sábado, 13 de abril de 2013

III DOMIINGO DE PÁSCOA - JESUS APARECEU AOS PESCADORES.

A liturgia deste 3º domingo do tempo pascal recorda-nos que a comunidade cristã tem por missão testemunhar e concretizar o projeto libertador que Jesus iniciou; e que Jesus, vivo e ressuscitado, acompanhará sempre a sua Igreja em missão, vivificando-a com a sua presença e orientando-a com a sua Palavra.
A primeira leitura apresenta-nos o testemunho que a comunidade de Jerusalém dá de Jesus ressuscitado. Embora o mundo se oponha ao projeto libertador de Jesus testemunhado pelos discípulos, o cristão deve antes obedecer a Deus do que aos homens.
A segunda leitura apresenta Jesus, o “cordeiro” imolado que venceu a morte e que trouxe aos homens a libertação definitiva; em contexto litúrgico, o autor põe a criação inteira a manifestar diante do “cordeiro” vitorioso a sua alegria e o seu louvor.
O Evangelho apresenta os discípulos em missão, continuando o projeto libertador de Jesus; mas avisa que a ação dos discípulos só será coroada de êxito se eles souberem reconhecer o Ressuscitado junto deles e se deixarem guiar pela sua Palavra.
1ª leitura: Atos 5,27b-32.40b-41 - AMBIENTE
Entre 2,1 e 8,3, o Livro dos Atos apresenta o testemunho da Igreja de Jerusalém acerca de Jesus. Os comentadores costumam chamar aos capítulos 3-5 a “secção do nome”, pois eles incidem no anúncio do “nome” de Jesus (cf. At. 3,6.16;4,7.10.12.30;5,28.41), isto é, do próprio Jesus (o “nome” era uma apelação com que os judeus designavam o próprio Deus; designar Jesus dessa forma equivalia a dizer que Ele era “o Senhor”). Esse anúncio, feito em condições de extrema dificuldade (por causa da oposição dos líderes judeus), é, sobretudo, obra dos apóstolos.
No texto que nos é proposto, apresenta-se o testemunho de Pedro e dos outros apóstolos acerca de Jesus. Presos e miraculosamente libertados (cf. Act 5,17-19), os apóstolos voltaram ao Templo para dar testemunho de Cristo ressuscitado (cf. Act 5,20-25). De novo presos, conduzidos à presença da suprema autoridade religiosa da nação (o Sinédrio) e formalmente proibidos de dar testemunho de Jesus, os apóstolos responderam apresentando um resumo do kerigma primitivo.
MENSAGEM
A questão principal gira à volta do confronto entre o cristianismo nascente e as autoridades judaicas. A frase de Pedro “deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens” (v. 29) deve ser vista como o tema central; define a atitude que os cristãos são convidados a assumir diante da oposição do mundo.
Quanto ao resumo doutrinal dos vs. 30-32, ele não apresenta grandes novidades doutrinais em relação a outras formulações do kerigma primitivo acerca de Jesus (apresentado de forma mais desenvolvida em At. 2,17-36, 3,13-26 e 10,36-43): morte na cruz, ressurreição, exaltação à direita de Deus, a sua apresentação como salvador e o testemunho dos apóstolos por ação do Espírito. Neste contexto, apenas se acentua – mais do que noutras formulações – a responsabilidade do Sinédrio no escândalo da cruz e a contraposição entre a ação de Deus e a ação das autoridades judaicas em relação a Jesus.
De resto, a oposição humana põe em relevo a realidade sobre-humana da mensagem, a sua força que não pode ser detida e o dinamismo dessa comunidade animada pelo Espírito. Se Jesus encontrou oponentes e morreu na cruz, é natural que os apóstolos, fiéis a Jesus e ao seu projeto, se defrontem com a oposição desses mesmos que mataram Jesus. No entanto, os verdadeiros seguidores do projeto de Jesus – animados pelo Espírito – estão mais preocupados com a fidelidade ao “caminho” de Jesus do que às ordens ou interesses dos homens – mesmo que sejam os que mandam no mundo.
