Ninguém é verdadeiro cristão se não tiver o apostolado como prática constante a caminho do céu
"E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a
sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção
de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à
qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e
de boa simplicidade."01
São palavras de Pero Vaz de Caminha, dirigidas ao então rei de
Portugal, sobre os nativos e as terras que acabara de encontrar: os
índios do Brasil. Lê-se nestas linhas a vontade imensa de espalhar a
todos os povos a boa-nova de Cristo. De fato, a evangelização sempre foi
uma preocupação da Igreja, encontrando eco também entre leigos,
governantes e qualquer um que se deixasse tocar pela beleza da fé
católica.
A necessidade do anúncio cristão decorre do "encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo."02
Se é verdade que Deus é amor, quem o encontrou não pode fazer Dele
assunto particular, mas alimento comum a todas as almas. Os santos são
um modelo de apostolado eficaz porque carregavam em suas faces a
experiência da entrega ao Senhor. Somente uma alma profundamente
apaixonada consegue transmitir a intensidade da Palavra de Deus. Por
isso dizia o Cardeal Ratzinger num debate com o ateu Paolo Flores
D’Arcais que "nós, os crentes, acreditamos que temos algo a
dizer ao mundo (...) estamos convencidos de que em Jesus surgiu a
verdade, e a verdade não é propriedade privada de alguém; deve ser
compartilhada, deve ser conhecida."03
Todavia, nestes tempos de secularismo exacerbado, que não poupa nem
mesmo os púlpitos de muitas paróquias, parece que já não existe mais tal
certeza. Ao contrário dos primeiros cristãos, para a geração atual a fé
se tornou apenas um pressuposto banal, que, em muitos casos, acaba até
negado. Com efeito, a ênfase da Igreja na evangelização é vista como um
programa retrógrado - até mesmo preconceituoso -, sobre o qual não
valeria a pena discutir. A via adequada seria então a do diálogo
desinteressado, aquele destinado não à conversão das pessoas, mas à
promoção da "tolerância", do pluralismo religioso.
Disso se depreende a crise de fé à qual se referia Bento XVI na Carta
Apostólica Porta Fidei. Uma Igreja que não quer evangelizar não merece
ser chamada Igreja, já que "anunciar o Evangelho não é glória para mim" -
dizia São Paulo -; "é uma obrigação que se me impõe" ( Cf. I Cor 9,
16). Ora, uma pessoa que se diz católica, mas não encontra razão para
levar a fé aos demais pode ser tudo, menos uma autêntica seguidora de
Cristo. Jesus deixou sua Igreja nesta terra para exortar os povos à
Palavra de Deus, não para a filantropia ou assistencialismo social.
Mas se os próprios filhos da Igreja padecem na "incredulidade e dureza
de coração", renegando as verdades eternas a propósito de uma pastoral
exclusivamente humana, como querer atrair os descrentes se a eles é
apresentado uma Igreja com cara de ONG? Por conseguinte, acabam
agindo como os discípulos que, diante da notícia de Maria Madalena,
"não quiseram acreditar". Ou seja, ainda precisam encontrar-se com Jesus
verdadeiramente para somente assim assumirem as palavras do Senhor:
"Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura" (Cf. Mt 28,
19).
É imperioso para a vida cristã a prática do apostolado. Nela,
encontram-se tanto o meio para atingir os incrédulos, como também o fim
ao qual todos são chamados: a salvação. Sim, porque aqueles que se
empenham no anúncio da boa-nova sabem que não podem prescindir da graça
sem correr sério risco de fracassar. "A Igreja, o Papa, os fiéis, assim
como os teólogos" - recorda o patriarca de Veneza, Dom Francesco
Moraglia -, "não são a origem do ato de fé e da vida do crente"04,
são instrumentos da messe do Senhor. E como instrumentos devem sempre
ter em mente o testamento espiritual de Maria, deixado nos Evangelhos:
"Fazei tudo o que Ele vos disser" (Cf. Jo 2, 5). E o que Ele pede é
conversão!
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referência
- Carta de Pero Vaz de Caminha
- Deus Caritas Est
- RATZINGER, Joseph, D’ARCAIS, Paolo F. Deus Existe. Editora Planeta
- Voltemos a Santo Agostinho, entrevista com o Patriarca de Veneza, Dom Francesco Moraglia
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