A liturgia deste domingo põe em relevo o papel da comunidade cristã como espaço privilegiado de encontro com Jesus ressuscitado.
O
Evangelho sublinha a ideia de que Jesus vivo e ressuscitado é o centro
da comunidade cristã; é à volta d’Ele que a comunidade se estrutura e é
d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe permite enfrentar as
dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da comunidade
(na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens
encontram as provas de que Jesus está vivo.
A
segunda leitura insiste no motivo da centralidade de Jesus como
referência fundamental da comunidade cristã: apresenta-O a caminhar lado
a lado com a sua Igreja nos caminhos da história e sugere que é n’Ele
que a comunidade encontra a força para caminhar e para vencer as forças
que se opõem à vida nova de Deus.
A
primeira leitura sugere que a comunidade cristã continua no mundo a
missão salvadora e libertadora de Jesus; e quando ela é capaz de o
fazer, está a dar testemunho desse Cristo vivo que continua a apresentar
uma proposta de redenção para os homens.
1ª leitura: Atos dos Apóstolos 5,12-16 - AMBIENTE
O
livro dos Atos dos Apóstolos apresenta o “caminho” que a Igreja de
Jesus percorreu, desde Jerusalém até Roma, o coração do império. No
entanto, foi de Jerusalém, o lugar onde irrompeu a salvação – isto é,
onde Jesus sofreu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu –, que tudo
partiu. Foi aí que nasceu a primeira comunidade cristã e que essa
comunidade, pela primeira vez, se assumiu como testemunha de Jesus
diante do mundo.
O
texto que nos é proposto é um dos três sumários que aparecem na
primeira parte dos “Atos”; esses sumários apresentam temas comuns e
afinidades de estrutura que convidam a considerá-los conjuntamente. No
conjunto, esses sumários pretendem apresentar as várias facetas do
testemunho dado pela Igreja de Jerusalém. O primeiro aparece em 2,42-47 e
é dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida
provocou no povo da cidade; o segundo aparece em 4,32-37 e é dedicado
ao tema da partilha dos bens; o terceiro (a primeira leitura de hoje)
apresenta o testemunho da Igreja através da atividade miraculosa dos
apóstolos.
MENSAGEM
A
primeira frase desta leitura apresenta o tema: “pelas mãos dos
apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo”.
A
descrição da ação dos apóstolos e da reação do povo é, neste contexto,
muito parecida com certos relatos de curas e certos resumos da atividade
taumatúrgica de Jesus que encontramos nos evangelhos sinópticos. Isso
diz-nos, desde logo, duas coisas: que não se trata de uma reportagem
fotográfica de acontecimentos, mas de um resumo teológico; e que Lucas
vê uma continuidade entre a missão de Jesus e a missão da comunidade
cristã (a mesma atividade salvadora e libertadora de Jesus em favor dos
pobres e dos oprimidos é continuada agora no mundo pela sua Igreja).
Um
desenvolvimento especialmente interessante é a atribuição à “sombra” de
Pedro de virtudes curativas (cf. At. 5,15b). Isso nunca foi dito acerca
de Cristo… Significa que Pedro tinha mais poder do que Cristo? Não.
Significa, provavelmente, que nada é impossível àquele que se coloca na
órbita de Cristo e recebe d’Ele a força para testemunhar.
Devemos
ter presente, para entender a mensagem, o cenário de fundo deste texto:
os apóstolos são as testemunhas de Jesus ressuscitado e do seu projeto
libertador para o mundo; os gestos realizados servem para dar testemunho
da ressurreição, isto é, dessa vida nova que em Cristo começou e que,
através dos seguidores de Cristo ressuscitado, deve chegar a todos os
homens.
ATUALIZAÇÃO
•
A comunidade cristã tem de ser, fundamentalmente, uma comunidade que
testemunha Cristo ressuscitado. Se formarmos uma família de irmãos
“unidos pelos mesmos sentimentos”, solidários uns com os outros, capazes
de partilhar, estaremos a anunciar esse mundo novo que Jesus propôs e a
interpelar os nossos conterrâneos. É isso que acontece habitualmente
com o testemunho das nossas comunidades? O que nos falta para sermos –
como a comunidade primitiva – uma comunidade que testemunha Jesus
ressuscitado?
