sábado, 14 de setembro de 2013

24º DOMINGO DO TEMPO COMUM - HAVERÁ MAIS ALEGRIA NO CÉU POR UM PECADOR QUE SE ARREPENDE...

 
A liturgia deste domingo centra a nossa reflexão na lógica do amor de Deus. Sugere que Deus ama o homem, infinita e incondicionalmente; e que nem o pecado nos afasta desse amor…
A primeira leitura apresenta-nos a atitude misericordiosa de Jahwéh face à infidelidade do Povo. Neste episódio – situado no Sinai, no espaço geográfico da aliança – Deus assume uma atitude que se vai repetir vezes sem conta ao longo da história da salvação: deixa que o amor se sobreponha à vontade de punir o pecador.
Na segunda leitura, Paulo recorda algo que nunca deixou de o espantar: o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Esse amor derrama-se incondicionalmente sobre os pecadores, transforma-os e torna-os pessoas novas. Paulo é um exemplo concreto dessa lógica de Deus; por isso, não deixará de testemunhar o amor de Deus e de Lhe agradecer.
O Evangelho apresenta-nos o Deus que ama todos os homens e que, de forma especial, Se preocupa com os pecadores, com os excluídos, com os marginalizados. A parábola do “filho pródigo”, em especial, apresenta Deus como um pai que espera ansiosamente o regresso do filho rebelde, que o abraça quando o avista, que o faz reentrar em sua casa e que faz uma grande festa para celebrar o reencontro.
 
1º leitura – Ex. 32,7-11.13-14 – AMBIENTE
 
O texto que nos é proposto está integrado na segunda parte do Livro do Êxodo; aí, apresentam-se as tradições que dizem respeito ao compromisso de amor e de comunhão que Israel aceitou estabelecer com Jahwéh. São as “tradições sobre a aliança” (cf. Ex. 19-40).
O texto situa-nos em frente de um monte, no deserto do Sinai. Em si, o nome “Sinai” designa uma enorme península em forma triangular, com mais ou menos 420 Km. de extensão norte/sul, estendendo-se entre o golfo do Suez, no Mediterrâneo e o golfo da Áqaba, no mar Vermelho. A península inteira é um deserto árido, com vegetação escassa (exceto em alguns raros oásis), semeada de montanhas que chegam a atingir os 2400 metros de altitude. As hipóteses de situar exatamente o “monte da aliança” são tênues; no entanto, uma tradição cristã do séc. IV d.C. identifica o “monte da aliança” com o “Gebel Musa” (“monte de Moisés”), uma montanha com 2.244 metros de altitude, situada a sul da península sinaítica. Embora a identificação do “monte da aliança” com este lugar seja problemática, o “Gebel Musa” é, ainda hoje, um lugar de peregrinação para judeus e cristãos.
Seja qual for o lugar da aliança, o fato é que o texto nos situa em frente de um “monte” não identificado da península sinaítica, onde Israel celebrou uma aliança com o seu Deus. Depois de Moisés subir ao monte para receber de Deus as tábuas da Lei (cf. Ex. 31,18), o Povo, reunido no sopé da montanha à espera de Moisés, construiu um bezerro de ouro e infringiu, dessa forma, os termos da aliança (cf. Ex 32,1-6).
 
MENSAGEM
O tema fundamental que o texto nos propõe gira à volta da resposta de Deus ao pecado do Povo.
 
A primeira parte (vs. 7-10) descreve o pecado do Povo e uma primeira reação de Deus. Perante a ausência de Moisés no monte sagrado, o Povo constrói um bezerro de ouro. O bezerro de ouro não pretende ser um novo deus, mas uma imagem de Jahwéh (“este é o teu Deus, Israel, que te fez sair da terra do Egito” – v. 8); de qualquer forma, o Povo “desviou-se do caminho” que Deus lhe havia ordenado, pois infringiu o segundo mandamento do Decálogo (segundo o qual, Israel não devia fazer imagens de Jahwéh: por um lado, o não representar Deus permitia salvaguardar a transcendência de Jahwéh, já que a “imagem” era uma definição de Deus e Deus não pode ser definido pelo homem; por outro lado, a luta contra os deuses e cultos pagãos era impossível se não se proibiam também os seus símbolos e imagens). O pedido de Deus a Moisés (“agora deixa-Me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruílos-ei; mas farei de ti uma grande nação” – v. 10) pode ser posto em paralelo com a promessa a Abraão de Gn 12,2: Deus fala de tudo recomeçar com Moisés, como fez com Abraão.
Na segunda parte (vs. 11-14), descreve-se a intercessão de Moisés e a misericórdia de Deus. O texto começa com a referência a Moisés que “deitou água na fervura” (literalmente: “acalmou a face de Deus” – v. 11a). As palavras de intercessão de Moisés (vs. 11b-13) não fazem referência aos méritos do Povo, mas à honra de Deus e à sua fidelidade às promessas assumidas para com o Povo no âmbito da aliança.
A resposta final de Deus (v. 14) põe em relevo a sua misericórdia. Não são os méritos do Povo que sustêm o castigo; mas é o amor de Deus, a sua lealdade aos compromissos, a sua “justiça” (que é misericórdia, ternura, bondade) que acabam por triunfar. O amor infinito de Deus pelo seu Povo acaba sempre por falar mais alto do que a sua vontade de castigar os desvios e infidelidades.
 
