A liturgia
deste último domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por
amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos
homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz
(que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus)
apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que,
em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
A primeira
leitura apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a testemunhar no
meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o
profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de
Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.
A segunda leitura
apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância,
para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É
esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
O Evangelho
convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma
vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera
egoísmo e escravidão. Na cruz revela-se o amor de Deus, esse amor que não
guarda nada para si, mas que se faz dom total.
1ª leitura:
Is. 50,4-7 - AMBIENTE
No livro do
Deutero-Isaías (Is. 40-55), encontramos quatro poemas que se destacam do resto
do texto (cf. Is. 42,1-9;49,1-13;50,4-11;52,13-53,12). Apresentam-nos uma
figura enigmática de um “servo de Jahwéh”, que recebeu de Deus uma missão. Essa
missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem caráter universal; concretiza-se
no sofrimento, na dor e no abandono incondicional à Palavra e aos projetos de
Deus. Apesar de a missão terminar num aparente insucesso, a dor do profeta não
foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o
perdão para o pecado do povo. Deus aprecia o sacrifício do profeta e
recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus
detratores e adversários.
Quem é este
profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o
próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil
do exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva que representa o
Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a ser um testemunho de Deus
no meio do sofrimento em que vive? É uma figura representativa, que une a
recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com
figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não
sabemos; no entanto, a figura apresentada vai receber uma outra iluminação à
luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
O texto que
nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Jahwéh”.
MENSAGEM
O texto dá a
palavra a um personagem anônimo, que fala do seu chamamento por Deus para a
missão. Ele não se intitula “profeta”; porém, narra a sua vocação, com os
elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.
Em primeiro
lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem claramente a ver com o
anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala;
a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de
salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente
modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que
Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de
Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para
os homens.
Em segundo
lugar, a missão profética realiza-se no sofrimento e na dor. É um tema
sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das propostas de Deus
provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam quase sempre em dor
e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a paixão pela Palavra
sobrepõe-se ao sofrimento.
Em terceiro
lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem
chama. A certeza de que não está só, mas que tem a força de Deus, torna o
profeta mais forte do que a dor e o sofrimento. Por isso, o profeta “não será
confundido”.
ATUALIZAÇÃO
¨ Não
sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Jahwéh”; no entanto, os primeiros
cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de
Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer
a libertação/salvação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse
destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação
mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na
ressurreição que gera vida nova.
Jesus, o
“servo” sofredor que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus
seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação dos
pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos,
fracassada e sem sentido. Temos a coragem de fazer da nossa vida uma entrega
radical ao projeto de Deus e à libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda
entrava a nossa aceitação de uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao
escolher este caminho, estamos a gerar vida nova para nós e para os nossos
irmãos?
¨ Temos
consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de
Deus? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta
libertadora de Deus alcança o nosso mundo?
2ª leitura:
Fl. 2,6-11 - AMBIENTE
A cidade de
Filipos era uma cidade próspera, com uma população constituída majoritariamente
por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da
jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do
imperador; gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália. A
comunidade cristã, fundada por Paulo, era uma comunidade entusiasta, generosa,
comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como
no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2Cor. 8,1-5), por quem
Paulo nutria um afeto especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no
entanto, uma comunidade perfeita… O desprendimento, a humildade e a
simplicidade não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios
que compunham a comunidade.
É neste
enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos apresenta. Paulo
convida os Filipenses a encarnar os valores que marcaram a trajetória
existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino, recitado nas
celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos de Filipos o
exemplo de Cristo.
MENSAGEM
Cristo Jesus
– nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Dado que
os filipenses são cristãos, quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja
imagem estão configurados, têm a iniludível obrigação de comportar-se como
Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
O hino
começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que reivindicou
ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn. 3,5.22) e Cristo (o Homem Novo que,
ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a obediência ao Pai). A
atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e
vida.
Em traços
precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não
afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-Se
homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida,
para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser
Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para
garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de
escândalo: Ele aceitou uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar
a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
No entanto,
essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a
obediência e entrega de Cristo aos projetos do Pai resultaram em ressurreição e
glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus
fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o
nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os
infernos”) reconhece Jesus como “o senhor” que reina sobre toda a terra e que
preside à história.
É óbvio o
apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida que Paulo faz aos
Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo,
servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos; esse caminho não
levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à vida plena.
ATUALIZAÇÃO
¨ Os valores
que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados em
muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo com os critérios que
presidem ao nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida
ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o
mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores,
mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros.
Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser
competitivo) conviver com estes valores?
¨ Paulo tem
consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente difícil; mas é
algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós é pedido,
nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente neste difícil caminho
da humildade, do serviço, do amor: será possível que, também aqui, sejamos as
testemunhas da lógica de Deus?
Evangelho:
Lc. 22,14-23,56 (longa) ou Lc. 23,1-49 (breve) -
Leitor 1: Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo + segundo Lucas.
Naquele tempo, 1toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos. 2Começaram então a acusá-lo, dizendo:
Ass.: “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o Rei”.
Leitor 1: 3Pilatos o interrogou:
Leitor 2: “Tu és o rei dos judeus?”
Leitor 1: Jesus respondeu, declarando:
Pres.: “Tu o dizes!”
Leitor 1: 4Então Pilatos disse aos sumos sacerdotes e à multidão:
Leitor 2: “Não encontro neste homem nenhum crime”.
Leitor 1: 5Eles, porém, insistiam:
Ass.: “Ele agita o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui”.
Leitor 1: 6Quando ouviu isto, Pilatos perguntou:
Leitor 2: “Este homem é galileu?”
Leitor 1: 7Ao saber que Jesus estava sob a autoridade de Herodes, Pilatos enviou-o a este, pois também Herodes estava em Jerusalém naqueles dias. 8Herodes ficou muito contente ao ver Jesus, pois havia muito tempo desejava vê-lo. Já ouvira falar a seu respeito e esperava vê-lo fazer algum milagre. 9Ele interrogou-o com muitas perguntas. Jesus, porém, nada lhe respondeu.
10Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei estavam presentes e o acusavam com insistência. 11Herodes, com seus soldados, tratou Jesus com desprezo, zombou dele, vestiu-o com uma roupa vistosa e mandou-o de volta a Pilatos. 12Naquele dia Herodes e Pilatos ficaram amigos um do outro, pois antes eram inimigos.
13Então Pilatos convocou os sumos sacerdotes, os chefes e o povo, e lhes disse:
Leitor 2: 14“Vós me trouxestes este homem como se fosse um agitador do povo. Pois bem! Já o interroguei diante de vós e não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais; 15nem Herodes, pois o mandou de volta para nós. Como podeis ver, ele nada fez para merecer a morte. 16Portanto, vou castigá-lo e o soltarei”.
Leitor 1: 18Toda a multidão começou a gritar:
Ass.: “Fora com ele! Solta-nos Barrabás!”
Leitor 1: 18Barrabás tinha sido preso por causa de uma revolta na cidade e por homicídio. 20Pilatos falou outra vez à multidão, pois queria libertar Jesus. 21Mas eles gritaram:
Ass.: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
Leitor 1: 22E Pilatos falou pela terceira vez:
Leitor 2: “Que mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte. Portanto, vou castigá-lo e o soltarei”.
Leitor 1: 23Eles, porém, continuaram a gritar com toda a força, pedindo que fosse crucificado. E a gritaria deles aumentava sempre mais. 24Então Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam. 25Soltou o homem que eles queriam — aquele que fora preso por revolta e homicídio — e entregou Jesus à vontade deles.
26Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus. 27Seguia-o uma grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele. 28Jesus, porém, voltou-se e disse:
Pres.: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! 29Porque dias virão em que se dirá: ‘Felizes as mulheres que nunca tiveram filhos, os ventres que nunca deram à luz e os seios que nunca amamentaram’. 30Então começarão a pedir às montanhas: ‘Cai sobre nós! e às colinas: ‘Escondei-nos!’ 31Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?”
Leitor 1: 32Levavam também outros dois malfeitores para serem mortos junto com Jesus. 33Quando chegaram ao lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. 34Jesus dizia:
Pres.: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”
Leitor 1: Depois fizeram um sorteio, repartindo entre si as roupas de Jesus. 35O povo permanecia lá, olhando. E até os chefes zombavam, dizendo:
Ass.: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!”
Leitor 1: 36Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, 37e diziam:
Ass.: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!”
Leitor 1: 38Acima dele havia um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus”. 39Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo:
Leitor 3: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”
Leitor 1: 40Mas o outro o repreendeu, dizendo:
Leitor 4: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? 41Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal”.
Leitor 1: 42E acrescentou:
Leitor 4: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”.
Leitor 1: 43Jesus lhe respondeu:
Pres.: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso”.
Leitor 1: 44Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão cobriu toda a terra até as três horas da tarde, 45pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário rasgou-se pelo meio, 46e Jesus deu um forte grito:
Pres.: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.
Leitor 1: Dizendo isso, expirou.
(Aqui todos se ajoelham e faz-se uma pausa.)
Leitor 1: 47O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus, dizendo:
Leitor 5: “De fato! Este homem era justo!”
Leitor 1: 48E as multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido e voltaram para casa, batendo no peito. 49Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que o acompanhavam desde a Galileia, ficaram a distância, olhando essas coisas.
Naquele tempo, 1toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos. 2Começaram então a acusá-lo, dizendo:
Ass.: “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o Rei”.
Leitor 1: 3Pilatos o interrogou:
Leitor 2: “Tu és o rei dos judeus?”
Leitor 1: Jesus respondeu, declarando:
Pres.: “Tu o dizes!”
Leitor 1: 4Então Pilatos disse aos sumos sacerdotes e à multidão:
Leitor 2: “Não encontro neste homem nenhum crime”.
Leitor 1: 5Eles, porém, insistiam:
Ass.: “Ele agita o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui”.
Leitor 1: 6Quando ouviu isto, Pilatos perguntou:
Leitor 2: “Este homem é galileu?”
Leitor 1: 7Ao saber que Jesus estava sob a autoridade de Herodes, Pilatos enviou-o a este, pois também Herodes estava em Jerusalém naqueles dias. 8Herodes ficou muito contente ao ver Jesus, pois havia muito tempo desejava vê-lo. Já ouvira falar a seu respeito e esperava vê-lo fazer algum milagre. 9Ele interrogou-o com muitas perguntas. Jesus, porém, nada lhe respondeu.
10Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei estavam presentes e o acusavam com insistência. 11Herodes, com seus soldados, tratou Jesus com desprezo, zombou dele, vestiu-o com uma roupa vistosa e mandou-o de volta a Pilatos. 12Naquele dia Herodes e Pilatos ficaram amigos um do outro, pois antes eram inimigos.
13Então Pilatos convocou os sumos sacerdotes, os chefes e o povo, e lhes disse:
Leitor 2: 14“Vós me trouxestes este homem como se fosse um agitador do povo. Pois bem! Já o interroguei diante de vós e não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais; 15nem Herodes, pois o mandou de volta para nós. Como podeis ver, ele nada fez para merecer a morte. 16Portanto, vou castigá-lo e o soltarei”.
Leitor 1: 18Toda a multidão começou a gritar:
Ass.: “Fora com ele! Solta-nos Barrabás!”
Leitor 1: 18Barrabás tinha sido preso por causa de uma revolta na cidade e por homicídio. 20Pilatos falou outra vez à multidão, pois queria libertar Jesus. 21Mas eles gritaram:
Ass.: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
Leitor 1: 22E Pilatos falou pela terceira vez:
Leitor 2: “Que mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte. Portanto, vou castigá-lo e o soltarei”.
Leitor 1: 23Eles, porém, continuaram a gritar com toda a força, pedindo que fosse crucificado. E a gritaria deles aumentava sempre mais. 24Então Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam. 25Soltou o homem que eles queriam — aquele que fora preso por revolta e homicídio — e entregou Jesus à vontade deles.
26Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus. 27Seguia-o uma grande multidão do povo e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele. 28Jesus, porém, voltou-se e disse:
Pres.: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! 29Porque dias virão em que se dirá: ‘Felizes as mulheres que nunca tiveram filhos, os ventres que nunca deram à luz e os seios que nunca amamentaram’. 30Então começarão a pedir às montanhas: ‘Cai sobre nós! e às colinas: ‘Escondei-nos!’ 31Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?”
Leitor 1: 32Levavam também outros dois malfeitores para serem mortos junto com Jesus. 33Quando chegaram ao lugar chamado “Calvário”, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. 34Jesus dizia:
Pres.: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”
Leitor 1: Depois fizeram um sorteio, repartindo entre si as roupas de Jesus. 35O povo permanecia lá, olhando. E até os chefes zombavam, dizendo:
Ass.: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!”
Leitor 1: 36Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, 37e diziam:
Ass.: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!”
Leitor 1: 38Acima dele havia um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus”. 39Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo:
Leitor 3: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”
Leitor 1: 40Mas o outro o repreendeu, dizendo:
Leitor 4: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? 41Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal”.
Leitor 1: 42E acrescentou:
Leitor 4: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”.
Leitor 1: 43Jesus lhe respondeu:
Pres.: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso”.
Leitor 1: 44Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão cobriu toda a terra até as três horas da tarde, 45pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário rasgou-se pelo meio, 46e Jesus deu um forte grito:
Pres.: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.
