Na resposta ao chamado de Deus somos santificados
É muito comum, hoje, falar em “teste vocacional” com o intuito de
ajudar os jovens na descoberta de suas aptidões e escolha de uma
profissão. Ora, a palavra vocação, roubada do vocabulário religioso,
está aí mal empregada. “Vocação” deriva do latim vocatio, “chamado”.
Assim sendo, em sentido estrito, falar em vocação é falar não de algum trabalho ou profissão que eu escolho, mas de alguém que me chamou para algo.
Neste contexto, somente tem sentido falar-se em vocação como um
chamado de Deus a alguém para um determinado tipo de vida, para um
determinado ministério, e tudo isto no âmbito da Comunidade eclesial em
vista da construção do Reino de Deus. Assim, vocação é o chamado que
Deus nos faz à vida, vocação é o apelo que o Cristo nos faz pelo
Evangelho a crer e, recebendo o batismo, tornemo-nos discípulos seus na
vida cristã, no seio da Igreja. Vocação é ainda o lugar concreto que
ocupamos na vida da Igreja, com vistas ao testemunho de Cristo: a
vocação de leigo casado, de leigo solteiro no mundo, de leigo consagrado
pelos votos na vida religiosa ou de ministro ordenado, como Bispo,
padre ou diácono.
Vocação também, já num sentido bem mais amplo e menos próprio, são os
vários ministérios que podem ser assumidos na vida da Comunidade dos
discípulos, que é a Igreja. Então, para que se possa falar, em sentido
estrito, de um chamado, uma “vocatio”, é necessário recordar que não
somos nós quem escolhemos; é um Outro, o Senhor, quem nos chama! É ele
quem, livremente, toma a iniciativa. A vocação é um dom, uma graça, à
qual eu devo responder, não simplesmente segundo o meu capricho ou o
critério da minha satisfação pessoal, mas como um apelo e uma missão,
uma responsabilidade que Alguém deseja confiar-me.
Neste sentido, seria melhor chamar os testes que são feitos aí fora
de “testes profissionais” ou “testes de aptidões”, já que a escolha que
se vai fazer visa simplesmente à satisfação pessoal, à aptidão que
alguém possui e a busca do seu legítimo ganha-pão. Detenhamo-nos ainda
um pouco nesta idéia da vocação como chamado. Isto quer dizer tanto, tem
tantas implicações! Primeiramente, que não sou eu quem toma a
iniciativa, mas sou interpelado por um Outro, que me apela, impele e,
muitas vezes, compele, perturbando meu coração, exigindo e esperando uma
minha resposta. Em outras palavras: em questão de vocação, eu não
escolho, sou escolhido!
A vocação apresenta-se, então, como o mistério de um apelo, um
chamado, um convite, uma missão que me é dada, muitas vezes sem que eu
esperasse ou, em princípio, desejasse. Em segundo lugar, é uma realidade
que eu devo acolher e responder na fé, na busca da vontade do Senhor
que chama. O cristão, diante do chamado de Deus, sente que o Senhor lhe
confia uma missão e que, abraçando aquele caminho, ele está caminhando
com o Senhor e a serviço do Senhor. Isto vale para toda vocação cristã,
também para o matrimônio.
Aliás, quem dera que os casais cristãos compreendessem que sua vida
conjugal é uma resposta ao chamado do Senhor e um caminho belíssimo de
santificação e evangelização e não, simplesmente, uma busca de
auto-realização pessoal! Por isso mesmo, o discernimento vocacional não
deve ser feito com um psicólogo, mas com um(a) orientador(a) espiritual,
num contexto de oração, de escuta da Palavra de Deus, de participação
na vida da Comunidade eclesial e de celebração dos santos Sacramentos.
Em terceiro lugar, a vocação deve ser sempre pensada e vivenciada
como um serviço e não como um simples capricho meu para minha própria
satisfação e minha realização privada. O Senhor me chama para,
realizando-me e sendo feliz, construir o seu Reino. A vocação é um
mistério que acontece em nós, mas não é simplesmente para nós! Por isso
mesmo, toda vocação autêntica passa pelo discernimento da Comunidade
eclesial, isto é, da Igreja. Até mesmo a vocação matrimonial, pois que,
ao abençoar o matrimônio, a Igreja reconhece naquele casal o chamado de
Deus para a vida conjugal.
Um quarto aspecto muito importante: sendo um chamado, eu somente
posso viver minha vocação como uma resposta, isto é, como uma abertura
ao Senhor, uma resposta de fé e na fé, num contínuo diálogo com ele,
numa relação viva com Aquele que chamou, caso contrário, a vocação
morre, não porque o Senhor deixa de chamar-me, mas porque eu deixo de
ter a capacidade de ouvi-lo e viver minha vida como uma resposta! Sem
este clima de constante diálogo, sem viver minha vocação como resposta
ao dom-chamado de Deus, minha vocação torna-se somente um “fazer”, uma
profissão! Mais um aspecto importante: o sucesso na vida do vocacionado
não pode ser medido pelo que ele faz, por suas realizações, mas
unicamente por sua fidelidade Àquele que o chamou: somos chamados não
para fazer sucesso, mas para sermos fiéis, não para aparecermos grandes
aos olhos dos outros e do mundo, mas para permanecermos atentos Àquele
que se dignou nos escolher.
Finalmente, um último aspecto: se a vocação é iniciativa do Senhor,
se é ele quem chama, se é ele quem toma a iniciativa, ele quem escolhe –
e somente ele sabe porque chama a mim, precisamente -, então responder
ao chamado, exige de mim disponibilidade para o inesperado de sua
vontade em minha vida. Em outras palavras: quando escolho minha
profissão, caminho por onde quero, faço o que quero, quando e como
quero; porém, quando digo sim a uma vocação, devo colocar-me ao inteiro
dispor daquele que me chamou, deixando-me conduzir para a terra que ele
me mostrará, caminhando como se visse o invisível, entregando-lhe a
direção dos meus passos.
A vocação é, pois, um mistério de encontro e de liberdade, entre o
Deus que chama e aquele que é chamado. O caminho do discernimento
vocacional é, pois, um caminho de fé e só na fé pode ser empreendido.
Esquecer isso é confundir vocação com profissão, é reduzir o ser
vocacionado com o fazer coisas e terminar dizendo sim somente a si mesmo
e aos seus interesses, condenando-se a si próprio a ser um frustrado,
uma caricatura por toda a vida.
Sandro BN
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