ATUALIZAÇÃO
 Antes de mais, o texto sublinha a lealdade de Deus para com o seu Povo, a “justiça” que marca a relação de Jahwéh com Israel (entendida como fidelidade aos compromissos assumidos por Deus para com os homens). Fica, aqui, claro que a essência de Deus é esse amor gratuito que Ele derrama gratuitamente sobre os homens, qualquer que seja o seu pecado… Deus ama infinitamente, seja qual for a resposta do homem; e esse amor nunca será desmentido. É à luz desta perspectiva que devemos encarar Deus e a sua relação conosco.
 O pecado dos israelitas (a construção de uma imagem deturpada de Deus) levanos a questionar as imagens que, às vezes, construímos e transmitimos de Deus… O Deus em Quem acreditamos e que testemunhamos, quem é? É o Deus que Se revelou como amor, bondade, misericórdia, ao longo da história da salvação, ou é um Deus vingativo e cruel, que não desculpa as faltas dos homens e que anda à cata de qualquer comportamento faltoso para deixar cair sobre eles a sua cólera e a sua crueldade? Não esqueçamos: testemunhar um Deus vingativo, impositivo, sem coração e sem misericórdia, é fabricar uma falsa imagem de Deus.
 
 Atente-se na atitude de Moisés, face à indignação de Deus: intercede pelo Povo e não deixa que a ambição pessoal se sobreponha ao interesse de Israel (de acordo com o texto, Deus propôs-lhe: “deixa que a minha indignação se inflame contra eles e os destrua; de ti farei uma grande nação”; mas Moisés não aceitou a proposta). A atitude de Moisés é uma atitude “fácil”, à luz dos critérios dos homens? Quantas vezes os homens são capazes de “vender a alma ao diabo” para subir, para ter êxito, para chegar a presidir a qualquer coisa? Quantas vezes os homens são capazes de sacrificar os valores mais sagrados para serem conhecidos, famosos, invejados, ou para adquirir uma fatia mais de poder e de influência?
 
2º leitura – 1Tim. 1,12-17 - AMBIENTE
 
O Timóteo aqui referenciado era natural de Listra (Licaónia), filho de pai grego e de mãe judeo-cristã. Aparece no livro dos Atos como companheiro inseparável de Paulo, a partir da segunda viagem missionária. Paulo teria confiado a Timóteo missões importantes entre os tessalonicenses (cf. 1Tess. 3,2.6) e entre os coríntios (cf. 1 Cor 4,1.17;16,10-11). Ainda muito jovem Timóteo recebeu de Paulo a responsabilidade pastoral das Igrejas da província da Ásia (cf. 1Tim. 4,12). A tradição considera-o como o primeiro bispo de Éfeso.
Esta carta apresenta-se como escrita por Paulo a Timóteo, quando este está encarregado da animação da Igreja de Éfeso. Contém uma série de instruções que versam, fundamentalmente, sobre três temas: a organização da comunidade, a forma de combater os hereges e a vida cristã dos fiéis. Convém, no entanto, acrescentar que a maior parte dos comentadores não considera esta carta de autoria paulina: a linguagem e a teologia não parecem ser paulinas; e, sobretudo, a carta supõe um modelo de organização eclesial que é dos finais do séc. I d.C. (Paulo teria morrido na perseguição de Nero, por volta de 66/67 d.C.).
 
MENSAGEM
No texto que nos é proposto, Paulo recorda, agradecido, a sua história de vocação. O apóstolo afirma que recebeu de Cristo o seu ministério; e proclama que isso se deve, não aos seus méritos, mas à misericórdia de Deus.
Paulo tem consciência do seu passado de perseguidor violento da Igreja de Cristo. É verdade que Paulo atuou dessa forma por ignorância; no entanto, isso não o exime de culpa… Apesar desse passado duvidoso, Deus, na sua bondade, cumulou-o da sua graça.
Paulo reconhece que Cristo “veio ao mundo para salvar os pecadores”, entre os quais Paulo se inclui. Pelo exemplo de Paulo, fica evidente a misericórdia e a magnanimidade de Deus, que se derrama sobre todos os homens, sejam quais forem as faltas cometidas. A partir deste exemplo, todos os homens são convidados a tomar consciência da bondade de Deus e a responder-lhe da mesma forma que Paulo: com o dom da vida e com o empenho sério no testemunho desse projeto de amor que Deus tem para oferecer. O profundo reconhecimento que Paulo sente diante da misericórdia com que Deus o distinguiu leva-o a um canto de louvor que, neste texto, apresenta contornos litúrgicos (“ao rei dos séculos, Deus imortal, invisível e único, honra e glória pelos séculos dos séculos, amén” – v. 17).
 
