O tema fundamental da liturgia deste domingo é o do amor: o que
identifica os seguidores de Jesus é a capacidade de amar até ao dom total da
vida.
No Evangelho, Jesus despede-Se dos seus discípulos e deixa-lhes em
testamento o “mandamento novo”: “amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei”. É
nessa entrega radical da vida que se cumpre a vocação cristã e que se dá
testemunho no mundo do amor materno e paterno de Deus.
Na primeira leitura apresenta-se a vida dessas comunidades
cristãs chamadas a viver no amor. No meio das vicissitudes e das crises, são
comunidades fraternas, onde os irmãos se ajudam, se fortalecem uns aos outros
nas dificuldades, se amam e dão testemunho do amor de Deus. É esse projeto que
motiva Paulo e Barnabé e é essa proposta que eles levam, com a generosidade de
quem ama, aos confins da Ásia Menor.
A segunda leitura apresenta-nos a meta final para onde
caminhamos: o novo céu e a nova terra, a realização da utopia, o rosto final
dessa comunidade de chamados a viver no amor.
1ª leitura: – Atos
14,21b-27 - AMBIENTE
Vimos, no passado domingo, como o entusiasmo missionário da comunidade
cristã de Antioquia da Síria lançou Paulo e Barnabé para a missão e como a Boa
Nova de Jesus alcançou, assim, a ilha de Chipre e as costas da Ásia Menor… A
leitura de hoje apresenta-nos a conclusão dessa primeira viagem missionária de
Paulo e de Barnabé: depois de chegarem a Derbe, voltaram para trás, visitaram
as comunidades entretanto fundadas (Listra, Icónio, Antioquia da Pisídia e
Perge) e embarcaram de regresso à cidade de onde tinham partido para a missão.
Estes sucessos desenrolam-se entre os anos 46 e 49.
MENSAGEM
No texto que nos é proposto, transparecem os traços fundamentais que
marcaram a vida e a experiência dos primeiros grupos cristãos: o entusiasmo dos
primeiros missionários, que permite afrontar e vencer os perigos e as
incomodidades para levar a todos os homens a boa notícia que Cristo veio
propor; as palavras de consolação que fortalecem a fé e ajudam a enfrentar as
perseguições (vs. 22a); o apoio mútuo (vs. 23b); a oração (vs. 23b.c).
Sobretudo, este texto acentua a ideia de que a missão não foi uma obra
puramente humana, mas foi uma obra de Deus. No início da aventura missionária
já se havia sugerido que o envio de Paulo e Barnabé não era apenas iniciativa
da Igreja de Antioquia, mas uma ação do Espírito (cf. At. 13,2-3); foi esse
mesmo Espírito que acompanhou e guiou os missionários a cada passo da sua
viagem. E aqui repete-se que o autêntico ator da conversão dos pagãos é Deus e
não os homens (cf. v. 27).
Verdadeira novidade no contexto da missão é a instituição de dirigentes
ou responsáveis (“anciãos” – em grego, “presbíteros”), que aparecem aqui pela
primeira vez fora da Igreja de Jerusalém. Correspondem, provavelmente, aos
“conselhos de anciãos” que estavam à frente das comunidades judaicas. Os “Atos”
não explicitam as funções exatas destes dirigentes e animadores das Igrejas;
mas o discurso de despedida que Paulo faz aos anciãos de Éfeso parece
confiar-lhes o cuidado de administrarem, de vigiarem e de defenderem a
comunidade face aos perigos internos e externos (cf. At. 20,28-31). Em todo o
caso, convém recordar que os ministérios eram algo subordinado dentro da
organização e da vida da primitiva comunidade; não eram valores absolutos em si
mesmo, mas só existiam e só tinham sentido em função da comunidade.
ATUALIZAÇÃO
· Como é que vivem as nossas comunidades cristãs? Notamos
nelas o mesmo empenho missionário dos inícios? Há partilha fraterna e
preocupação em ir ao encontro dos mais débeis, em apoiá-los e ajudá-los a
superar as crises e as angústias? São comunidades que se fortalecem com uma
vida de oração e de diálogo com Deus?
· Temos consciência de que por detrás do nosso trabalho e do
nosso testemunho está Deus? Temos consciência de que o anúncio do Evangelho não
é uma obra nossa, na qual expomos as nossas ideias e a nossa ideologia, mas é
obra de Deus? Temos consciência de que não nos pregamos a nós próprios, mas a
Cristo?
· Para aqueles que têm responsabilidades de direção ou de
animação das comunidades: a missão que lhes foi confiada não é um privilégio,
mas um serviço que está subordinado à construção da própria comunidade. A
comunidade não existe para servir quem preside; quem preside é que existe em
função da comunidade e do serviço comunitário.
