Peregrinos e viajantes na terra, segundo a
expressão do apóstolo, nós não temos aqui residência fixa.
No curso do tempo somos levados: o mundo passa
depressa e nós passamos ainda mais depressa que o mundo. Todavia o homem
persiste em se estabelecer sobre a terra e procura ai fixar as suas raízes, como
se ai pudesse permanecer sempre. Obreiros remissos, nós descuidamos da tarefa da
salvação assinada à todo católico; administradores infiéis, não fazemos valer o
tesouro que nos é confiado; navegantes imprudentes, nos aventuramos no meio dos
recifes, em vez de seguirmos em direção ao porto.
Nesta perigosa situação, a voz divina não nos
falta com as suas advertências. O divino Salvador, cheio de misericórdia, nos
envia a sua luz sob todas as formas, para nos esclarecer sobre os nossos
verdadeiros destinos, e os seus anjos não cessam de nos chamar à verdadeira
pátria.
Por que motivo, porém, depois de ter aberto as
portas do céu a todos os homens, nos declara, entretanto, o Evangelho que os
chamados são muitos e poucos o escolhidos? Pois seria possível que Deus nos
estendesse compassivo uma das mãos, para nos arredar com a outra? Por acaso não
nos chamaria Ele, senão para nos perder? E Jesus Cristo, mostrando-nos o caminho
da salvação, teria por acaso enchido esse caminho de obstáculos
insuperáveis?
Longe de nós tão condenáveis pensamentos!
O Evangelho nos ensina que Jesus Cristo morreu
por muitos homens: “pro omnibus mortuus est Christus”. Ele deseja
salvação de todos, a sua graça apareceu a todos, disse o Apóstolo; e a paz do
céu foi oferecida a todos os homens de boa vontade.
Mas, se todos são assim chamados, por que é que
os escolhidos são em pequeno número?
Sem entrar aqui nos mistérios incompreendidos,
devemos crer que escolhidos são os que respondem fielmente ao apelo
divino.
Ora, como respondem os homens a este apelo? Uns
não ouvem sequer a voz de Deus; e não ouvem porque não a querem ouvir.
Outros ouvem e respondem, mas não caminham; e
mesmo entre os que caminham, muitos seguem caminho errado.
Elucidemos estas graves considerações.
Os homens que recusam ouvir a voz de
Deus são todos os que fogem ao que lhes poderia perturbar os interesses ou os
prazeres. Estes não conhecem senão a vida atual, não apreciam senão os
bens terrestres e como absolutamente lhes falta o senso das coisas do céu,
chegam mesmo a duvidar de que têm uma alma.
E, efetivamente, bem se poderia duvidar disto,
pois que em verdade parecem não ter alma os que vivem como se a não
tivessem.
Homens tais tornam inútil o apelo divino,
porque não querem ouvir: “Jerusalém, Jerusalém! Quantas vezes tenho eu
desejado reunir os teu filhos, como a galhinha reúne os seus pintinhos, e tu não
tens querido!”
Outros há que ouvem a voz de Deus, mas não lhe
respondem. Como recebem estes os ensinamentos da Religião! Que uso fazem da
divina Graça? Que efeito lhes produz o verbo cristão, se apenas se limitam a
ouvi-lo?
Entendem sem dúvida o que Deus lhes fala e não
desconhecem os artigos de lei divina; mas, ligando a tudo com menos importância,
deixam de responder por algum modo ao apelo que lhes vem do alto. Para tais
homens esse apelo é, portanto, vão.
E esses mesmos que respondem a voz de Deus,
fazem eles sempre alguma coisa mais do que responder a ela? Metem eles acaso
mãos à obra? Acaso dizem, como o filho pródigo: “Surgam et ibo?” E
erguem-se enfim para se lançarem nos braços do Pai? Ai deles, que adiam
indefinidamente o cumprimento do seu dever!
Aguardam muitas vezes para isso uma mudança de
posição, uma circunstância mais favorável, uma idade mais madura, ou a conclusão
de um negócio, ou a morte de um parente; e não pensam que os dias da sua vida
estão contados e que a graça adiada quase nunca se torna a achar!
“De que lhes servirá ter ganho o
mundo inteiro, se eles vêm a perder a sua alma?” Evidentemente a
sorte destes será igual a dos desgraçados que não ouviram a voz de Deus, senão
mais deplorável ainda.
Há, finalmente almas, aliás piedosas e
timoratas, que tendo escutado o apelo divino, acodem a ele e se põem a caminho
para seguir Jesus Cristo; mas vacilam e esmorecem ante os primeiros obstáculos,
recuam em vez de avançar e depondo as armas, abandonam a obra começada.
Ora, Jesus Cristo disse: “Aquele que,
depois de ter posto a mão no arado, voltar atrás, não é digno do Reino de
Deus”.
O que perde estas almas é a falta de
coragem; elas não têm confiança nem firmeza.
Marchavam na direção do céu enquanto fluiam as
divinas consolações, mas no momento em que pela cruz se ia provar e
purificar o seu amor, começam a retroceder. O divino apelo foi-lhes
também inútil.
Agora, se dentre os chamados tirarmos os que se
conservam surdos à voz de Deus, os que deixam de acudir ao seu apelo e os que
acodem mas não perseveram até o fim, poderemos compreender a palavra do Senhor:
“Muitos chamados, poucos escolhidos!” Esta palavra não é uma sentença
prévia nem uma condenação antecipada: é a comprovação de um fato, uma conclusão
aritmética.
Digamos pois, ao Senhor com o profeta:
“Falai, que vosso filho vos escuta!” O nosso grande bem, para este
mundo efêmero como para a eternidade, consiste em escutar a palavra de Deus e em
saber guardá-la: “Aquele que a guarda – diz o Evangelho – viverá
eternamente”.
Que a mãe se aplique a escutar a voz de Deus, e
Deus por sua vez escutará as suas súplicas. Seja ela fiel à sua consciência, e
Deus será fiel as suas promessas.
Justifique ela, enfim, o seu título de mãe
cristã e Deus será seu pai e o protetor de sua casa.
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