Para subir a escada da perfeição, é importante distinguir a boa e a má tristeza pelos pecados cometidos.
Há um chamado universal para o homem: o da santidade. Nenhuma pessoa
humana está excluída dessa vocação cristã, seja judeu ou grego, escravo
ou livre, homem ou mulher, pois todos somos "um em Cristo" (cf.
Gl 3, 28). O Verbo Divino encarnou-se para manifestar a
perfeita humanidade, a qual todos podemos e devemos almejar:
"Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra" (Cl 3, 2).
Ao longo da história da Igreja, muitos cristãos foram capazes de
renunciar às riquezas temporais, a fim de ganhar uma morada no céu.
Porque a santidade não é uma teoria abstrata, mas um dom de Deus àqueles
que acolhem a sua graça e se esforçam para identificar-se totalmente
com a pessoa de Cristo, também hoje é possível falar em perfeição
cristã. A santidade é possível porque se trata da expressa vontade de
Deus para o homem. Por isso,
repetiu insistentemente o Concílio Vaticano II:
"Todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam
pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo:
'esta é a vontade de Deus, a vossa santificação' (1 Ts 4,3; cf. Ef 1,4)".
A santidade, todavia, não é uma graça barata. Exige esforço. Eis o
conselho de São Paulo aos colossenses: "Mortificai, pois, os vossos
membros no que têm de terreno: a devassidão, a impureza, as paixões, os
maus desejos, a cobiça, que é uma idolatria" (
Cl 3, 5). Devido à chaga causada pelo pecado, o homem é
constantemente levado a praticar o mal que não quer, pelo que deve
recorrer a uma espécie de terapia das doenças espirituais [1].
Com efeito, é preciso, em primeiro lugar, que o homem se abra à graça de
Deus, uma vez que não se sobe nenhum degrau da escada da perfeição sem a
ajuda divina.
Por causa de uma má compreensão sobre este ponto, muitos têm se perdido no caminho da santidade, deixando-se levar por um
neopelagianismo, isto é, a vontade de alcançar o céu pelos
próprios esforços [2]. Trata-se de uma artimanha do demônio para minar
nossa esperança. Ele nos faz acreditar que já alcançamos grande avanço
espiritual e que, por isso, somos irrepreensíveis aos olhos de Deus. Por
conseguinte, ao sermos pegos em falta, surpreendemo-nos, pois
"pensávamos ser pessoas firmes, decididas e sólidas e, ao ver que não
somos nada disso e que demos com o nariz em terra, sentimo-nos
perturbados, magoados e descontentes com nossa fragilidade" [3].
Quando a alma se encontra em uma situação como essa, deve saber
distinguir entre a boa e a má tristeza causada pela falta cometida.
Conforme diz São Paulo à comunidade de Corinto, "a tristeza que é
segundo Deus produz uma penitência estável para a salvação; a tristeza
do mundo produz a morte" (
2 Cor 7, 10). Na mesma linha, São Francisco de Sales alerta [4]:
A tristeza pode, pois, ser boa ou má, conforme os efeitos que produza em nós. Mas, em geral, produz mais efeitos maus que bons, porque os bons são apenas dois: a misericórdia — o pesar pelo mal dos outros — e a penitência — a dor de ter ofendido a Deus —, ao passo que os maus são seis: medo, preguiça, indignação, ciúme, inveja e impaciência.
Na jornada pela santidade, portanto, o peregrino deve sempre ter em
mente a sua profunda dependência de Deus. É exatamente o que exorta São
Josemaría Escrivá: "Deixa que o teu coração transborde em efusões de
Amor e de agradecimento ao considerar como a graça de Deus te liberta
todos os dias dos laços que te arma o inimigo" [5]. De fato, a
consciência de que não somos nada sem o auxílio de Deus e que, longe
d'Ele, estaríamos invejando a comida dos porcos, tal qual o filho
pródigo, liberta-nos de toda presunção demoníaca e faz-nos enxergar
nossos pecados com serenidade e paz de espírito. Essa é a arte de
aproveitar as próprias faltas para a edificação de nossa humildade.
O amor próprio, comenta o escritor cristão Joseph Tissot, é o principal
impedimento para o progresso na vida cristã. O autor diz [6]:
Essa excessiva ansiedade da pessoa não tanto por curar-se como por saber que está curada, para ficar satisfeita consigo mesma; esses secretos despeitos que a impedem de fazer as pazes com sua consciência, porque é mais cômodo abandoná-la como incorrígivel; essas melancolias em que mergulha; essa incessante e obsessiva contemplação das faltas cometidas e de si própria; essa necessidade de lamentar-se mais diante dos homens do que diante de Deus, com o imperceptível desejo de despertar compaixão… 'todas essas penas se devem a um mesmo pai espiritual que se chama amor-próprio'.
Ora, o caminho da perfeição cristã é como aquele descrito por um monge a
um jovem curioso, que desejava saber o que os religiosos faziam dentro
do mosteiro: Aqui dentro se cai e se levanta, cai e se levanta, cai e se
levanta, até o dia em que seremos definitivamente levantados por Nosso
Senhor. Esperamos em Cristo o dia em que Ele nos limpará de toda
impureza: "Dar-vos-ei um coração novo e em vos porei um espírito novo;
tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de
carne" (
Ez 36, 26). Essa é a virtude da esperança cristã; a esperança da santidade eterna.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Cf. Rm 7, 19. Ver também: Curso de Terapia das Doenças Espirituais
- Cf. RC. 189: O que é pelagianismo?
- TISSOT, Joseph. A arte de aproveitar as próprias faltas. São Paulo: Quadrante, 2003, p. 31
- Ibidem, p. 24
- Caminho, 434
- TISSOT, Joseph. A arte de aproveitar as próprias faltas. São Paulo: Quadrante, 2003, p. 30
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