Um
dos símbolos mais mal entendidos no livro do Apocalipse é a besta que
surge do mar no capítulo 13 (há também uma besta da terra, mas este
artigo não focará nela).
São excessivas as especulações sobre a
identidade da besta. Os anticatólicos frequentemente a identificam com
um futuro “Império Romano restaurado”, o qual eles também querem
conectar, de um modo ou de outro, com a Igreja Católica.
Para descobrir quem é a besta realmente, é preciso olhar seriamente para o texto em questão.
Frequentemente, as pessoas raciocinam
assim: A besta tem dez chifres e surge do mar (13,1). Em Daniel 7, o
profeta Daniel viu uma série de quatro bestas ascendendo do mar, a
última das quais tinha dez chifres (Dn 7,7). Logo, a besta de João é a
mesma que a quarta besta de Daniel. Aquela besta simbolizava o Império
Romano. Logo, esta besta simboliza o Império Romano.
Um
problema com este raciocínio é que ele foca somente na parte do
simbolismo no Apocalipse 13. Não apenas a besta que João vê tem dez
chifres, como a quarta besta de Daniel; ela tem também um corpo como de
leopardo (13,2a), como a terceira besta de Daniel (7,6); pés como de um
urso (13,2b), como a segunda besta de Daniel (7,5); e uma boca como um
leão, como a primeira besta de Daniel (7,4). A besta que João vê, desta
maneira, incorpora o simbolismo de todas as quatro bestas de Daniel,
tornando impossível simplesmente identificá-la com a quarta da série.
Esta é parte da “fusão de imagens” que o
Apocalipse contém. Assim como João viu anjos em torno do trono de Deus
(4,6-8) que incorporavam elementos de ambos o serafim de Isaías (Is
6,2-3) e o querubim de Ezequiel (Ez 10,10-14), agora ele vê uma besta
que incorpora elementos de todas as bestas de Daniel 7. Isso sugere que a
nova besta seja como aquelas quatro – o mesmo tipo de coisa que elas
são – mas não sejam identificadas com qualquer uma delas.
Um outro problema é que a quarta besta
de Daniel não simboliza o Império Romano – pelo menos não como seu
referente primário. Ao contrário, o seu referente central é o reino que
resultou quando o reino de Alexandre o Grande desmoronou.
Entre os chifres da quarta besta de
Daniel, surgiu um pequeno chifre particular que blasfemava contra Deus
(7,8). Este pequeno chifre simboliza Antíoco IV (“Antíoco Epífanes”), o
rei selêucida que conquistou Jerusalém, blasfemou contra Deus e profanou
o templo, e introduziu a primeira “abominação da desolação” (Dn 11,31;
12,11; 1 Mac 6,7) instalando um ídolo de Júpiter Olimpo no lugar
sagrado. (Há outros tempos que uma “abominação de desolação” foi
introduzida, cf. Mt 24,15-16; Lc 21,20-21).
O que as quatro bestas de Daniel têm em
comum é que todas elas são reinos pagãos que perseguiram e dominaram o
povo de Deus, Israel. A besta de João é o mesmo tipo de coisa – uma
conquista de um império pagão. Visto que vem depois das quatro bestas de
Daniel, Roma é a candidata lógica. Mas não é um porvir, “Império Romano
restaurado”. É a coisa real, o Império Romano pagão dos primeiros
séculos. Isto é confirmado por diversas linhas de evidência.
Primeiro, o livro do Apocalipse é explícito em declarar que diz
respeito a eventos que acontecerão “em breve” (1,1; 2,16; 3,11; 22,6; 7;
12; 20). Isso indica que a carga de acontecimentos do livro (aqueles
que precedem o Milênio de Ap 20,1-10, no qual estamos vivendo agora)
deveria acontecer brevemente depois que o livro fosse escrito,
provavelmente na década de 60 d.C.
Segundo, sabemos que o número da besta é 666 e que este é o número do
nome de um homem (13,18). Não coincidentemente, o Império Romano pagão
perseguidor estava chefiado nos anos 60 depois de Cristo por César Nero,
cujo nome somava 666 no sistema de letras e números hebraico. (Em
hebraico, “Caesar Nero” = “NRWN QSR” = N 50 + R 200 + W 6 + N 50 + Q 100
+ S 60 + R 200 = 666; uma grafia variante do nome, NRW QSR, soma 616, a
qual alguns manuscritos têm no lugar de 666).
Terceiro, as sete cabeças da besta são
identificadas com sete montanhas (17,9). Embora não seja certo, estas
são provavelmente as sete colinas sobre as quais a cidade de Roma foi
construída. (A Colina do Vaticano, entretanto, não era uma das sete;
está no lado do rio Tibre oposta às sete.)
Assim
sendo, há boa evidência de que a besta do mar seja o Império Romano
pagão do primeiro século e, em especial, o imperador em sua chefia.
Isto, novamente, é como as quatro bestas de Daniel, que foram descritas
tanto como quatro reis (Dn 7,17) quanto quatro reinos (cf. Dn 7,23).
Uma confirmação posterior é encontrada
no Apocalipse falando do templo judeu como se ele ainda estivesse
operando (11,1), mas logo ser pisoteado pelos gentios, junto com a
cidade santa (11,2). Logo depois do reino de Nero, os gentios invadiram
Jerusalém, pisotearam-no e destruíram o templo.
Isso sugere não somente que a besta
correspondia ao Império Romano em geral e a César Nero em particular,
como também que o próprio livro do Apocalipse foi escrito no começo dos
anos 60, durante o reino de Nero, pouco antes da Guerra dos Judeus que
levou à destruição de Jerusalém e do templo em 70 d.C.
Traduzido para o ”Veritatis Splendor” por Marcos Zamith.
Nenhum comentário:
Postar um comentário