2ª leitura: Ap. 21,1-5ª
- AMBIENTE
Depois de descrever o confronto entre Deus e as forças do mal e a
vitória final de Deus, o autor do “Apocalipse” apresenta o ponto de chegada da
história humana: a “nova terra e o novo céu”; aí, os que se mantiveram fiéis ao
“cordeiro” (Jesus) encontrarão a vida em plenitude. É o culminar da caminhada
da humanidade, a meta última da nossa história.
Esse mundo novo é, simbolicamente, apresentado em dois quadros (cf. Ap.
21,1-8 e 21,9-22,5). A leitura que hoje nos é proposta apresenta-nos o primeiro
desses quadros (o outro ficará para o próximo domingo). É o quadro do novo céu
e da nova terra – um quadro que apresenta a última fase da obra regeneradora de
Deus e que aparece já em Is. 65,17 e em 66,22. Também se encontra esta imagem
abundantemente representada na literatura apocalíptica (cf. Henoch, 45,4-5;
91,16; 4 Es. 7,75), bem como em certos textos do Novo Testamento (cf. Mt.
19,28; 2Pe. 3,13).
MENSAGEM
Neste primeiro quadro, o profeta João chama a essa nova realidade
nascida da vitória de Deus a “Jerusalém que desce do céu”. Jerusalém é, no
universo religioso e cultural do povo bíblico, a cidade santa por excelência, o
lugar onde Deus reside, o espaço onde vai irromper e onde se manifestará em
definitivo a salvação de Deus. A “nova Jerusalém” é, portanto, o lugar da
salvação definitiva, o lugar do encontro definitivo entre Deus e o seu Povo.
No contexto da teologia do livro do Apocalipse, esta cidade nova, onde
encontra guarida o Povo vitorioso dos “santos”, designa a Igreja, vista como
comunidade escatológica, transformada e renovada pela ação salvadora e
libertadora de Deus na história. Dizer que ela “desce do céu” significa dizer
que se trata de uma realidade que vem de Deus e tem origem divina; ela é uma
absoluta criação da graça de Deus, dom definitivo de Deus ao seu Povo.
Esta nova realidade instaura, consequentemente, uma nova ordem de coisas
e exige que tudo o que é velho seja transformado. O mar, símbolo e resíduo do
caos primitivo e das potências hostis a Deus, desaparecerá; a velha terra,
cenário da conduta pecadora do homem, vai ser transformada e recriada (v. 1). A
partir daí, tudo será novo, definitivo, acabado, perfeito.
Quando esta realidade irromper, celebrar-se-á o casamento definitivo
entre Deus e a humanidade transformada (a “noiva adornada para o esposo”). Na
linguagem profética, o casamento é um símbolo privilegiado da aliança.
Realiza-se, assim, o ideal da aliança (cf. Jr. 31,33-38; Ez. 37,27): Deus e o
seu Povo consumam a sua história de intimidade e de comunhão; Deus passará a
residir de forma permanente e estável no meio do seu Povo, como o noivo que se
junta à sua amada e com ela partilha a vida e o amor. A longa história de amor
entre Deus e o seu Povo será uma história de amor com um final feliz. Serão
definitivamente banidos do horizonte do homem a dor, as lágrimas, o sofrimento
e a morte e restarão a alegria, a harmonia e a felicidade sem fim.
ATUALIZAÇÃO
· O testemunho profético de João garante-nos que não estamos destinados
ao fracasso, mas sim à vida plena, ao encontro com Deus, à felicidade sem fim.
Esta esperança tem de iluminar a nossa caminhada e dar-nos a coragem de
enfrentar os dramas e as crises que dia a dia se nos apresentam.
· A Igreja de que fazemos parte tem de procurar ser um anúncio
dessa comunidade escatológica, uma “noiva” bela e que caminha com amor ao
encontro de Deus, o amado. Isto significa que o egoísmo, as divisões, os
conflitos, as lutas pelo poder, têm de ser banidos da nossa experiência eclesial:
eles são chagas que deturpam o rosto da Igreja e a impedem de dar testemunho do
mundo novo que nos espera.
· É verdade que a instauração plena do “novo céu e da nova terra”
só acontecerá quando o mal for vencido em definitivo; mas essa nova realidade
pode e deve começar desde já: a ressurreição de Cristo convoca-nos para a
renovação das nossas vidas, da nossa comunidade cristã ou religiosa, da
sociedade e das suas estruturas, do mundo em que vivemos.
Evangelho: Jo
13,31-33a.34-35 - AMBIENTE
Estamos na fase final da caminhada histórica do “Messias”. Aproxima-se a
“Hora”, o momento em que vai nascer – a partir do testemunho do amor total
cumprido na cruz – o Homem Novo e a nova comunidade.
