Há apenas cinco meses, recebemos a notícia da menina
Aisha, de 8 anos, assassinada em sua noite de núpcias, no Afeganistão.
Agora, chega até nós a história de Rawan, também de 8 anos, que faleceu
na noite de núpcias, ao ser agredida por seu marido de 40 anos, dessa
vez no Iêmen. Serão estes casos excepcionais?
Ana Cárcamo e África Marcillach, responsáveis por alguns projetos da organização Manos Unidas, em duas regiões diferentes da Índia, mostram que "o casamento precoce entre meninas de pouca idade é uma prática comum nos países que pertencem à Ásia Meridional e à África Subsaariana".
Segundo as pesquisadoras, cerca de 70 milhões de mulheres se casaram antes de cumprir 18 anos, e quase 400 milhões de mulheres foram obrigadas a se casar ainda na infância.
Diante das trágicas notícias que chegam sobre a morte de meninas em sua noite de núpcias, a pergunta que não quer calar é: o que está acontecendo no mundo?
O que hoje é notícia é uma prática comum há muitos séculos. As novas tecnologias nos permitem ter acesso a alguns destes fatos, mas a maioria não vira notícia.
Os casamentos arranjados entre meninas e homens adultos é algo comum?
Segundo dados da UNICEF, no mundo inteiro, cerca de 70 milhões de mulheres entre 20 e 24 anos (quase 1 de cada 3) se casaram antes dos 18 anos. Quase 400 milhões de mulheres entre 20 e 49 anos (41% da população mundial nesta faixa etária) foram obrigadas a casar-se quando ainda eram crianças. A maior incidência se dá no sudeste asiático e na África Subsaariana.
O casamento precoce entre meninas de pouca idade é uma prática comum nos países que pertencem à Ásia Meridional e à África Subsaariana. No Níger, 77% das mulheres entre 20 e 24 anos se casaram antes de cumprir 18 anos. Em Bangladesh, a taxa é de 65% (EMI, 2006).
O que leva o pai a oferecer sua filha em casamento quando ela ainda é uma criança é a pobreza; quando a família tem apenas os recursos mínimos para sobreviver, uma filha jovem acaba sendo uma carga econômica importante, porque a noiva precisa de um dote para se casar; essa quantidade aumenta segundo a idade da menina. Então, o casamento precoce acaba sendo a salvação, ao transferir a responsabilidade econômica à família do noivo.
A realização de casamentos infantis, entendidos nesses países como mero trâmite social ou cultural, atenta contra os direitos humanos e envolve graves limitações à liberdade individual, ao direito à educação e ao compromisso com a saúde. A UNICEF denuncia que um casamento precoce leva quase com toda certeza à gravidez precoce.
Nos países menos desenvolvidos, somente 17% das meninas casadas, entre 15 e 19 anos, utilizam algum tipo de meio contraceptivo; e o resultado é que 14 milhões de meninas dão à luz anualmente. O principal problema é que, pela imaturidade física, as complicações na gravidez e no parto muitas vezes provocam a morte, sendo esta uma das principais causas da mortalidade nesta faixa etária.
A taxa de mortalidade entre bebês cujas mães são meninas também é alta. Os bebês de meninas menores de 18 anos têm 60% a mais de probabilidade de morrer durante seu primeiro ano de vida, com relação aos bebês de mães maiores de 19 anos.
Também é verdade que, em alguns países, como a Índia, a legislação protege a menor, já que existe a proibição do casamento infantil, ainda que a sociedade seja muito permissiva e continue havendo milhares de casos.
Ser menina hoje, em determinados países, significa viver em perigo constante. O que essas meninas têm de enfrentar?
Na Ásia, existe uma grande desigualdade de gênero. Entende-se que a mulher tem um status inferior e, portanto, não pode ter os mesmos direitos que o homem. Sua discriminação começa antes do nascimento. Tanto é assim que são as meninas quem registram os mais altos índices de desnutrição.
Em contextos de pobreza e grande vulnerabilidade, muitas meninas são desatendidas, chegando ao ponto de, quando falta comida, alimenta-se antes o menino. E a mesma coisa acontece com a atenção médica: quando as meninas ficam doentes, não as levam ao hospital. Tudo isso acaba provocando o infanticídio passivo.
A realidade é que a Índia registra uma maior taxa de mortalidade infantil feminina (6,4% a mais), além de uma diminuição da população feminina. Inclusive há casos de aborto seletivo dos fetos femininos. Este foi um problema enfrentado pelo governo indiano, que, consciente desta realidade e decidido a freá-la, proibiu que se conheça o sexo do bebê antes do nascimento. Uma vez nascidas, as meninas são privadas de cuidados, alimentos e assistência à saúde, que suas famílias destinam aos seus irmãos.
