Servir a Deus ou ao deus dinheiro?
Quem
não se lembra do tema da Campanha da Fraternidade deste ano: Economia e vida? O
seu lema: “não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” aparece em nosso evangelho
de hoje, no versículo 13. Na primeira leitura, o profeta Amós age duramente com
os ricos exploradores que compram o fraco com prata e o indigente por um par de
sandálias (8,6). No evangelho, o cristão é chamado a ser discípulo, o que
implica romper com todas as formas de uso dos bens que geram injustiças. Nada
de ganância e usura. Nessa mesma linha de pensamento, a segunda leitura mostra
a oração como forma de resistir à perseguição e à economia romana que tiram a
vida. Reflitamos, pois, sobre o alcance da economia que gera a vida e o serviço
ao Deus da vida.
1.
leitura (Am. 8,4-7): a falsa medida dos ricos e o par de sandálias dos pobres
A
primeira leitura é um oráculo de juízo, possivelmente dos discípulos de Amós,
aquele camponês pobre do sul, de Judá, que lá pelo ano 760 a.E.C. assumiu a
difícil missão de ser profeta no norte do país, Israel, no tempo do rei
Jeroboão II. O país que havia vivido uma situação econômica favorável passa a
ter nos seus líderes e comerciantes uma situação insuportável aos olhos de
Deus: a exploração dos pobres. Para Amós, essa atitude decretava o fim do povo
eleito. O desejo dos comerciantes era o lucro indevido, vendendo até o refugo
dos cereais, violando a balança. Para eles, não importavam as festas
religiosas, lua nova e sábado, oportunidades em que todos podiam celebrar e
descansar (1Sm. 20,5; Is 1,13s; Os. 2,13; Jr. 17,21-27; Ne. 13,15-22; Ex.
35,3). Eles se perguntavam pelo fim da lua nova para vender o trigo. E o que é
pior: “Quando vai passar o Sábado, para abrirmos o armazém, para diminuir as medidas,
aumentar o peso e viciar a balança, para comprar os pobres por dinheiro, o
necessitado por um par de sandálias, e vender o refugo do trigo?” (vv. 5-6).
O
indigente é comprado por um par de sandálias. Esse crime de Israel já fora
denunciado pelo profeta (Am. 2,6). Até o ser humano é objeto de negócios
ilícitos. Todo ser humano busca a sua sobrevivência. Na relação com as pessoas,
ele adquire bens. Pessoas e bens estão entrelaçados. No entanto, o bem
econômico não pode ser adquirido sob a condição de que o outro seja lesado em
sua dignidade. A injustiça, desse modo, nasce do desejo e da prática que mantêm
o outro na pobreza. A sandália é um objeto de primeira necessidade para o
indigente. Há uma ganância e exploração despropositadas dos pobres (vv. 4 e 6).
Ganância que leva os comerciantes a falsear a balança. Para Amós, o juízo
divino será implacável com Israel. Deus não se esquecerá dessa atitude de seu
povo.
O
motivo de tamanha ira divina é o fato de a religião ser usada para justificar a
opressão social e econômica de Israel, o povo eleito por Deus para ser sua
testemunha de santificação no mundo. O povo aguardava ansioso o “dia do
Senhor”. Muitos diziam que ele seria de bonança e de glória para Israel. O
profeta Amós, ao contrário, afirmava que esse dia seria terrível, de destruição
e exílio para os pretensos religiosos corruptos, seus compatriotas, que,
fazendo injustiças contra os pobres, atingiam o próprio Deus, o defensor e pai
dos pobres. Imagine se o povo estava gostando de tal proposta? Claro que não.
Estamos, pois, diante de um juízo divino, que também aparece no evangelho, que
veremos a seguir.
Evangelho (Lc. 16,1-13)
Uma estranha parábola de um esperto administrador.
Deus versus Dinheiro
Dando
continuidade ao tema da economia da primeira leitura, estamos diante de uma
parábola própria da comunidade de Lucas, a do administrador infiel que, vendo
que estava prestes a ser demitido por esbanjar os bens do patrão, resolve
bancar o esperto, usando o dinheiro do próprio patrão para fazer amigos, que o
ajudariam quando estivesse demitido, isto é, diminuindo o valor da dívida
destes para com o seu patrão. A economia está no centro de sua ação. Ele sabe
defender o seu lado, mesmo que de forma desonesta. Mas em que consiste a sua
desonestidade e o elogio de Jesus? Naquele tempo, a economia do empréstimo
funcionava assim: o dono dos bens os confiava a um administrador, que tinha seu
pagamento no valor aumentado na mercadoria. Essa prática era vista como normal
e permitida. No caso da parábola, o administrador simplesmente se abdicou de
seu salário para fazer amigos e preparar “a cama”, caso viesse a perder o
emprego. Por outro lado, ele ensina a partilha, deixando de lucrar para servir
aos pobres.
Assim,
não mais soa estranho no texto o fato de o Senhor, no caso, Jesus, ter elogiado
a má ação do administrador. Ele compara os filhos da luz com os do dinheiro,
com os quais os primeiros devem aprender: usar da esperteza. E Jesus orienta
seus seguidores a fazer uso do dinheiro injusto para fazer amigos, de modo que
os amigos possam ajudá-los, quando as dificuldades vierem (v. 9). O ensinamento
de Jesus se resume em dizer que todo dinheiro acumulado é fruto da injustiça,
assim como é justiça roubar dos ricos para dar aos pobres. Seria um Robin Hood
moderno, aquele herói inglês, um fora da lei que vivia na floresta, no século
XIII, com seu arco e flecha, roubando dos ricos para dar aos pobres. Por outro
lado, os discípulos de Jesus devem fazer o caminho da radicalidade. Seguindo
Jesus, eles “perderiam o emprego”, as benesses da vida estabilizada, os
privilégios e deveriam ser fiéis ao novo projeto. Nesse sentido, Jesus também
chama a atenção para o fato de a fidelidade ser expressa em pequenas coisas.
Quem é fiel nas pequenas coisas o é também nas grandes. “E se não somos fiéis
no que é dos outros, quem nos dará aquilo que é nosso?” (v. 10). E Jesus
conclui o seu discurso com uma afirmativa que é o centro de todo o capítulo
dezesseis: “Nenhum empregado pode servir a dois senhores, porque, ou odiará um
e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vocês não podem
servir a Deus e ao Dinheiro” (v. 13). Discípulo de Jesus não fica em cima do
muro. Na sequência, são citados os fariseus, chamados de amigos do dinheiro, a
quem Jesus estava dirigindo a sua pregação (v. 14).
A
oposição entre as duas situações antagônicas, amar a Deus ou ao Dinheiro,
revela o significado do ensinamento de Jesus. Não creio que Jesus estaria
ensinando que o dinheiro não presta e que não precisamos dele. E em outra
ocasião, referindo-se a uma moeda com a figura e a inscrição de César, a
propósito do pagamento de imposto, Jesus foi categórico: “Dai a César o que é
de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21). Jesus não está se colocando
contra o dinheiro, mas a favor de uma economia que gera a vida. Quando o
dinheiro fica acumulado ocorrem duas coisas: ele é fruto de injustiças sociais,
assim como vimos na primeira leitura, e gerador de outras situações de não
fraternidade, de não partilha, assim como era o ensinamento de Jesus sobre o
Reino de Deus.
Os
bens não são em si negativos, mas o seu uso absoluto e desequilibrado gera
riqueza de um lado e miséria do outro. Bens tornam-se ídolos que, idolatrados,
geram fome, desemprego, falta de moradia etc. Uma falsa espiritualidade baseada
na economia guia muitos de nós, a espiritualidade dos shopping centers, o
prazer vazio de comprar, pensando que estamos adquirindo a felicidade.