O contexto em que este trecho nos coloca é o de uma ceia, na qual Jesus
Se despede dos discípulos e lhes deixa as últimas recomendações. Jesus acabou
de lavar os pés aos discípulos (cf. Jo 13,1-20) e de anunciar à comunidade
desconcertada a traição de um do grupo (cf. Jo 13,21-30); nesses quadros, está
presente o seu amor (que se faz serviço simples e humilde no episódio da
lavagem dos pés e que se faz amor que não julga, que não condena, que não
limita a liberdade e que se dirige até ao inimigo mortal, na referência a
Judas, o traidor). Em seguida, Jesus vai dirigir aos discípulos palavras de
despedida; essas suas palavras – resumo coerente de uma vida feita de amor e
partilha – soam a testamento final. Trata-se de um momento muito solene; é a
altura em que não há tempo nem disposição para “conversa fiada”: aproxima-se o
fim e é preciso recordar aos discípulos aquilo que é mesmo fundamental na
proposta cristã.
MENSAGEM
O texto divide-se em duas partes. Na primeira parte (vs. 31-32), Jesus
interpreta a saída de Judas, que acabou de deixar a sala onde o grupo está
reunido, para ir entregar o “mestre” aos seus inimigos. A morte é, portanto,
uma realidade bem próxima… Jesus explica, na sequência, que a sua morte na cruz
será a manifestação da sua glória e da glória do Pai. O termo grego “doxa” aqui
utilizado traduz o hebraico “kabod” que pode entender-se como “riqueza”,
“esplendor”. A “riqueza”, o “esplendor” do Pai e de Jesus manifesta-se,
portanto, no amor que se dá até ao extremo, até ao dom total. É que a “glória”
do Pai e de Jesus não se manifesta no triunfo espetacular ou na violência que
aniquila os maus, mas manifesta-se na vida dada, no amor oferecido até ao
extremo. A entrega de Jesus na cruz vai manifestar a todos os homens a lógica
de Deus e mostrar a todos como Deus é: amor radical, que se faz dom até às
últimas consequências.
Na segunda parte (vs. 33a.34-35) temos, então, a apresentação do
“mandamento novo”. Começa com a expressão “meus filhos” (v. 33a) – o que nos
coloca num quadro de solene emoção e nos leva ao “testamento” de um pai que, à
beira da morte, transmite aos seus filhos a sua sabedoria de vida e aquilo que
é verdadeiramente fundamental.
Qual é, portanto, a última palavra de Jesus aos seus, o seu ensinamento
fundamental?
“Amai-vos uns aos outros. Como Eu vos amei, vós deveis também amar-vos
uns aos outros”. O verbo “agapaô” (“amar”) aqui utilizado define, em João, o
amor que faz dom de si, o amor até ao extremo, o amor que não guarda nada para
si mas é entrega total e absoluta. O ponto de referência no amor é o próprio
Jesus (“como Eu vos amei”); as duas cenas precedentes (lavagem dos pés aos
discípulos e despedida de Judas) definem a qualidade desse amor que Jesus pede
aos seus: “amar” consiste em acolher, em pôr-se ao serviço dos outros, em
dar-lhes dignidade e liberdade pelo amor (lavagem dos pés), e isso sem limites
nem discriminação alguma, respeitando absolutamente a liberdade do outro
(episódio de Judas). Jesus é a norma, não com palavras, mas com atos; mas agora
traduz em palavras os seus atos precedentes, para que os discípulos tenham uma
referência.
O amor (igual ao de Jesus) que os discípulos manifestam entre si será
visível para todos os homens (v. 35). Esse será o distintivo da comunidade de
Jesus. Os discípulos de Jesus não são os depositários de uma doutrina ou de uma
ideologia, ou os observantes de leis, ou os fiéis cumpridores de ritos; mas são
aqueles que, pelo amor que partilham, vão ser um sinal vivo do Deus que ama.
Pelo amor, eles serão no mundo sinal do Pai.
ATUALIZAÇÃO
· A proposta cristã resume-se no amor. É o amor que nos
distingue, que nos identifica; quem não aceita o amor, não pode ter qualquer
pretensão de integrar a comunidade de Jesus.
· Falar de amor hoje pode ser equívoco… A palavra “amor” é,
tantas vezes, usada para definir comportamentos egoístas, interesseiros, que
usam o outro, que fazem mal, que limitam horizontes, que roubam a liberdade…
Mas o amor de que Jesus fala é o amor que acolhe, que se faz serviço, que
respeita a dignidade e a liberdade do outro, que não discrimina nem
marginaliza, que se faz dom total (até à morte) para que o outro tenha mais
vida. É este o amor que vivemos e que partilhamos?
· Por um lado, a comunidade de Jesus tem de testemunhar, com
gestos concretos, o amor de Deus; Nos nossos comportamentos e atitudes uns para
com os outros, os homens descobrem a presença do amor de Deus no mundo? Amamos
mais do que os outros e interessamo-nos mais do que eles pelos pobres e pelos
que sofrem?
padre
Joaquim Garrido – padre Manuel Barbosa – padre Ornelas Carvalho
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