tem de passar pelo caminho do dom da vida, da
entrega total, do amor até às últimas consequências.
ATUALIZAÇÃO
• A questão fundamental expressa no
episódio da transfiguração está na revelação de Jesus como o Filho amado de
Deus, que vai concretizar o projeto salvador e libertador do Pai em favor dos
homens através do dom da vida, da entrega total de si próprio por amor. Pela
transfiguração de Jesus, Deus demonstra aos crentes de todas as épocas e
lugares que uma existência feita dom não é fracassada – mesmo se termina na
cruz. A vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que,
como Jesus, forem capazes de pôr a sua vida ao serviço dos irmãos.
• Na verdade, os homens do nosso tempo
têm alguma dificuldade em perceber esta lógica… Para muitos dos nossos irmãos,
a vida plena não está no amor levado até às últimas consequências (até ao dom
total da vida), mas sim na preocupação egoísta com os seus interesses pessoais,
com o seu orgulho, com o seu pequeno mundo privado; não está no serviço simples
e humilde em favor dos irmãos (sobretudo dos mais débeis, dos mais
marginalizados e dos mais infelizes), mas no assegurar para si próprio uma dose
generosa de poder, de influência, de autoridade e de domínio, que dê a sensação
de pertencer à categoria dos vencedores; não está numa vida vivida como dom,
com humildade e simplicidade, mas numa vida feita um jogo complicado de
conquista de honras, de glórias e de êxitos. Na verdade, onde é que está a
realização plena do homem? Quem tem razão: Deus, ou os esquemas humanos que
hoje dominam o mundo e que nos impõem uma lógica diferente da lógica do
Evangelho?
• Por vezes somos tentados pelo
desânimo, porque não percebemos o alcance dos esquemas de Deus; ou então, parece
que, seguindo a lógica de Deus, seremos sempre perdedores e fracassados, que
nunca integraremos a elite dos senhores do mundo e que nunca chegaremos a
conquistar o reconhecimento daqueles que caminham ao nosso lado… A
transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele monte: não desanimeis, pois
a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva,
à felicidade sem fim.
• Os três discípulos, testemunhas da
transfiguração, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o
mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos
postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir
para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga a
“regressar ao mundo” para testemunhar aos homens – mesmo contra a corrente –
que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo,
nos seus problemas e dramas, a fim de dar o nosso contributo para o
aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A religião não é um ópio que
nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se faz compromisso de amor com o
mundo e com os homens.
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