quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

POR QUE É TÃO DIFÍCIL ACEITAR A PRÓPRIA FRAQUEZA?

A revista La Vie se encontrou com o fundador da L’Arche, a associação que acolhe pessoas com deficiência mental. Aos 84 anos, depois de uma vida a serviço dos mais fracos, Jean Vanier fala com doçura e profundidade.

A reportagem é de Jean Mercier, Marie-Lucile Kubacki e Aymeric Christensen, Revista La Vie.

Apenas mencionamos o Natal, e ele abruptamente deixa a cadeira e vai pegar, em uma prateleira, uma bola de lã. Seu rosto se ilumina. Dentro dela, um minúsculo presépio… as paredes e os personagens são fabricados a partir da tosquia de ovelhas de Belém. Humildade, calor e doçura: Jean Vanierestá todo nesse objeto…

Encontramo-lo na comunidade da L’Arche de Trosly-Breuil, em Oise, França, onde acolheu, por mais de 40 anos, dezenas de pessoas com deficiência, compartilhando a sua vida diária, a serviço da sua dignidade e da sua felicidade. No seu último livro, Les Signes des Temps (Ed. Albin Michel), esse mestre espiritual volta a abordar a necessidade da humildade e da aceitação, por parte de cada um, da própria pobreza.

Aos 84 anos, como o senhor acolhe a fraqueza relacionada com a idade?

A minha grande sorte é a vida comunitária. Eu não tenho mais responsabilidade direta na L’Arche desde os 75 anos. A minha identidade não está no “fazer”. O que eu vivo é da ordem da comunhão. Não há maior felicidade do que não ter mais necessidade de provar nada a ninguém, mas de ser amado assim como se é. Tudo ficou mais simples. Eu não poderia estar mais feliz…

Quando o senhor era mais jovem, teve a experiência de se sentir pobre e fraco?

Sim. Na vida cotidiana, percebi que, para acolher e amar uma pessoa ferida, a minha motivação não era suficiente. Eu tinha que tomar consciência da minha fraqueza. Acima de tudo, entendi que eu não podia agir sozinho, que eu precisava dos outros.
Quando Pauline chegou à L’Arche, em 1973, ela tinha 40 anos e havia sido humilhada, rejeitada durante anos. Para acolher Pauline, era preciso que eu estivesse cercado por uma comunidade e por colaboradores que me apoiassem. E, acima de tudo, era preciso que eu me tornasse pequeno e humilde, que renunciasse a ser dominador, isto é, a ser aquele que sabe tudo e que fiz a todos o que é preciso fazer. Porque, para Pauline, não adiantava um profissional que lhe “fizesse” o bem. Ela precisava de uma pessoa que lhe dissesse: “Eu estou contente por viver com você”. As pessoas com deficiência, portanto, me ensinaram que, se eu acredito que sou forte, devo me tornar fraco.

Como se aprende a se tornar fraco?

Se me encontro diante de uma pessoa que sofre do mal de Alzheimer, por exemplo, sou pobre, não tenho nada a fazer a não ser tomar a sua mão, sorrir, cantarolar ou “esboçar” um passo de dança. Faz-se a experiência do que Jesus disse a São Paulo, quando este suplicou ao Senhor para lhe tirar a sua fraqueza. Paulo fala a respeito de maneira “imagética” como de um espinho cravado no seu lado. Mas Jesus lhe diz: “A minha graça te basta. Porque a minha força se desdobra na fraqueza”.

No seu livro, o senhor fala da “feliz fraqueza da criança”. Pode-se usar a mesma expressão para uma pessoa idosa não mais autossuficiente?

Seja criança ou velho, a fraqueza não é felicidade se não se é amado. É o inferno. É preciso que o velho seja amado por aquilo que é, não por aquilo que faz, de alguém que lhe diga: “Eu amo você como você é”. A questão de saber se sou amável é muito profunda.
No fundo, sempre nos perguntamos secretamente: “Há pessoas que se interessam não por aquilo que eu faço, mas sim por aquilo que eu realmente sou?”. E precisamos de um verdadeiro encontro, em uma pobreza que não busca poder algum. No meu livro, eu falo de uma experiência que eu vivi com uma assistente da nossa comunidade, na Austrália, com um jovem prostituto. Ela havia acorrido ao leito desse jovem que estava morrendo de overdose, que lhe jogou na cara: “Você sempre quis me mudar, você nunca aceitou como eu sou”. Ele estava procurando uma pessoa capaz de ouvi-lo sem querer mudá-lo. Aquela mulher não o tinha encontrado verdadeiramente.

Por que é tão difícil aceitar a própria fraqueza?

