O
que o homem moderno precisa compreender é simplesmente que toda a
argumentação começa com uma afirmação ponto-de-partida; isto é, com algo
de que não se duvida.
Pode-se, é claro, duvidar da afirmação base, mas, nesse caso, já estaria dando início a outra argumentação diferente, propondo que se parta de outra suposição. Todo
argumento inicia por um dogma infalível, e esse dogma absoluto, por sua
vez, só pode ser discutido, se recorrermos a outro dogma infalível:
nunca se pode provar o primeiro ponto-de-partida (senão não seria
ponto-de-partida).
Este é o be-a-bá do raciocínio
lógico. E tem esta vantagem especial de que pode ser ensinado na escola,
como qualquer outro be-a-bá. Não dar início a qualquer discussão sem antes declarar abertamente os postulados de cada um,
é uma regra a ser ensinada tanto na filosofia, quanto na matemática de
Euclides, ou em qualquer aula comum, usando giz e lousa. E penso que
esse princípio poderia ser ensinado de forma simples e racional até
mesmo ao jovem, antes de aventurar-se pelo mundo, à mercê da “lógica” e
da filosofia imposta pela mídia.
Muitas
das desorientações e dúvidas no campo religioso, surgem pelo fato de os
céticos de hoje começarem sempre, falando sobre tudo aquilo em que eles
não acreditam. Mas, mesmo de um cético, o que queremos saber
primeiro é em que ele realmente acredita. Antes de começar a discutir, é
preciso saber o que é que não se discute. Essa confusão aumenta
infinitamente pelo fato de que todos os céticos de nosso tempo são
céticos em diferentes graus dessa dissolução que é o ceticismo.
Agora, nós temos (espero), uma
vantagem sobre todos esses novos filósofos sabidos: mantemo-nos em sã
consciência. Acreditamos que existe, de fato, a catedral de São Paulo; e
grande parte de nós acredita em São Paulo. É
preciso deixar bem claro que acreditamos em muitas coisas que, embora
façam parte de nossa existência, não podem ser demonstradas. Nem é
preciso meter religião na história. Diria até que todos os homens de
bom senso, acreditam firme e invariavelmente em umas quantas coisas que
não foram provadas e que nem sequer podem ser provadas.
De forma resumida, são elas:
(1) todo
ser humano em sã consciência acredita que o mundo e as pessoas ao redor
dele são reais e não um produto da sua imaginação ou de um sonho.
Ninguém começa a incendiar Londres, se está convencido de que seu
criado logo o acordará para o café da manhã. Mas não temos provas, em
nenhum momento, de que tudo não passa de um sonho. Que algo exista além
de mim é uma afirmação que não está comprovada (nem se pode comprovar…).
(2) Todo homem em sã consciência, acredita não somente que este mundo existe, mas também que ele tem importância.
Todo homem acredita que há, em nós, um tipo de obrigação de nos
interessarmos por esta visão da vida. Não concordaria com alguém que
dissesse, “Eu não escolhi esta farsa e ela me aborrece. Fiquei sabendo
que uma senhora idosa está sendo assassinada no andar de baixo, mas eu
vou é dormir “. O fato de que há um dever de melhorar coisas não feitas
por nós é algo que não foi provado e não se pode provar.
(3) Todos os homens em sã consciência acreditam que existe uma certa coisa chamada eu, self ou ego e
que é contínua. Não há nenhum centímetro de meu cérebro igual ao que
era há dez anos atrás. Mas se eu salvei a vida de um homem numa batalha
há dez anos atrás, fico orgulhoso; se me acovardei, sinto-me
envergonhado. A existência desse “eu” axial nunca foi comprovada e não
pode ser comprovada. Trata-se de uma questão mais do que “improvável” e
que é muito debatida entre os metafísicos.
(4) Finalmente, a maioria dos
homens em sã consciência acredita, e todos o admitem na prática, que têm
um poder de escolha e responsabilidade por suas ações.
Seguramente é possível elaborar
algumas afirmações simples como as acima, para que as pessoas possam
saber a que se ater. E se os jovens do futuro não vão ter formação em
religião, pode-se-lhes ensinar, pelo menos, de forma clara e firme, um
pouco de bom senso, três ou quatro certezas do pensamento humano livre.
1. “- Lógica, disse o professor para si mesmo. – Por que não ensinam mais lógica nas escolas” (C.S. Lewis, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. São Paulo: Martins Fontes, 1997,p. 50) e, no final da história, o professor comenta novamente, agora em alto e bom tom:
” – Céus! O que é que estão ensinando às crianças na escola?” (Idem, p. 180).
Fonte: Chesterton Brasil
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