ATUALIZAÇÃO
Para refletir e atualizar a Palavra, considerar os seguintes dados:
• A proposta de Jesus é uma proposta libertadora, que não se compadece nem pactua com esquemas egoístas, injustos, opressores. É uma mensagem questionante, transformadora, revolucionária, que põe em causa tudo o que gera injustiça, morte, opressão; por isso, é uma proposta que é rejeitada e combatida por aqueles que dominam o mundo e que oprimem os débeis e os pobres. Isto explica bem porque é que o testemunho sobre Jesus (se é coerente e verdadeiro) não é um caminho fácil de glória, de aplausos, de honras, de popularidade, mas um caminho de cruz. Não temos, portanto, que nos admirar se a mensagem que propomos e o testemunho que damos não encontram eco entre os que dominam o mundo; temos é de nos questionar e de nos inquietar se não somos importunados por aqueles que oprimem e que escravizam os irmãos: isso quererá dizer que o nosso testemunho não é coerente com a proposta de Jesus.
• Qual a nossa atitude, em concreto, diante daqueles que “assassinam” a proposta de Jesus e que constroem um mundo de onde a lógica de Deus está ausente: é de medo, de fraqueza, de submissão, ou de denúncia firme, corajosa e desassombrada? Para nós, o que é mais importante: obedecer a Deus ou aos homens?
2ª leitura: Ap. 5,11-14 - AMBIENTE
A segunda parte do Livro do Apocalipse (cap. 4-22) apresenta-nos aquilo que poderíamos chamar “uma leitura profética da história”: o autor vai apresentar a história humana numa perspectiva de esperança, demonstrando aos cristãos perseguidos pelo império que não há nada a temer pois a vitória final será de Deus e dos que se mantiverem fiéis aos projetos de Deus.
O texto que nos é proposto faz parte da visão inicial, onde o “profeta” João nos apresenta as personagens centrais que vão intervir na história humana: Deus, transcendente e onipotente, sentado no seu trono, rodeado pelo Povo de Deus e por toda a criação (cf. Ap. 4,1-11); depois, o “livro” onde, simbolicamente, está o desígnio de Deus acerca da humanidade (cf. Ap. 5,1-4); finalmente, é-nos apresentado “o cordeiro” (Jesus), aquele que detém a totalidade do poder (“sete cornos”) e do conhecimento (“sete olhos”); só ele é digno de ler o livro (ou seja, de revelar, de proclamar, de concretizar para os homens o projeto divino de salvação).
MENSAGEM
A personagem fundamental deste pequeno extrato que nos é proposto como segunda leitura é “o cordeiro”. É um símbolo usado pelo autor do Livro do Apocalipse para falar de Jesus.
O símbolo do “cordeiro” é um símbolo com uma grande densidade teológica, que concentra e evoca três figuras: a do “servo de Jahwéh” – figura de imolação – que, qual manso cordeiro é levado ao matadouro (Is. 53,6-7; cf. Jr. 11,19; At. 8,26-38); a do “cordeiro pascal” – figura de libertação – cujo sangue foi sinal eficaz de vitória sobre a escravidão (Ex. 12,12-13.27;24,8; cf. Jo 1,29; 1Cor. 5,7; 1Pe. 1,18-19); e a do “cordeiro apocalíptico” – figura de poder real – vencedor da morte (esta imagem é característica da literatura apocalíptica, onde aparece um cordeiro vencedor, guia do rebanho, dotado de poder e de autoridade real – cf. 1º livro de Henoc, 89,41-46; 90,6-10.37; Testamento de José, 19,8; Testamento de Benjamim, 3,8; Targum de Jerusalém sobre Ex. 1,5). O autor do Apocalipse apresenta, portanto, de uma maneira original e sintética, a plenitude do mistério de imolação, de libertação e de vitória régia, que corresponde a Cristo morto, ressuscitado e glorificado.
O “cordeiro” (Cristo) é entronizado: ele assumiu a realeza e sentou-se no próprio trono de Deus. Aí, recebe todo o poder e glória divina. A entronização régia de Cristo, ponto culminante da aventura divino-humana de Jesus, desencadeia uma verdadeira torrente de louvores: dos viventes, dos anciãos (vs. 5-8) e dos anjos (vs. 11-12). E todas as criaturas (v. 13), a partir dos lugares mais esconsos da terra, juntam a sua voz ao louvor. O Templo onde ressoam estas incessantes aclamações alargou as suas fronteiras e tem, agora, as dimensões do mundo. É uma liturgia cósmica, na qual a criação inteira celebra o Cristo imolado, ressuscitado, vencedor e faz dele o centro do “cosmos”.