•
Os milagres não são, fundamentalmente, acontecimentos espantosos que
subvertem as leis da natureza; mas são sinais que mostram a presença
libertadora e salvadora de Deus e que anunciam essa vida plena que Deus
quer dar a todos os homens. Não são, portanto, coisas reservadas a
certos feiticeiros ou super-heróis, mas são coisas que eu posso fazer
todos os dias: sempre que os meus gestos falam de amor, de partilha, de
reconciliação, eu estou a realizar um “milagre” que leva aos irmãos a
vida nova de Deus, estou a anunciar e a fazer acontecer a ressurreição.
Tenho consciência disto e procuro, com gestos concretos, anunciar que
Jesus ressuscitou e continua a querer salvar os homens? Os meus gestos
são “sinais” de Deus?
2ª leitura: Ap. 1,9-11a.12-13.17-19 - AMBIENTE
Estamos
nos finais do reinado de Domiciano (à volta do ano 95); os cristãos
eram perseguidos de forma violenta e organizada e parecia que todos os
poderes do mundo se voltavam contra os seguidores de Cristo. Muitos
cristãos, cheios de medo, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado
do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora,
quem mandava mesmo como senhor todo-poderoso era o Imperador de Roma.
É
neste contexto de perseguição, de medo e de martírio que vai ser
escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é apresentar aos crentes um
convite à conversão (primeira parte – Ap 1-3) e uma leitura profética da
história que os ajude a enfrentar a tempestade com esperança e a
acreditar na vitória final de Deus e dos crentes (segunda parte – Ap.
4-22).
O
texto da primeira leitura de hoje pertence à primeira parte do livro.
Nele, apresenta-se – recorrendo à linguagem simbólica, pois é através
dos símbolos que melhor se expressa a realidade do mistério – o “Filho
do Homem”: é Ele o Senhor da história e Aquele através de quem Deus
revela aos homens o seu projeto.
MENSAGEM
Esse
“Filho do Homem” é Cristo ressuscitado. Para o descrever em pormenor, o
autor (um tal João, exilado na ilha de Patmos por causa do Evangelho)
vai recorrer a símbolos herdados do mundo vétero-testamentário que
sublinham, antes de mais, a divindade de Jesus.
O
texto que hoje a liturgia nos propõe não apresenta a descrição original
completa (faltam os versículos 14-16). Nos versículos que nos são
propostos, este “Filho do Homem” é apresentado como o Senhor que preside
à sua Igreja (no v. 12, os sete candelabros representam a totalidade da
Igreja de Jesus; recordar que o sete é o número que indica plenitude,
totalidade) e que caminha no meio dela e com ela (vers. 13a); Ele está
revestido de dignidade sacerdotal (a longa túnica, distintivo da
dignidade sacerdotal revela que Ele é, agora, o verdadeiro intermediário
entre Deus e os homens – v. 13b) e possui dignidade real (o cinto de
ouro, porque n’Ele reside a realeza e a autoridade sobre a história, o
mundo e a Igreja – v. 13c). Sobretudo, Ele é o Cristo do mistério
pascal: esteve morto, voltou à vida e é agora o Senhor da vida que
derrotou a morte (v. 18). A história começa e acaba n’Ele (v. 17b). Por
isso, os cristãos nada terão a temer.
A
João, Cristo ressuscitado confia a missão profética de testemunhar. O
fato de João cair por terra como morto e o fato de o Senhor o reanimar
com um gesto (v. 17) fazem-nos pensar em vários relatos de vocação
profética do Antigo Testamento. O “profeta” João é, pois, enviado às
igrejas; a sua missão é anunciar uma mensagem de esperança que permita
enfrentar o medo e a perseguição. Sobretudo, é chamado a anunciar a
todos os cristãos que Jesus ressuscitado está vivo, que caminha no meio
da sua Igreja e que, com Ele, nenhum mal nos acontecerá pois é Ele que
preside à história.
ATUALIZAÇÃO
•
Há muitas coisas e interesses que hoje são erigidos em deuses, que
recebem a nossa adoração, que nos desviam do essencial e que acabam por
nos destruir e escravizar. Que coisas são essas? É Jesus, vivo e
ressuscitado que está no centro das nossas vidas e das nossas
comunidades?
•
O medo aliena, escraviza, impede-nos de construir de forma positiva…
Temos consciência de que nada temos a temer porque Cristo, o Senhor da
história, caminha conosco?
•
Os homens de hoje, apesar de todas as descobertas e conquistas, têm,
muitas vezes, uma perspectiva pessimista que lhes envenena o coração e a
existência. Se a esperança está em crise, nós, testemunhas do
ressuscitado, temos uma proposta de novidade e de salvação a apresentar
ao mundo. Sentimo-nos profetas, enviados – como João – a anunciar uma
mensagem de esperança, a dar testemunho de Jesus ressuscitado e a dizer
que esse mundo novo já está a fazer-se?