Qual é o papel da educação, neste contexto?
As meninas e jovens que se casam em idade escolar são obrigadas a abandonar o colégio para dedicar-se ao seu novo papel de esposas e mães. Atenta-se, assim, contra o direito que têm de receber uma educação digna, até o ponto de que muitos pais nem se dão ao trabalho de investir tempo e dinheiro na educação de suas filhas, ao dar por descontado que elas se casarão logo e irão morar em outro lugar.
Manos Unidas, consciente desta realidade, considera que a educação é essencial no processo de acabar com o casamento precoce. Com este propósito, participa de diferentes projetos de apoio escolar dirigidos a estas meninas e meninos, porque a escolarização também tem uma incidência muito positiva sobre os meninos, já que eles crescem aprendendo a respeitar os direitos das mulheres; também recebem noções de grande importância, como o respeito mútuo, a autoestima, a importância de adiar a primeira gravidez e a capacidade de resistir à pressão dos pais e familiares.
Consideramos que, para melhorar a situação da infância, é preciso incentivar a participação de toda a sociedade, mediante: o compromisso dos governos de respeitar, proteger e promover a infância; o debate e o compromisso com questões relativas à proteção da infância, incluindo o papel da mídia e da sociedade civil; a aplicação de leis relativas à proteção; a capacidade dos pais, professores e outros agentes sociais de criar um ambiente que proteja as crianças; e a vigilância e denúncia social de questões relativas à proteção da infância.
A ONU estima a perda de cerca de 200 milhões de meninas, a maioria da Índia e da China. Como as autoridades mundiais poderiam deter esse massacre?
A UNICEF afirma que a causa deste fenômeno não é a pobreza; não é tanto uma questão de pobreza, mas de valores e respeito com relação às mulheres e meninas. A crença de que são inferiores leva a perpetuar a violência contra elas.
Bénédice Manier, autora de um estudo sobre a eliminação de meninas na Ásia, constata que, concretamente na Índia, há cerca de 43 milhões de mulheres a menos que o número de homens. Manier explica, em uma entrevista publicada em Solidaridad.net, que, nos países que foram estudados, ter uma filha é uma desonra. A pesquisadora acrescenta que, para as famílias, não ter filhos homens impede a perpetuação do sobrenome.
Além disso, o custo do dote das meninas é cada vez mais elevado. Portanto, vemos, mais uma vez, que a educação pode ser um elemento chave para reverter esta tendência discriminatória.
Ana Cárcamo e África Marcillach, responsáveis por alguns projetos da organização Manos Unidas, em duas regiões diferentes da Índia, mostram que "o casamento precoce entre meninas de pouca idade é uma prática comum nos países que pertencem à Ásia Meridional e à África Subsaariana".
Segundo as pesquisadoras, cerca de 70 milhões de mulheres se casaram antes de cumprir 18 anos, e quase 400 milhões de mulheres foram obrigadas a se casar ainda na infância.
Diante das trágicas notícias que chegam sobre a morte de meninas em sua noite de núpcias, a pergunta que não quer calar é: o que está acontecendo no mundo?
O que hoje é notícia é uma prática comum há muitos séculos. As novas tecnologias nos permitem ter acesso a alguns destes fatos, mas a maioria não vira notícia.
Os casamentos arranjados entre meninas e homens adultos é algo comum?
Segundo dados da UNICEF, no mundo inteiro, cerca de 70 milhões de mulheres entre 20 e 24 anos (quase 1 de cada 3) se casaram antes dos 18 anos. Quase 400 milhões de mulheres entre 20 e 49 anos (41% da população mundial nesta faixa etária) foram obrigadas a casar-se quando ainda eram crianças. A maior incidência se dá no sudeste asiático e na África Subsaariana.
O casamento precoce entre meninas de pouca idade é uma prática comum nos países que pertencem à Ásia Meridional e à África Subsaariana. No Níger, 77% das mulheres entre 20 e 24 anos se casaram antes de cumprir 18 anos. Em Bangladesh, a taxa é de 65% (EMI, 2006).
O que leva o pai a oferecer sua filha em casamento quando ela ainda é uma criança é a pobreza; quando a família tem apenas os recursos mínimos para sobreviver, uma filha jovem acaba sendo uma carga econômica importante, porque a noiva precisa de um dote para se casar; essa quantidade aumenta segundo a idade da menina. Então, o casamento precoce acaba sendo a salvação, ao transferir a responsabilidade econômica à família do noivo.
A realização de casamentos infantis, entendidos nesses países como mero trâmite social ou cultural, atenta contra os direitos humanos e envolve graves limitações à liberdade individual, ao direito à educação e ao compromisso com a saúde. A UNICEF denuncia que um casamento precoce leva quase com toda certeza à gravidez precoce.