Etty Hillesum se compara a um poço, no fundo do qual Deus existe, mas que está obstruído por detritos. Esses detritos representam a minha tendência compulsiva a provar que sou melhor do que os outros. Quero ser reconhecido, com títulos, etiquetas. É um modo de me pôr em uma hierarquia, muitas vezes cultural, que me tranquiliza. Mas Jesus me diz: “Quando você oferece um almoço ou uma janta, não convides os seus amigos, nem os seus vizinhos ricos, mas convide os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então, você será abençoado”. E acrescenta: eu serei realmente feliz quando as minhas barreiras, os do poder e do conformismo, começarem a cair. É uma luta, porque a promoção e o sucesso estão no centro de tudo. Mesmo nas escolas católicas, coloca-se em primeiro lugar o 100% de sucesso no vestibular… O meu objetivo é ajudar as pessoas a descobrir que são um poço e que podem dar a vida no seu encontro com o outro. É uma verdadeira luta em uma cultura da normalidade, em que a obsessão é mendigar a aprovação dos chefes, em vez de ajudar as pessoas a serem verdadeiras.

Há aqueles que fantasiam um mundo sem pessoas com deficiência. Como seria esse mundo?

Eliminar a deficiência? Então, seria preciso impedir todas as doenças mentais! Tal idealização sonha com um mundo sem morte. A tirania da normalidade e da competitividade leva a humilhar cada vez mais as pessoas que não estão na norma. Quer-se um mundo perfeito, como se quer um filho perfeito. Se eu quero criar uma criança para satisfazer os meus desejos, eu crio um conflito, porque uma criança deve ser claramente liberta do desejo dos seus pais.

Ser “fraco” e verdadeiro é algo que implica em riscos?

Certamente, é perigoso ser você mesmo, até porque posso me equivocar. Uma palavra de Etty Hillesum me ajudou: “A possibilidade da morte está perfeitamente integrada na minha vida”. Em outras palavras: eu aceitei que façam parte da minha vida a perda e o fracasso, ou seja, o risco. Quando eu comecei a L’Arche, eu tomei comigo dois homens que vinham do manicômio e vivia com eles. Eu não sabia o que eu estava fazendo, não refleti muito a respeito. Confiei-me ao que eu sentia que era o meu dever. E eu acreditei na Providência. Para viver, é preciso aceitar a insegurança, ousar ser diferente, fazer com que as coisas mudem. Corremos riscos quando fazemos ouvir uma voz diferente.

Algumas pessoas se mostraram vulneráveis, e a sua confiança foi traída. Elas dizem: “Não caio mais nessa!”. O que o senhor responde a elas?
Quando a confiança é destruída, é muito duro. É preciso que a pessoa traído ouça alguém lhe dizer: “Sim, você sofreu terrivelmente, o que você viveu é assustador”.

Stéphane Hessel disse aos jovens: “Indignai-vos!”. E o senhor, o que diz a eles?

Seria simples demais, um slogan… Eis o que eu digo a eles: “Vocês sabem que são belos? Vocês são preciosos, você carregam dentro de si capacidades extraordinárias de bondade, podem dar a vida através da sua compaixão. Mas, para isso, é preciso se levantar, agir!”.

Na Igreja, estamos entrando em um período de fragilidade e de pobreza, as pessoas estão preocupadas. Qual é a sua mensagem de esperança?
Muitas pessoas são como Pedro antes do Pentecostes: não suportava que Jesus falasse de fraqueza, de sofrimento, de que ele lavaria os seus pés. A tal ponto que acabou dizendo, quando Jesus foi preso: “Eu não conheço esse homem!”. Sim, Jesus é forte. Mas há também um Jesus fraco, que quer entrar em uma comunicação coração a coração conosco. Há também uma Igreja humilhada, sobretudo por causa das suas próprias culpas. Uma Igreja que me oferece o corpo e o sangue de Jesus. O Verbo se fez carne. É preciso que o meu coração de pedra se torne um coração de carne. “É preciso que você coma a minha carne para se tornar como eu”, disse Jesus. É surpreendente, não? Ele acrescenta: “Digo-lhes isso para que a minha alegria esteja em vocês, e a sua alegria seja perfeita”. Sonho que somos pessoas felizes em pequenas comunidades, em que os fracos e os fortes são alegres juntos, em um lugar de comunhão em que não teremos que provar que somos melhores do que os outros. Que damos vida revelando-nos reciprocamente que somos cada vez mais belos do que pensamos.

Esse é o centro da mensagem evangélica?

Deus se revela na fraqueza e na vulnerabilidade. Eu descubro quem Jesus realmente é quando eu descubro que sou fraco e que preciso de um Salvador que me salve dos meus medos e das minhas atitudes compulsivas. Que me ajude sobretudo a aceitá-los, isto é, que as coisas não mudarão rapidamente, como podemos desejar. Devo aceitar a minha realidade, isto é, que eu não sou perfeito. É preciso aceitar a própria fraqueza. Nisso está a verdadeira beleza do ser humano.



 

Percurso de Jean Vanier

1928 – Nasce em Genebra (Suíça).
1942 - Entra, a seu pedido, no Colégio da Marinha Real (Reino Unido) aos 13 anos.
1950 – Renuncia à Marinha e estuda teologia.
1964 – Estabelece-se em Trosly-Breuil (Oise) com dois deficientes mentais. Assim começa a aventura da comunidade de L’Arche, que se espalhou a partir dos anos 1970 por todos os continentes.

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