Evangelho Jo 20,19-31 - AMBIENTE
Continuamos
na segunda parte do Quarto Evangelho, onde nos é apresentada a
comunidade da Nova Aliança. A indicação de que estamos no “primeiro dia
da semana” faz, outra vez, referência ao tempo novo, a esse tempo que se
segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova criação.
A
comunidade criada a partir da ação de Jesus está reunida no cenáculo,
em Jerusalém. Está desamparada e insegura, cercada por um ambiente
hostil. O medo vem do fato de não terem, ainda, feito a experiência de
Cristo ressuscitado.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto divide-se em duas partes bem distintas.
Na
primeira parte (cf. Jo 20,19-23), descreve-se uma “aparição” de Jesus
aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança e
fragilidade que dominava a comunidade (o “anoitecer”, “as portas
fechadas”, o “medo”), o autor deste texto apresenta Jesus “no centro” da
comunidade (v. 19b). Ao aparecer “no meio deles”, Jesus assume-Se como
ponto de referência, fator de unidade, a videira à volta da qual se
enxertam os ramos. A comunidade está reunida à volta d’Ele, pois Ele é o
centro onde todos vão beber a vida.
A
esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas trevas de um mundo
hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vs. 19 e 21: é o “shalom”
hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade, confiança).
Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu aquilo que os
assustava: a morte, a opressão, a hostilidade do “mundo”.
Depois
(v. 20a), Jesus revela a sua “identidade”: nas mãos e no lado
trespassado, estão os sinais do seu amor e da sua entrega. É nesses
sinais de amor e doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente
no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor
de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama, e do qual brotarão a água e
o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em
seguida (v. 22), Jesus “soprou sobre eles”. O verbo aqui utilizado é o
mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o
homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn.
2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite
aos discípulos a vida nova que fará deles homens novos. Agora, os
discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus, para poderem – como Jesus
– dar-se generosamente aos outros. É este Espírito que constitui e
anima a comunidade.
As
palavras de Jesus à comunidade contêm ainda uma referência à missão (v.
23). Os discípulos são enviados a prolongar o oferecimento de vida que o
Pai apresenta à humanidade em Jesus. Quem aceitar essa proposta de
vida, será integrado na comunidade; quem a rejeitar, ficará à margem da
comunidade de Jesus.
Na
segunda parte (cf. Jo 20,24-29), apresenta-se uma catequese sobre a fé.
Como é que se chega à fé em Cristo ressuscitado? João responde: podemos
fazer a experiência da fé em Jesus vivo e ressuscitado na comunidade
dos crentes, que é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de
Jesus. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está
fora) e que não faz caso do testemunho da comunidade nem percebe os
sinais de vida nova que nela se manifestam. Em lugar de se integrar e
participar da mesma experiência, pretende obter uma demonstração
particular de Deus.
Tomé
acaba, no entanto, por fazer a experiência de Cristo vivo no interior
da comunidade. Porquê? Porque, no “dia do Senhor”, volta a estar com a
sua comunidade. É uma alusão clara ao domingo, ao dia em que a
comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro com o
amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o
pão de Jesus partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.
A
experiência de Tomé não é exclusiva das primeiras testemunhas; mas
todos os cristãos de todos os tempos podem fazer esta mesma experiência.
ATUALIZAÇÃO
•
A comunidade cristã gira em torno de Jesus, constrói-se à volta de
Jesus e é d’Ele que recebe vida, amor e paz. Sem Jesus, estaremos secos e
estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude; sem Ele, seremos
um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma
atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos, em
conflito e não seremos uma comunidade de irmãos… Na nossa comunidade,
Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d’Ele
que tudo parte?
•
A comunidade tem de ser o lugar onde fazemos, verdadeiramente, a
experiência de Jesus ressuscitado. É nos gestos de amor, de partilha, de
serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo, a
transformar e a renovar o mundo. É isso que a nossa comunidade
testemunha? Quem procura Cristo encontra-O em nós?
•
Não é em experiências pessoais, íntimas, fechadas, egoístas que
encontramos Jesus ressuscitado; mas encontramo-l’O no diálogo
comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no amor que une os
irmãos em comunidade de vida. O que é que significa, para mim, a
Eucaristia?
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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