ATUALIZAÇÃO
 Antes de mais, somos convidados a tomar consciência do amor que Deus oferece a todos os homens, sem exceção, sejam quais forem as suas faltas… Foi esse Deus que Paulo experimentou e que testemunhou; é esse, também, o Deus que experimentamos e testemunhamos?
 
 Entre os cristãos existe, muitas vezes, a convicção de que a “justiça de Deus” é a aplicação rigorosa da lei; assim, Deus trataria bem os bons, enquanto que castigaria, natural e objetivamente, os maus… A história de Paulo – e a história de tantos homens e mulheres, ao longo dos séculos – é um desmentido desta lógica: o amor de Deus derrama-se sobre todos os homens, mesmo sobre aqueles que têm vidas duvidosas e pecadoras. Bons e maus, a todos Deus ama, sem excepção. E nós? Somos filhos deste Deus e amamos os nossos irmãos, sem distinções? Às vezes ouvem-se – mesmo entre os cristãos – expressões de ódio e de desprezo em relação àqueles que cometem desacatos ou que têm comportamentos que reprovamos… Como conciliar essas atitudes com o exemplo de amor sem restrições que Deus nos oferece?
 O nosso texto termina com um hino de louvor ao Deus que ama, sem exceções… Sentimo-nos agradecidos a Deus por esse amor nunca desmentido, que se derrama sobre nós, sejam quais forem as circunstâncias?
 
EVANGELHO – Lc. 15,1-32 - AMBIENTE
 
No “caminho para Jerusalém” aparece, em dado momento, uma catequese sobre a misericórdia de Deus… Com efeito, todo o capítulo 15 de Lucas é preenchido com as chamadas “parábolas da misericórdia”.
Trata-se de um tema caro a Lucas. Para este evangelista, Jesus é o Deus que veio ao encontro dos homens para lhes oferecer, em gestos concretos, a salvação. As parábolas da misericórdia expressam, de forma privilegiada, o amor de Deus que se
derrama sobre os pecadores.
A parábola da ovelha perdida – a primeira que o Evangelho de hoje nos propõe – é comum a Lucas e Mateus (cf. Mt. 18,12-14), embora em Mateus apareça em contexto diverso: trata-se de material que provém, provavelmente, da “fonte Q” (coleção de “ditos” de Jesus, que Mateus e Lucas utilizaram na composição dos respectivos evangelhos). As parábolas da dracma perdida e do filho pródigo (as outras duas parábolas que completam este capítulo) são exclusivas de Lucas.
O discurso de Jesus apresentado em Lc 15 é enquadrado, pelo evangelista, numa situação concreta. Ao ver que alguns infratores notórios da moral pública (como os cobradores de impostos) se aproximavam de Jesus e eram acolhidos por Ele, os fariseus e os escribas (que não admitiam qualquer contacto com os pecadores e os desclassificados e até mudavam de passeio para não se cruzar com eles) expressaram a sua admiração por Jesus os acolher e por (atitude inaudita!) Se sentar à mesa com eles (o sentar-se à mesa expressava familiaridade, comunhão de vida e de destinos). É essa crítica que vai provocar o discurso de Jesus sobre a atitude misericordiosa de Deus.
MENSAGEM
As três parábolas da misericórdia pretendem, portanto, justificar o comportamento de Jesus para com os publicanos e pecadores. Elas definem a “lógica de Deus” em relação a esta questão.
A primeira parábola (vs. 4-7) é a da ovelha perdida. Trata-se de uma parábola que, lida à luz da razão, é ilógica e incoerente, pois não é normal abandonar noventa e nove ovelhas por causa de uma; também não faz sentido todo o espalhafato criado à volta de um fato banal como é o reencontro com uma ovelha que se extraviou…
Nesses exageros e nessas reações desproporcionadas revela-se, contudo, a mensagem essencial da parábola… O “deixar as noventa e nove ovelhas para ir ao encontro da que estava perdida” mostra a preocupação de Deus com cada homem que se afasta da comunidade da salvação; o “pôr a ovelha aos ombros” significa o cuidado e a solicitude de Deus, que trata com cuidado e com amor os filhos que se afastaram e que necessitam de cuidados especiais; a alegria desproporcionada do pastor que encontrou a ovelha mostra a alegria de Deus, sempre que encontra um filho que se afastou da comunhão com Ele.
A segunda parábola (vs. 8-10) reafirma o ensinamento da primeira. O amor misericordioso e constante de Deus busca aquele que se perdeu e alegra-se quando o encontra. A imagem da mulher preocupada, que varre a casa de cima a baixo, ilustra a preocupação de Deus em reencontrar aqueles que se afastaram da comunhão com Ele. Também aqui há, como na parábola anterior, a referência à alegria do reencontro: essa alegria manifesta a felicidade de Deus diante do pecador que volta.
 