Nos países menos desenvolvidos, somente 17% das meninas casadas, entre 15 e 19 anos, utilizam algum tipo de meio contraceptivo; e o resultado é que 14 milhões de meninas dão à luz anualmente. O principal problema é que, pela imaturidade física, as complicações na gravidez e no parto muitas vezes provocam a morte, sendo esta uma das principais causas da mortalidade nesta faixa etária.
A taxa de mortalidade entre bebês cujas mães são meninas também é alta. Os bebês de meninas menores de 18 anos têm 60% a mais de probabilidade de morrer durante seu primeiro ano de vida, com relação aos bebês de mães maiores de 19 anos.
Também é verdade que, em alguns países, como a Índia, a legislação protege a menor, já que existe a proibição do casamento infantil, ainda que a sociedade seja muito permissiva e continue havendo milhares de casos.
Ser menina hoje, em determinados países, significa viver em perigo constante. O que essas meninas têm de enfrentar?
Na Ásia, existe uma grande desigualdade de gênero. Entende-se que a mulher tem um status inferior e, portanto, não pode ter os mesmos direitos que o homem. Sua discriminação começa antes do nascimento. Tanto é assim que são as meninas quem registram os mais altos índices de desnutrição.
Em contextos de pobreza e grande vulnerabilidade, muitas meninas são desatendidas, chegando ao ponto de, quando falta comida, alimenta-se antes o menino. E a mesma coisa acontece com a atenção médica: quando as meninas ficam doentes, não as levam ao hospital. Tudo isso acaba provocando o infanticídio passivo.
A realidade é que a Índia registra uma maior taxa de mortalidade infantil feminina (6,4% a mais), além de uma diminuição da população feminina. Inclusive há casos de aborto seletivo dos fetos femininos. Este foi um problema enfrentado pelo governo indiano, que, consciente desta realidade e decidido a freá-la, proibiu que se conheça o sexo do bebê antes do nascimento. Uma vez nascidas, as meninas são privadas de cuidados, alimentos e assistência à saúde, que suas famílias destinam aos seus irmãos.
Qual é o papel da educação, neste contexto?
As meninas e jovens que se casam em idade escolar são obrigadas a abandonar o colégio para dedicar-se ao seu novo papel de esposas e mães. Atenta-se, assim, contra o direito que têm de receber uma educação digna, até o ponto de que muitos pais nem se dão ao trabalho de investir tempo e dinheiro na educação de suas filhas, ao dar por descontado que elas se casarão logo e irão morar em outro lugar.
Manos Unidas, consciente desta realidade, considera que a educação é essencial no processo de acabar com o casamento precoce. Com este propósito, participa de diferentes projetos de apoio escolar dirigidos a estas meninas e meninos, porque a escolarização também tem uma incidência muito positiva sobre os meninos, já que eles crescem aprendendo a respeitar os direitos das mulheres; também recebem noções de grande importância, como o respeito mútuo, a autoestima, a importância de adiar a primeira gravidez e a capacidade de resistir à pressão dos pais e familiares.
Consideramos que, para melhorar a situação da infância, é preciso incentivar a participação de toda a sociedade, mediante: o compromisso dos governos de respeitar, proteger e promover a infância; o debate e o compromisso com questões relativas à proteção da infância, incluindo o papel da mídia e da sociedade civil; a aplicação de leis relativas à proteção; a capacidade dos pais, professores e outros agentes sociais de criar um ambiente que proteja as crianças; e a vigilância e denúncia social de questões relativas à proteção da infância.
A ONU estima a perda de cerca de 200 milhões de meninas, a maioria da Índia e da China. Como as autoridades mundiais poderiam deter esse massacre?
A UNICEF afirma que a causa deste fenômeno não é a pobreza; não é tanto uma questão de pobreza, mas de valores e respeito com relação às mulheres e meninas. A crença de que são inferiores leva a perpetuar a violência contra elas.
Bénédice Manier, autora de um estudo sobre a eliminação de meninas na Ásia, constata que, concretamente na Índia, há cerca de 43 milhões de mulheres a menos que o número de homens. Manier explica, em uma entrevista publicada em Solidaridad.net, que, nos países que foram estudados, ter uma filha é uma desonra. A pesquisadora acrescenta que, para as famílias, não ter filhos homens impede a perpetuação do sobrenome.
Além disso, o custo do dote das meninas é cada vez mais elevado. Portanto, vemos, mais uma vez, que a educação pode ser um elemento chave para reverter esta tendência discriminatória.
Alvaro Real
Aleteia
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