ATUALIZAÇÃO
• A mensagem final do Livro do Apocalipse pode resumir-se na frase: “não tenhais medo, pois a vossa libertação está a chegar”. É uma mensagem “eterna”, que revigora a nossa fé, que renova a nossa esperança e que fortalece a nossa capacidade de enfrentar a injustiça, o egoísmo, o sofrimento e o pecado. Diante deste “cordeiro” vencedor, que nos trouxe a libertação, os cristãos vêem renovada a sua confiança nesse Deus salvador e libertador em quem acreditam.
• Esta “liturgia” celebra Cristo, aquele que venceu a morte, que ressuscitou, que nos apresentou o plano libertador de Deus em nosso favor e que, hoje, continua a dar sentido aos nossos dramas e aos nossos sofrimentos, a iluminar a história humana com a luz de Deus. Ele é, de fato (como esta liturgia no-lo apresenta), o centro, a referência fundamental à volta do qual tudo se constrói? Temos consciência desta centralidade de Cristo na nossa experiência de fé? Manifestamos a nossa gratidão, unindo a nossa voz ao louvor da criação inteira?
 
Evangelho: Jo 21,1-19 - AMBIENTE
O último capítulo do Evangelho segundo João não faz parte da obra original (a obra original terminava com a conclusão de 20,30-31); é um texto acrescentado posteriormente, que apresenta diferenças de linguagem, de estilo e mesmo de teologia, em relação aos outros vinte capítulos. A sua origem não é clara; no entanto, a existência de alguns traços literários tipicamente joânicos poderia fazer-nos pensar num complemento redigido pelos discípulos do evangelista.
Neste capítulo, já não se referem notícias sobre a vida, a morte ou a ressurreição de Jesus. Os protagonistas são, agora, um grupo de discípulos, dedicados à atividade missionária. O autor descreve a relação que esta “comunidade em missão” tem com Jesus, reflete sobre o lugar de Jesus na atividade missionária da Igreja e assinala quais as condições para que a missão dê frutos.
MENSAGEM
O texto está claramente dividido em duas partes.
A primeira parte (vs. 1-14) é uma parábola sobre a missão da comunidade. Utiliza a linguagem simbólica e tem caráter de “signo”.
Começa por apresentar os discípulos: são sete. Representam a totalidade (“sete”) da Igreja, empenhada na missão e aberta a todas as nações e a todos os povos.
Esta comunidade é apresentada a pescar: sob a imagem da pesca, os evangelhos sinópticos representam a missão que Jesus confia aos discípulos (cf. Mc. 1,17; Mt. 4,19; Lc. 5,10): libertar todos os homens que vivem mergulhados no mar do sofrimento e da escravidão. Pedro preside à missão: é ele que toma a iniciativa; os outros seguem-no incondicionalmente. Aqui faz-se referência ao lugar proeminente que Pedro ocupava na animação da Igreja primitiva.
A pesca é feita durante a noite. A noite é o tempo das trevas, da escuridão: significa a ausência de Jesus (“enquanto é de dia, temos de trabalhar, realizando as obras daquele que Me enviou: aproxima-se a noite, quando ninguém pode trabalhar; enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo” – Jo 9,4-5). O resultado da ação dos discípulos (de noite, sem Jesus) é um fracasso rotundo (“sem Mim, nada podeis fazer” – Jo 15,5).
A chegada da manhã (da luz) coincide com a presença de Jesus (Ele é a luz do mundo). Jesus não está com eles no barco, mas sim em terra: Ele não acompanha os discípulos na pesca; a sua ação no mundo exerce-se por meio dos discípulos.
Concentrados no seu esforço inútil, os discípulos nem reconhecem Jesus quando Ele Se apresenta. O grupo está desorientado e decepcionado pelo fracasso, posto em evidência pela pergunta de Jesus (“tendes alguma coisa de comer?”). Mas Jesus dá-lhes indicações e as redes enchem-se de peixes: o fruto deve-se à docilidade com que os discípulos seguem as indicações de Jesus. Acentua-se que o êxito da missão não se deve ao esforço humano, mas sim à presença viva e à Palavra do Senhor ressuscitado.
O surpreendente resultado da pesca faz com que um discípulo o reconheça. Este discípulo – o discípulo amado – é aquele que está sempre próximo de Jesus, em sintonia com Jesus e que faz, de forma intensa, a experiência do amor de Jesus: só quem faz essa experiência é capaz de ler os sinais que identificam Jesus e perceber a sua presença por detrás da vida que brota da ação da comunidade em missão.