A terceira parábola (vs. 11-32) apresenta o quadro de um pai (Deus), em cujo coração triunfa sempre o amor pelo filho, aconteça o que acontecer. Ele continua a amar o filho rebelde e ingrato, apesar da sua ausência, do seu orgulho e da sua auto-suficiência; e esse amor acaba por revelar-se na forma emocionada como recebe o filho, quando ele resolve voltar para a casa paterna. Esta parábola apresenta a lógica de Deus, que respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos, mesmo que eles usem essa liberdade para buscar a felicidade em caminhos errados; e, aconteça o que acontecer, continua a amar, a esperar ansiosamente o regresso do filho, preparado para o acolher com alegria e amor. É essa a lógica que Jesus quer propor aos fariseus e escribas (os “filhos mais velhos”) que, a propósito dos pecadores que tinham abandonado a “casa do Pai”, professavam uma atitude de intolerância e de exclusão.
O que está, portanto, em causa nas três parábolas da misericórdia é a justificação da atitude de Jesus para com os pecadores. Jesus deixa claro que a sua atitude se insere na lógica de Deus em relação aos filhos afastados. Deus não os rejeita, não os marginaliza, mas ama-os com amor de Pai… Preocupa-se com eles, vai ao seu encontro, solidariza-Se com eles, estabelece com eles laços de familiaridade, abraços com emoção, cuida deles com solicitude, alegra-Se e faz festa quando eles voltam à casa do Pai. Esta é a forma de Deus atuar em relação aos seus filhos, sem exceção; e é essa atitude de Deus que Jesus revela ao acolher os pecadores e ao sentar-Se com eles à mesa. Por muito que isso custe aos fariseus, essa é a lógica de Deus; e todos os “filhos de Deus” devem acolher esta lógica e atuar da mesma forma.
 
ATUALIZAÇÃO
Essencialmente, as parábolas da misericórdia revelam-nos um Deus que ama todos os seus filhos, sem exceção, mas que tem um “fraco” pelos marginalizados, pelos excluídos, pelos pecadores… O seu amor não é condicional: Ele ama, apesar do pecado e do afastamento do filho. Esse amor manifesta-se em atitudes exageradas, desproporcionadas, de cuidado, de solicitude; revela-se também na “festa” que se sucede a cada reencontro… Não é que Deus pactue com o pecado; Deus abomina o pecado, mas não deixa de amar o pecador. É este Deus – “escandaloso” para os que se consideram justos, perfeitos, irrepreensíveis, mas fascinante e amoroso para todos aqueles que estão conscientes da sua fragilidade e do seu pecado – que somos convidados a descobrir.
 
Se essa é a lógica de Deus em relação aos pecadores, é essa mesma lógica que deve marcar a minha atitude face àqueles que me ofendem e, mesmo, face àqueles que têm vidas duvidosas ou moralmente reprováveis. Como é que eu acolho aqueles que me ofendem, ou que assumem comportamentos considerados reprováveis: com intolerância e fanatismo, ou com respeito pela sua dignidade de pessoas?
Face ao aumento da criminalidade e da violência cria-se, por vezes, um clima social de alguma histeria e radicalismo. Exigem-se castigos mais severos e os adeptos das soluções definitivas chegam a falar na pena de morte para certos crimes. Que sentido é que isto faz, à luz da lógica de Deus?
Ser testemunha da misericórdia e do amor de Deus no mundo não significa, no entanto, pactuar com o pecado… O pecado – tudo o que gera ódio, egoísmo, injustiça, opressão, mentira, sofrimento – é mau e deve ser combatido e vencido.
Distingamos claramente as coisas: Deus convida-me a amar o pecador e a acolhe-lo sempre como um irmão; mas convida-me também a lutar objetivamente contra o mal – todo o mal – pois ele é uma negação desse amor de Deus que eu devo testemunhar.
 
 
 
 
 
p. J. Garrido - p. M. Barbosa - p. José O. Carvalho

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