Por
outro lado, aproximando-se mais uma eleição presidencial, constata-se que as
desigualdades sociais têm diminuído. No nosso pobre continente
latino-americano, países buscam integração, trabalhadores se unem. A
consciência ecológica tem levado muitos a mudar de atitudes em relação ao nosso
planeta. Tudo isso, no entanto, é pouco diante dos grandes desafios da economia
injusta que impera em nosso país.
2º leitura (1Tm. 2,1-8)
Rezar pelos governantes, por causa de nossa
serenidade, e servindo a Deus
Ao
escrever à comunidade de Timóteo, Paulo, retomando o papel salvífico universal
de Jesus Cristo, ensina a importância da oração na comunidade cristã. A
novidade da oração cristã, apresentada por Paulo, é que ela seja realizada sem
ira e discussões, com mãos limpas (v. 8), e ele pede que todos rezem, seja em
forma de pedidos, orações, súplicas ou ações de graças (v. 1). E o que é mais
importante, a oração deve ser para todos, também para os governantes, os que
exercem autoridade. Até mesmo o imperador romano, que se julgava deus,
precisava de oração para governar com sabedoria, coisa que não ocorria. Os
judeus ensinavam que a oração deveria ser voltada para os seus conterrâneos, os
israelitas. Paulo vai além desse preceito.
Os
judeus tinham também uma oração de dezoito bênçãos. Uma delas, a décima
segunda, dizia: “Não haja esperança para os heréticos e caluniadores, e pereçam
todos num instante. Todos os teus inimigos sejam imediatamente destruídos, e
tu, humilha-os imediatamente em nossos dias. Bendito sejas, Senhor, que
despedaças os inimigos e humilhas os soberbos”. Essa oração, composta por volta
do ano 95 a 100 E.C., na cidade de Jammia – quando os judeus fecharam a sua
lista de livros inspirados da Bíblia, tinha um endereço certo: os cristãos, que
haviam seguido outro caminho, deixando Jerusalém para levar a fé no judeu Jesus
ressuscitado a todos os povos.
Paulo
também ensina que a oração nos confere serenidade. Rezemos para que tenhamos
“uma vida calma e serena, com toda a piedade e dignidade” (v. 2). Diante das
perseguições romanas, os cristãos são chamados à oração. Diante da economia
romana que causava miséria para muitos e riqueza para poucos, os cristãos são
chamados à oração que foca Jesus, o salvador de toda a humanidade.
A
reflexão de Paulo, nessa carta a Timóteo, ilumina a temática das outras
leituras de hoje. Os nossos governantes e lideranças precisam da oração da
comunidade para agir com sabedoria. A oração é reflexo do nosso serviço a Deus.
Economia que gera vida é o que esperamos todos. Pensemos nisso na hora de
exercer a nossa cidadania por meio do voto.
PISTAS PARA REFLEXÃO
O
exemplo do administrador infiel serve para nos levar a perguntar pela nossa
condição de pessoas decididas a tomar uma atitude em nossas vidas. Somos
inertes diante das dificuldades ou somos corajosos? Estamos decididos a ser
radicais como o administrador do evangelho?
Diante
da temática suscitada nas leituras de hoje, perguntemo-nos como agimos com o
dinheiro. Ele serve para nos oferecer condições dignas de vida ou para acumular
nossas falsas riquezas? Amamos a Deus, a vida partilhada, ou o dinheiro, o
acúmulo desnecessário? Usamos tudo que temos?
Como
está a nossa vida de oração? Pensamos mais no ter e aparecer ou no nosso ser de
forma íntegra? Deus é o centro de nossas vidas ou somos mais um da
espiritualidade dos shopping centers? A nossa oração tem dimensão política e
social? Somos capazes de votar em candidatos que defendem o acúmulo de bens nas
mãos de poucos? Conhecemos a vida de nossos candidatos, ao decidirmos o nosso
voto?
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