A
liturgia deste domingo celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é
uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra.
Cumprindo o projeto libertador que o Pai nos queria oferecer, essa “luz”
incarnou na nossa história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao
encontro da salvação, da vida definitiva.
A
primeira leitura anuncia a chegada da luz salvadora de Jahwéh, que transfigurará
Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus povos de todo o
mundo.
No
Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os
“magos” do oriente, representantes de todos os povos da terra… Atentos aos
sinais da chegada do Messias, procuram-n’O com esperança até O encontrar,
reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação
rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a
todos os homens, sem exceção.
A
segunda leitura apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai
atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de
irmãos – a comunidade de Jesus.
1ª
LEITURA: Is. 60,1-6 - AMBIENTE
Aos
capítulos 56-66 do Livro de Isaías, convencionou-se chamar “Trito-Isaías”.
Trata-se de um conjunto de textos cuja proveniência não é totalmente consensual…
Para alguns, são textos de um profeta anônimo, pós-exílico, que exerceu o seu
ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilônia, nos anos
537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores
pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente
longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.). De qualquer forma, estamos na
época a seguir ao Exílio e numa Jerusalém em reconstrução… As marcas do passado
ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os judeus que se estabeleceram
na cidade são ainda poucos; a pobreza dos exilados faz com que a reconstrução
seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está
desanimada… Sonha-se, no entanto, com esse dia futuro em que vai chegar Deus
para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser
uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para
sempre no meio do seu Povo.
O
texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a
“cidade dos dois sóis” (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação
geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do dia, até ao pôr do
sol).
MENSAGEM
Inspirado,
sem dúvida, pelo sol nascente que ilumina as belas pedras brancas das
construções de Jerusalém e faz a cidade transfigurar-se pela manhã (e brilhar no
meio das montanhas que a rodeiam), o profeta sonha com uma Jerusalém muito
diferente daquela que os retornados do Exílio conhecem; essa nova Jerusalém
levantar-se-á quando chegar a luz salvadora de Deus, que dará à cidade um novo
rosto. Nesse dia, Jerusalém vai atrair os olhares de todos os que esperam a
salvação. Como consequência, a cidade será abundantemente repovoada (com o
regresso de muitos “filhos” e “filhas” que, até agora, assustados pelas
condições de pobreza e de instabilidade ainda não se decidiram a regressar);
além disso, povos de toda a terra – atraídos pela promessa do encontro com a
salvação de Deus – convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas
(nomeadamente incenso, para o serviço do Templo) e cantando os louvores de
Deus.
ATUALIZAÇÃO
Como
pano de fundo deste texto (e da liturgia deste dia) está a afirmação da eterna
preocupação de Deus com a vida e a felicidade desses homens e mulheres a quem
Ele criou. Sejam quais forem as voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e
presente, acompanhando a caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida
definitiva. Esta “fidelidade” de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a
esperança… Caminhamos pela vida de cabeça levantada, confiando no amor infinito
de Deus e na sua vontade de salvar e libertar o homem.
É
preciso, sem dúvida, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém
(anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que
Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da
opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança.
Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar
que essa “luz” nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será
que, através de nós, essa “luz” atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e
transforma tudo numa nova realidade?
Na
catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não
necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de
Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz
salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap. 21,10-14.23-25). Será que nas nossas
comunidades cristãs e religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são,
pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos,
a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não
contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos
refletir?
Será
que na nossa Igreja há espaço para todos os que buscam a luz libertadora de
Deus? Os irmãos que têm a vida destroçada ou que não se comportam de acordo com
as regras da Igreja, são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias
da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou
são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade?
2ª
LEITURA: Ef. 3,2-3a.5-6 - AMBIENTE
A
carta aos Efésios (cuja autoria paulina alguns discutem por questões de
linguagem, de estilo e de teologia) apresenta-se como uma “carta de cativeiro”,
escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria paulina desta carta
discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria
ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre
61/63).
