domingo, 1 de setembro de 2013

XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM - QUEM SE ELEVA, SERÁ HUMILHADO.

Primeira leitura: Eclesiástico 3,19-21.30-31
 
DOÇURA E HUMILDADE: DUREZA DO CORAÇÃO
 
Este livro faz parte da bíblia grega. Não aparece no cânon hebraico e, portanto, é um livro deuterocanônico aceito pela Igreja católica. Originalmente foi escrito em hebraico, do qual foram recuperados aproximadamente três terços. Foi escrito aproximadamente no ano 190-180 a.C. por Jesus Ben Sirac. Possui um gênero sapiencial e trata de diferentes temas sem uma ordem estabelecida. 
 
A razão disso é que no início do século II a.C. os hebreus passaram do domínio dos Ptolomeus (Egito) para o dos Selêucidas (Síria), os quais, a fim de reduzir os conflitos externos a que o império estava exposto, promoveram uma política de assimilação e procuraram impor aos povos dominados a cultura, a religião e os costumes gregos. Era um imperialismo cultural, que começou a ameaçar e destruir a identidade cultural e religiosa dos judeus. Entre os judeus surgiu uma corrente disposta a se abrir ao espírito grego, desejando adaptar o judaísmo a uma civilização mais universal. Outra ala, porém, se opôs a isso, procurando salvaguardar a vocação e a fé de Israel.
Diante disto, Ben Sirac escreveu este livro, uma espécie de meditação sobre a fidelidade hebraica, procurando reavivar a memória e a consciência histórica do seu povo, a fim de mostrar sua identidade própria e o valor perene de suas tradições. O texto original hebraico desapareceu no século XI a.C. e foi recuperado em parte em 1900 nas grutas de Qunran.
 
O tema do nosso texto situa-se no contexto do imperialismo cultural selêucida. De fato, o texto coloca frente a frente duas atitudes: a dos “humildes” dominados e a dos “orgulhosos” que tentam impor sua religião, cultura e costumes. O autor exorta a comportar-se com humildade, mansidão e docilidade, pois o Senhor gosta daqueles que não se ensoberbecem com seu ranking social. Fazer-se pequeno é confiar em Deus. São pessoas desse tipo que Deus glorifica (Lucas 1,48-49). Por que considerar-se grande? Só Deus é grande (v.20). Portanto, fazer-se pequeno é reconhecer a grandeza de Deus, pois o orgulho decorre da auto-suficiência, criando um deus à sua imagem e semelhança. O orgulhoso se absolutiza, assim como absolutiza coisas, culturas etc. A verdadeira humildade consiste em reconhecer-se limitado, e isto é condição para obter a graça de Deus.
Por fim, o autor convida o povo a valorizar os provérbios sábios, pois estes dão força aos humildes para conseguir a fé. Destaca também a possibilidade de os homens apagarem seus pecados, mediante gestos concretos de atenção aos pobres. Isto evidencia que o pecado, além de ser uma ruptura com Deus, é também uma ruptura com o próximo. Restaurando-se o equilíbrio com o próximo, restaura-se também o equilíbrio com Deus.
 
Segunda leitura: Hebreus 12,18-19.22-24a
 
AS DUAS ALIANÇAS
 
Esta carta é dirigida aos cristãos que perderam o sentido da vocação cristã. É dirigida, portanto, a um grupo de cristãos em crise. Nela, o autor explicita a superioridade da nova Aliança sobre a velha. Esclarece o modo como Israel experimentou Deus no passado: ele fez experiência de um Deus distante, e na Aliança do Sinai o povo não pôde se aproximar da montanha. Mas, por meio da morte e ressurreição de Jesus, o povo se aproximou da Jerusalém celeste. Em Jesus Deus tornou-se íntimo dos homens.
Nos versículos 18-19 o autor, usando expressões do Êxodo e do Deuteronômio, evoca a Aliança do Sinai, faz uma descrição rica em elementos teofânicos que significam a presença de Deus, uma presença percebida como terrificante. O autor usa imagens veterotestamentárias, mais acessíveis aos destinatários, para poder descrever a novidade cristã (montanha santa, cidade de Deus, Jerusalém celeste, anjos...). O monte Sião era a parte mais alta da Jerusalém davídica, a Acrópole, o lugar que Javé havia escolhido para morar com o seu povo (Salmo 48,2-4).
Em suma, para o autor havia dois modos de experimentar Deus:
- um do passado no deserto, onde Deus se mostrou no Sinai;
- outro por meio de Jesus Cristo, que veio morar em nosso meio. Jesus faz dos cristãos uma assembléia de primogênitos, ou seja, de consagrados, cujos nomes estão inscritos nos céus.
 
Evangelho: Lucas 14,1.7-14
 
LIÇÃO DE HUMILDADE: ESCOLHER O ÚLTIMO LUGAR
 
O texto destaca uma conversa sapiencial de Jesus com os fariseus. Era um sábado, dia marcado pela piedade judaica, dia sagrado para ser dedicado a Deus (culto, orações, estudo da Lei...), e entre os convidados deste homem de posse estavam pessoas selecionadas. Na cena, como que por encanto, apareceu um hidrópico e com ele apresentou-se o problema da legitimidade ou não de estar no banquete festivo, pois a doença era sempre um sinal da maldição de Deus e por isso causa de rejeição (Levítico 21,16-24).
 
Jesus se encontrava no banquete como convidado de honra e observou o modo como alguns se colocavam ao lado do dono da festa (v.7). Era costume entre os fariseus reivindicar os primeiros lugares como intérpretes da lei, o que os equiparava a Deus (Lucas 11,43; 2,46). Como todos o estivessem observando, Jesus propôs uma parábola, que na prática foi uma lição de humildade. Nela destacou a necessidade de se ocupar os últimos lugares. Parece ser uma recomendação de etiqueta para as grandes ocasiões. Na prática, as condições de acesso aos banquetes (abaixar-se para ser elevado) são as mesmas para fazer parte do Reino de Deus: exige-se conversão, troca do modo de pensar. Por fim, Jesus dá um conselho às elites sobre como fazer para entrar na dinâmica do Reino.
Na primeira parte do texto há um ensinamento sapiencial que se conclui com a frase: “Quem se exalta será humilhado”. Na segunda parte o ensinamento diz respeito aos pobres, os quais, quando agraciados e não tendo como retribuir, obtêm que Deus dê o prêmio pelo bem que receberam.
 
O ensinamento deste texto nos remete ao texto de Provérbios 25,6-7. É um ensinamento de caráter sapiencial que exprime a necessidade de se ter uma atitude interior de humildade. O ensinamento de Jesus nesta parábola não é formalizado de tal maneira que, ao chegar a uma refeição, a pessoa deva logo escolher um lugar inferior àquele que lhe cabe com o objetivo de ser chamada para frente. Comportar-se assim seria um formalismo que estimularia o orgulho e não a humildade. Ele deve ser tomado como uma exortação que se dirige ao coração e se traduz em atitude concreta, pois Jesus falava ao ver a atitude dos fariseus soberbos e orgulhosos. Por isso Jesus disse: “Aquele que for o maior entre vocês se humilhe” (Mateus 23,11-12; Ezezquiel 17,24; 21,31; Tiago 4,10) .
 
O conselho de Jesus é para que as lideranças entrem na dinâmica do Reino e não para que dêem com o objetivo de receber em troca, pois o Reino de Deus não é comércio, mas possui relações de solidariedade e gratuidade.
De fato, no tempo de Jesus os aleijados, os cegos, os doentes, os leprosos... eram discriminados devido a suas condições físicas. Mas a nova dinâmica inaugurada por Jesus inverteu as posições, privilegiando os pobres, embora o Deuteronômio (14,28-29) estipulasse que no fim de cada triênio devessem ser reservados dez por cento aos pobres e Tobias, no capítulo 2,1-2, também apresentasse este exemplo de solidariedade.
Na dinâmica do Reino, a temática da humildade é a manifestação da verdadeira grandeza do homem. Não se trata de uma regra de boa educação, mas de indicações pertinentes ao relacionamento com Deus e com os outros.
 
REFLEXÃO
 
A primeira leitura deste domingo nos ensina que a humildade se contrapõe ao orgulho, pois o humilde é sábio e quem pratica esta virtude obtém a benevolência de Deus e a estima dos homens, porque o humilde se abre para Deus e para os homens. A humildade, tida como sabedoria, é proclamada no Magnificat e nas palavras e ações de Jesus, que veio para servir, lavando os pés dos discípulos.
 
Santo Agostinho dizia em seu 59º Sermão: “Você quer ser grande de verdade? Comece a ser bem pequeno. Você pensa em edificar um edifício da maior altura? Comece colocando o fundamento da humildade”.
A humildade consiste em ser pequeno. Deus não é pequeno, nem se sente pequeno, mas se fez pequeno (kenosis), e fez isso não por interesse, mas para servir. Portanto, a humildade é basilar. Quando ela falta ao nosso edifício cristão, falta o fundamento.
 
