Dom Henrique Soares
O Concílio Vaticano II afirmou na Lumen Gentium 8 que “a Igreja de Cristo subsiste na Igreja católica”.
O recente documento da Congregação para a Doutrina da Fé explicou de
modo claro o significado de tal expressão. Apresento agora o comentário
da própria Congregação a esta frase e às questões do Documento referentes a ela:
“Como se deve entender que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja católica.
Quando G. Philips escreveu que a
expressão “subsistit in” faria “correr rios de tinta”, provavelmente
não previa que a discussão haveria de continuar por tanto tempo e com
tal intensidade, a ponto de levar a Congregação para a Doutrina da Fé a
publicar o presente documento.
Uma tamanha insistência, aliás fundada em textos conciliares e do Magistério sucessivo citados,
reflete a preocupação de salvaguardar a unidade e unicidade da Igreja,
que viriam a faltar, se se admitisse que possam existir mais
subsistências da Igreja fundada por Cristo. De fato, como se diz na Declaração Mysterium Ecclesiae, se assim fosse, chegar-se-ia a imaginar “a
Igreja de Cristo como a soma – diferenciada e, de algum modo, unitária
ao mesmo tempo – das Igrejas e Comunidades eclesiais” ou a “pensar que a
Igreja de Cristo hoje já não existe em parte alguma e que, portanto,
deva ser só objeto de procura da parte de todas as Igrejas e
comunidades”. A única Igreja de Cristo já não existiria como una
na história ou existiria apenas de forma ideal, ou seja in fieri, numa
futura convergência ou reunificação das diversas Igrejas irmãs, desejada
e promovida pelo diálogo.
Mais explícita ainda é a
Notificação da Congregação para a Doutrina da Fé sobre os escritos de
Leonardo Boff, segundo o qual, a única Igreja de Cristo “pode também
subsistir noutras Igrejas cristãs”. Invés – observa a Notificação –, “o
Concílio adotou a palavra ‘subsistit’, precisamente para esclarecer que
existe uma só ‘subsistência’ da verdadeira Igreja, ao passo que, fora
da sua composição visível, existem apenas “elementa Ecclesiae”
(elementos da Igreja), que – por serem elementos da própria Igreja –
tendem e conduzem para Igreja católica”.
Porque se empregou a expressão “subsistit in” e não o verbo “est”.
Foi precisamente esta mudança
de terminologia, na descrição da relação entre a Igreja de Cristo e a
Igreja católica, que deu ocasião às mais diversas ilações, sobretudo no
campo ecumênico. Na realidade, os Padres conciliares simplesmente
entenderam reconhecer a presença, nas Comunidades cristãs não católicas
enquanto tais, de elementos eclesiais próprios da Igreja de Cristo. Daí resulta que a identificação da Igreja de Cristo com a Igreja católica não se deve entender come se, fora da Igreja católica, exista um “vazio eclesial”.
Ao mesmo tempo, significa que, se se considera o contexto em que se
situa a expressão subsistit in, ou seja, a referência à única Igreja de
Cristo “neste mundo constituída e organizada como uma sociedade…
governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele”, a
passagem do est ao subsistit in não assume especial significado
teológico de descontinuidade com a doutrina católica precedente.
Ora, porque a Igreja assim
querida por Cristo continua de fato a existir (subsistit in) na Igreja
Católica, a continuidade de subsistência comporta uma substancial
identidade de essência entre Igreja de Cristo e Igreja católica. O
Concílio quis ensinar que a Igreja de Jesus Cristo, como sujeito
concreto neste mundo, pode ser encontrada na Igreja católica. Isso só se
pode realizar uma vez, pelo que a concepção, segundo a qual o
“subsistit” deveria multiplicar-se, não traduz propriamente o que se
entendia dizer. Com a palavra “subsistit”, o Concílio queria exprimir a
singularidade e a não multiplicabilidade da Igreja de Cristo: a Igreja
existe como único sujeito na realidade histórica.
Portanto, a
substituição de “est” com “subsistit in”, contrariamente a tantas
interpretações sem fundamento, não significa que a Igreja católica
abandone a convicção de ser a única verdadeira Igreja de Cristo, mas
simplesmente significa uma sua maior abertura à particular exigência do
ecumenismo de reconhecer o caráter e dimensão realmente eclesiais das
Comunidades cristãs não em plena comunhão com a Igreja católica, graças
aos “plura elementa sanctificationis et veritatis” (vários elementos de
santificação e de verdade) nelas presentes. Por conseguinte, embora a
Igreja seja só uma e “subsista” num único sujeito histórico, também fora
deste sujeito visível existem verdadeiras realidades eclesiais”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário