O livro do Gênesis, em seus três
primeiros capítulos, usa de linguagem figurada para enunciar verdades
perenes. Visto que já temos comentado tal matéria repetidarnente1,
limitar-nos-emos abaixo a responder estritamente a questão do título
deste artigo, questão aliás freqüentemente formulada e nem sempre
devidamente elucidada.
Eis o que se deve guardar a propósito:
1) O Senhor Deus criou o ser humano
masculino e feminino (sem que esteja excluída a evolução da matéria
preexistente até chegar ao grau de complexidade do corpo humano);
2) O Senhor concedeu aos primeiros pais
urna especial graça espiritual chamada “justiça original”, que conferia
ao homem eminente dignidade;
3) consequentemente o Criador indicou aos primeiros pais um modelo de vida, figurado pela proibição de comer
a fruta da árvore da ciência do bem e do mal. Já que o homem era
elevado a especial comunhão com Deus, devia comportar-se não
simplesmente de acordo com seu bom senso ou suas intuições racionais,
mas segundo as normas correspondentes a sua dignidade de filho de Deus;
4) O homem, por soberba, disse Não a esse modelo de vida ou ao convite do Criador, perdendo assim a justiça original.
Pois bem. Adão e Eva representam o ser
humano assim tratado por Deus. São tão reais quanto é real o gênero
humano. Deus se apresentou ao homem nas suas origens, … ao homem real e
não a um ser fictício. Verdade é que Adão e Eva são nomes de origem
hebraica; não podem ser os nomes dos primeiros seres humanos, mas
representam os primeiros seres humanos.
Há quem indague a respeito do aspecto
físico dos primeiros homens: eram belos, como dão a entender certos
quadrinhos e filmes catequéticos?
Respondemos que a tradição judaico-cristã – sempre julgou que os primeiros pais eram dotados de harmonia ou beleza física correspondente
as riquezas sobrenaturais de sua alma; terão perdido esse encanto após o
pecado, gerando e então uma estirpe caracterizada por traços somáticos
primitivos e cultura rudimentar; tal é, sim, a linhagem de que nos falam
os fósseis. – Contudo não há necessidade de admitir que Adão tenha sido
fisicamente mais belo e culturalmente mais evoluído do que os demais
homens da pré-história; pode-se muito bem conceber que os dotes de alma
que ele possuía, não se espelhavam sobre o seu corpo; a manifestação
desses dons estava condicionada a perseverança de Adão no estado de
inocência. O primeiro pai, porém, não perseverou; por isto, não se terá
diferenciado, no plano meramente natural, dos demais homens
pré-históricos.
Não se deve acentuar exageradamente a
perfeição do estado primitivo da humanidade dito “de justiça original”.
Terá sido um estado digno de todo apreço,
mas do ponto de vista religioso e moral apenas, não sob o aspecto da
civilização ou da cultura. Os primeiros homens de que fala o Gênesis,
podem muito bem ter tido a configuração rudimentar e grosseira de que
dão indícios os fósseis da pré-história; não é necessário que hajam
vivido de modo diferente daquele que conjeturam as ciências naturais.
Mesmo as idéias religiosas de Adão poderão ter sido puras, sim, mas sob
a forma de intuições concretas semelhantes as dos povos primitivos e
das crianças; não se tratava de altos conhecimentos teológicos. – Vê-se,
pois, que as clássicas descrições do “paraíso terrestre” não devem em
absoluto ser identificadas com a doutrina da fé.
D. Estevão Bettencourt
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