A humildade e a mansidão parecem virtudes monásticas, porém Ben Sirac as recomenda a todos. Não é uma escolha facultativa, mas uma exigência para todos, e as leituras de hoje nos oferecem uma reflexão aprofundada sobre esta virtude. Pascal dizia: “Jesus Cristo é um Deus de quem se aproxima sem orgulho e sob o qual se humilha sem desespero”. E Santo Agostinho dizia que o “homem é um mendigo de Deus: precisamos reconhecer que não somos nada e que Deus é tudo”. Também Popini disse que “o homem, para elevar-se, deve colocar-se de joelhos”. E Tomás de Aquino buscava o segredo da humildade em três condições:
01) tudo o que recebemos de bom vem de Deus;
02) outros em nosso lugar e com as graças que recebemos teriam progredido muito mais;
03) se nos fossem concedidos somente os dons que muitos de nossos irmãos receberam, estaríamos muito mais atrás deles.
 
Ruisbroek, o maior e mais agudo místico alemão, que é colocado em cena por Goethe na segunda parte do Fausto, assumiu em seu mosteiro a função de carregar estrumes. Muita gente ilustre vinha procurá-lo e o encontrava no estábulo ou com um balaio de estrume nas mãos. Ele tinha esta máxima: “A alma que não procura honrarias se eleva na mais alta adoração”.
Bloon descreve a humildade a partir de sua base etimológica: o termo latino hummus quer dizer terra fértil. A humildade é a condição da terra. Ela está sempre ali e é pisada por todos. A terra é o lugar que recolhe todo tipo de rejeição, de resto. Está ali silenciosa, aceita tudo e transforma em riqueza todo lixo em decomposição. Consegue inclusive transformar o que é corruptível em vida nova, é receptiva ao sol e à chuva, está pronta a receber qualquer semente...
 
No Evangelho de hoje Jesus nos propõe duas atitudes para ter o Reino de Deus: a humildade e o amor desinteressado ao próximo. Na primeira parte da parábola, Jesus propõe aos convidados não uma simples norma de educação ou um estratagema para ser bem visto, mas uma atitude religiosa que diz respeito ao lugar no banquete do Reino. A segunda parte do Evangelho é uma instrução do fariseu que convidou Jesus para a refeição na qual Jesus explicitou que a escolha dos convidados deve excluir o cálculo interesseiro, porque a dinâmica do Reino é o amor sem fatura. Ele ensinou categoricamente: “Todo aquele que se eleva será rebaixado e aquele que se rebaixa será exaltado” (Lucas 14,11).
 
Para o exegeta J. Jeremias, a origem deste dito (loguion) de Cristo é provavelmente um provérbio do rabino Hallel (por volta do ano 20 a.C.), mas o enfoque que Jesus lhe dá se converte em “um sinal escatológico que tem em vista o banquete celestial e chama a renunciar, diante de Deus, à própria justiça e convida à humildade, à estima de si mesmo”. A insistência com que este dito de Jesus se repete parece indicar que era uma das normas de vida nas comunidades apostólicas do início.
Humildade deriva do latim “humilis”, que por sua vez provém de “hummus” (terra). Humilde é, portanto, aquele que se move perto da terra. É aquele que reconhece com sabedoria a distância que o separa do seu criador. Jesus nos mostra hoje a prática através do reconhecimento de nossas limitações, da partilha com os demais.
 
Para os homens, o primeiro lugar sempre atrai o olhar e o desejo de todos, porque o êxito dos vencedores se converteu em padrão de conduta. Os próprios discípulos de Jesus ambicionaram os primeiros lugares no reino messiânico político de Jesus. Porém Jesus se humilhou com seu próprio exemplo, escolhendo o último lugar, por isso foi exaltado (Filipenses 2,6ss.)
Uma conduta humilde no estilo de Jesus é incômoda e chocante, indigna do homem atual que idolatra sua própria imagem, sua autonomia, prestígio, dignidade. Infelizmente, todos nós temos o mesmo pensamento. Ninguém quer ser o último da fila e não entra em nossa cabeça que a humildade é uma atitude religiosa mais própria do homem diante de Deus. Ela não o diminui, mas o coloca em seu lugar. É o estilo mais social que possibilita a relação humana em alteridade com seus semelhantes. Mas, para entender isso, precisamos ser “pobres de espírito” diante de Deus, ou seja, vazios de nós mesmos para podermos ser plenos dele.
A humildade não deve ser apenas uma disposição pessoal, mas também social e eclesial, pois a convivência humana não se constrói sobre interesses individuais, mas sobre relacionamentos fraternos entre iguais.
 