Leitor 1: Dizendo isso, expirou.
(Aqui todos se ajoelham e faz-se uma pausa.)
Leitor 1: 47O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus, dizendo:
Leitor 5: “De fato! Este homem era justo!”
Leitor 1: 48E as multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido e voltaram para casa, batendo no peito. 49Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que o acompanhavam desde a Galileia, ficaram a distância, olhando essas coisas.
AMBIENTE
Com a
chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa, chegamos ao
fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas,
para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em
Jerusalém, Jesus vai realizar o último acto do programa enunciado em Nazaré: da
sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens
novos, livres, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as
testemunhas de Jesus, a fim de que esse Reino se espalhe por toda a terra e
seja acolhido no coração de todos os homens.
MENSAGEM
A morte de
Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo,
Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar a Boa Nova aos
pobres, sarar os corações feridos, pôr em liberdade os oprimidos. Para
concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o
bem” e anunciando a proximidade de um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz
e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem
mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não
deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que
eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham o
coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os “ricos”, os
poderosos, os instalados, de que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, o
fechamento só podiam conduzir à morte.
O projeto
libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de
egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades
políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não
estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder,
influência, domínio, privilégios; não estavam dispostos a arriscar, a
desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam
Jesus, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O na cruz.
A morte de
Jesus é a consequência lógica do anúncio do Reino: resultou das tensões e
resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam este
mundo.
Podemos
também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação
última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue),
daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o
serviço.
Na cruz de
Jesus, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e
que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir
como missão a luta contra o pecado, isto é, contra todas as causas objectivas
que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração, morte. Assim, a cruz contém
o dinamismo de um mundo novo – o dinamismo do Reino.
Para além da
reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar
alguns dados que são exclusivos da versão lucana da paixão:
· No relato
da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer: “fazei isto em
memória de Mim” (cf. Lc. 22,19). A expressão não quer só dizer que os
discípulos devem celebrar o ritual da última ceia e repetir as palavras de
Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, dizer que os discípulos
devem repetir a entrega de Jesus, a doação da vida por amor.
· Só Lucas
coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos discípulos
seria o “maior” e a resposta de Jesus (cf. Lc. 22,24-27). Jesus avisa os seus
que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio exemplo de uma
vida feita serviço e dom. Estas palavras soam a “testamento” e convocam os
discípulos para fazerem da sua vida um serviço aos irmãos, ao jeito de Jesus.
· No jardim
das Oliveiras, só Lucas faz referência ao aparecimento do anjo e ao “suor de
sangue” (cf. Lc. 22,42-44). Esta cena acentua a fragilidade humana de Jesus
que, no entanto, não condiciona a sua submissão total ao projeto do Pai; e
sublinha a presença de Deus, que não abandona nos momentos de prova aqueles que
acolhem, na obediência, a sua vontade.
· Também no
relato da paixão aparece a ideia fundamental que perpassa pela obra de Lucas:
Jesus é o Deus que veio ao nosso encontro, a fim de manifestar a todos os
homens, em gestos concretos, a bondade e a misericórdia de Deus. Essa ideia
está presente no gesto de curar o guarda ferido por Pedro no Jardim do
Getsemani (cf. Lc. 22,51); está também presente nas palavras de Jesus na cruz:
“Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” – Lc. 23,34 (é desconcertante
o amor de um Filho de Deus que morre na cruz pedindo desculpa ao Pai para os
seus assassinos); está, ainda, presente nas palavras que Jesus dirige ao
criminoso que morre numa cruz, ao seu lado: “hoje mesmo estarás comigo no
paraíso” – Lc. 23,43 (é desconcertante a bondade de um Deus que faz de um
assassino o primeiro santo canonizado da sua Igreja).
· Todos os
sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus
(cf. Mt. 27,32; Mc. 15,21); no entanto, só Lucas refere que Simão transporta a
cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc. 23,26). Este dado serve a Lucas para apresentar
o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus e O segue no seu
caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após Mim, negue-se a
si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-Me” – Lc. 9,23; cf. 14,27).
ATUALIZAÇÃO
Celebrar a
paixão e morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor
tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites,
experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações,
tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e,
estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado,
incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis
repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de
amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração
dos crentes.
Contemplar a
cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma
atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que
sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são
privados de direitos e de dignidade… Significa denunciar tudo o que gera ódio,
divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias.
Significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens. Significa
aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste jeito pode conduzir
à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de um dinâmica
que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os
dinamismos da ressurreição.
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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