Os pães com que Jesus acolhe os discípulos em terra são um sinal do amor, do serviço, da solicitude de Jesus pela sua comunidade em missão no mundo: deve haver aqui uma alusão à Eucaristia, ao pão que Jesus oferece, à vida com que Ele continua a alimentar a comunidade em missão.
O número dos peixes apanhados na rede (153) é de difícil explicação. É um número triangular, que resulta da soma dos números um a dezessete. O número dezessete não é um número bíblico… Mas o dez e o sete são: ambos simbolizam a plenitude e a universalidade. Outra explicação é dada por são Jerônimo… Segundo ele, os naturalistas antigos distinguiam 153 espécies de peixes: assim, o número faria alusão à totalidade da humanidade, reunida na mesma Igreja. Em qualquer caso, significa totalidade e universalidade.
Na segunda parte do texto (vs. 15-19), Pedro confessa por três vezes o seu amor a Jesus (durante a paixão, o mesmo discípulo negou Jesus por três vezes, recusando dessa forma “embarcar” com o “mestre” na aventura do amor que se faz dom). Pedro – recordemo-lo – foi o discípulo que, na última ceia, recusou que Jesus lhe lavasse os pés porque, para ele, o Messias devia ser um rei poderoso, dominador, e não um rei de serviço e de dom da vida. Nessa altura, ao raciocinar em termos de superioridade e de autoridade, Pedro mostrou que ainda não percebera que a lei suprema da comunidade de Jesus é o amor total, o amor que se faz serviço e que vai até à entrega da vida. Jesus disse claramente a Pedro que quem tem uma mentalidade de domínio e de autoridade não tem lugar na comunidade cristã (cf. Jo 13,6-9).
A tríplice confissão de amor pedida a Pedro por Jesus corresponde, portanto, a um convite a que ele mude definitivamente a mentalidade. Pedro é convidado a perceber que, na comunidade de Jesus, o valor fundamental é o amor; não existe verdadeira adesão a Jesus, se não se estiver disposto a seguir esse caminho de amor e de entrega da vida que Jesus percorreu. Só assim Pedro poderá “seguir” Jesus (cf. Jo 21,19).
Ao mesmo tempo, Jesus confia a Pedro a missão de presidir à comunidade e de a animar; mas convida-o também a perceber onde é que reside, na comunidade cristã, a verdadeira fonte da autoridade: só quem ama muito e aceita a lógica do serviço e da doação da vida poderá presidir à comunidade de Jesus.
ATUALIZAÇÃO
• A mensagem fundamental que brota deste texto convida-nos a constatar a centralidade de Cristo, vivo e ressuscitado, na missão que nos foi confiada. Podemos esforçar-nos imenso e dedicar todas as horas do dia ao esforço de mudar o mundo; mas se Cristo não estiver presente, se não escutarmos a sua voz, se não ouvirmos as suas propostas, se não estivermos atentos à Palavra que Ele continuamente nos dirige, os nossos esforços não farão qualquer sentido e não terão qualquer êxito duradouro. É preciso ter a consciência nítida de que o êxito da missão cristã não depende do esforço humano, mas da presença viva do Senhor Jesus.
• É preciso ter, também, a consciência da solicitude e do amor do Senhor que, continuamente, acompanha os nossos esforços, os anima, os orienta e que conosco reparte o pão da vida. Quando o cansaço, o sofrimento, o desânimo tomarem posse de nós, Ele lá estará, dando-nos o alimento que nos fortalece. É necessário ter consciência da sua constante presença, amorosa e vivificadora ao nosso lado e celebrá-la na Eucaristia.
• A figura do “discípulo amado”, que reconhece o Senhor nos sinais de vitalidade que brotam da missão comunitária, convida-nos a ser sensíveis aos sinais de esperança e de vida nova que acontecem à nossa volta e a ler neles a presença salvadora e vivificadora do Ressuscitado. Ele está presente, vivo e ressuscitado, em qualquer lado onde houver amor, partilha, doação que geram vida nova.
• O diálogo final de Jesus com Pedro chama a atenção para uma dimensão essencial do discipulado: “seguir” o “mestre” é amá-l’O muito e, portanto, ser capaz de, como Ele, percorrer o caminho do amor total e da doação da vida.
• Na comunidade cristã, o essencial não é a exibição da autoridade, mas o amor que se faz serviço, ao jeito de Jesus. As vestes de púrpura, os tronos, os privilégios, as dignidades, os sinais de poder favorecem e tornam mais visível o essencial (o amor que se faz serviço), ou afastam e assustam os pobres e os débeis?

P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

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