O ensinamento de Jesus sobre a humildade na parábola de hoje nos lembra a necessidade de ocuparmos nosso lugar, de evitarmos que a ambição nos cegue e nos leve a fazer de nossa vida uma corrida louca visando postos mais altos. São João Crisóstomo nos pergunta: “Por que você ambiciona os primeiros lugares? Para estar acima dos outros?“. A verdadeira humildade não se opõe ao desejo legítimo de progredir na vida social, de gozar o devido prestígio profissional, de receber louvor e honra. Tudo isso é compatível com a humildade, mas quem é humilde não se exibe. No posto que ocupa sabe que seu objetivo não é brilhar e ser considerado, mas cumprir uma missão.
A virtude da humildade não tem nada a ver com timidez, pusilanimidade ou mediocridade. É ter plena consciência dos talentos recebidos para fazê-los render. Ela impede que nos jactemos deles e caiamos na presunção. Leva-nos a dizer como o salmista: “Non nobis, Domine, non nobis. Sed nomine tuo da gloriam” - “Não a nós, Senhor, não a nós, mas a ti seja dada toda a glória” (Sl. 113,1).
 
A humildade faz com que reconheçamos que nossos talentos vêm de Deus. São bondade divina, para que nos coloquemos em nosso lugar, pois “somos como um jumento que o servo, quando quer, carrega com tesouros de grande valor” (Ut iumentum factus sum apud te, Domine). Por isso, para crescer na virtude da humildade, é necessário que reconheçamos e admiremos os dons com que Deus nos presenteou, pois, “apesar de nossas misérias pessoais, somos portadores de essências divinas de valor inestimável”.
Somos instrumentos de Deus para que ele atue no mundo. Portanto, a humildade elimina o complexo de inferioridade, que com freqüência é causa da soberba e nos torna alegres e serviçais.
 
Mas, para poder caminhar pelas sendas da humildade, temos que saber aceitar as humilhações externas que nos atingem, sem nos deixar abater. Devemos também aprender a voltar atrás quando necessário, pois nem sempre as questões humanas têm uma única solução. Os outros também podem ter razão, podem ver o mesmo assunto de um ponto de vista diferente, com outra luz, outra sombra ou outros contornos. Além disso, voltar atrás quando se erra não é só uma questão de humildade, mas de honradez elementar.
Como praticar essa virtude? Todos os dias, nas muitas ocasiões. Sendo dóceis aos conselhos de quem nos orienta, acolhendo de bom grado as correções que nos fazem, lutando contra a vaidade, reprimindo a vontade de dizer sempre a última palavra, procurando não ser o centro das atenções, reconhecendo nossos erros, esforçando-nos para ver nosso próximo sempre com uma visão positiva...
Existe, porém, uma falsa humildade que nos leva a dizer que não somos nada, mas sentiríamos muito se nos tomassem ao pé da letra. Em sentido contrário, fingimos esconder-nos e fugir para que nos procurem e perguntem por nós, damos a entender que preferimos ser os últimos e nos situamos num canto da mesa, para que nos dêem a cabeceira. A verdadeira humildade procura não dar mostras de sê-lo, nem usa muitas palavras para proclamá-la (São Francisco de Sales). A verdadeira humildade está cheia de simplicidade e brota do mais fundo do coração: “Não abaixemos nunca os olhos, mas humilhemos nossos corações. Não demos a entender que queremos ser os últimos, quando desejamos ser os primeiros”.
 
Com a humildade cultivamos inúmeros bens. Combatemos a soberba, que é um obstáculo que se interpõe entre nós e Deus. Ela nos atrai o amor de Deus e o apreço dos outros (Eclesiástico 3,19-21; 30-31).
Quem é humilde compreende melhor a vontade divina e sabe o que Deus lhe pede em cada circunstância. O soberbo, ao contrário, só tem olhos para seus gostos, suas ambições, a realização de seus caprichos. O humilde respeita o outro, suas opiniões e coisas. Possui uma fortaleza especial, pois se apóia em Deus: “Quando sou fraco, é então que sou forte” (2 Coríntios 12,10).
 
 
 
 
 
padre José Antonio Bertolin, OSJ
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