É,
de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e
amadurecida. A carta (talvez uma “carta circular”, enviada a várias comunidades
cristãs da parte ocidental da Ásia Menor) parece apresentar uma espécie de
síntese do pensamento paulino.
O
tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o
mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde
sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus,
comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela
Igreja.
Na
parte dogmática da carta (cf. Ef. 1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese
sobre “o mistério”: depois de um hino que põe em relevo a ação do Pai, do Filho
e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef. 1,3-14), o autor fala da
soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel de cabeça da
Igreja (cf. Ef. 1,15-23); depois, reflete sobre a situação universal do homem,
mergulhado no pecado, e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em
favor do homem (cf. Ef. 2,1-10); expõe, ainda, como é que Cristo – realizando “o
mistério” – levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é
a Igreja (cf. 2,11-22). O texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele,
Paulo apresenta-se como testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos
pagãos (cf. Ef. 3,1-13).
MENSAGEM
A
Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado “o mistério”. É esse
“mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor… Paulo insiste que,
em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e essa salvação não se
destina exclusivamente aos judeus, mas destina-se a todos os povos da terra, sem
exceção. Paulo é, por chamamento divino, o arauto desta novidade… Percebemos,
assim, porque é que Paulo se fez o grande arauto da “boa nova” de Jesus entre os
pagãos…
Agora,
judeus e gentios são membros de um mesmo e único “corpo” (o “corpo de Cristo” ou
Igreja), partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em igualdade de
circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus” e todos participam da promessa
feita por Deus a Abraão (cf. Gn. 12,3) – promessa cuja realização Cristo levou a
cabo.
ATUALIZAÇÃO
A
perspectiva de que Deus tem um projeto de salvação para oferecer ao seu Povo –
já enunciada na primeira leitura – tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira
novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse projeto. A
segunda novidade é que esse projeto não se destina apenas “a Jerusalém” (ao
mundo judaico), mas é para ser oferecido a todos os povos, sem
exceção.
A
Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”.
Nela, brancos e negros, pobres e ricos, ucranianos ou moldavos – beneficiários
todos da ação salvadora e libertadora de Deus – têm lugar em igualdade de
circunstâncias. Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de
crentes que se revela hoje no mundo o projeto salvador que Deus tem para
oferecer a todos os homens? Na vida das nossas comunidades transparece,
realmente, o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades
fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor ou de estatuto
social?
Destinatários,
todos, do mistério, somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Essa
fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade…
Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham conosco esta vasta casa
que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos,
mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de
culturas e de raças?
Evangelho:
Mt. 2,1-12 - AMBIENTE
O
episódio da visita dos magos ao menino de Belém é um episódio simpático e terno
que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos sonhos e
nas fantasias dos cristãos… No entanto, convém recordar que estamos ainda no
âmbito do “Evangelho da Infância”; e que os fatos narrados nesta secção não são
a descrição exata de acontecimentos históricos, mas uma catequese sobre Jesus e
a sua missão… Por outras palavras: Mateus não está aqui interessado em
apresentar uma reportagem jornalística que conte a visita oficial de três chefes
de estado estrangeiros à gruta de Belém; mas está interessado em (recorrendo a
símbolos e imagens bem expressivos para os primeiros cristãos) apresentar Jesus
como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de
toda a terra.
MENSAGEM
A
análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor
(Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.
Notemos,
em primeiro lugar, a insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém
de Judá (cf. vs. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que
Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a
família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios
proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de
nascer em Belém (cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai.
Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido
em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para o reconhecerem como o Messias
libertador.
Notemos,
em segundo lugar, a referência a uma estrela “especial” que apareceu no céu por
esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação desta
referência como histórica levou alguém a cálculos astronômicos complicados para
concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno
luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura
de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio
Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa,
pois Mateus não está a narrar fatos históricos. Segundo a crença popular da
época, o nascimento de uma personagem importante era acompanhado da aparição de
uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o Messias como a estrela
que surge de Jacob (cf. Nm. 24,17). Ora, é com estes elementos que a imaginação
de Mateus, posta ao serviço da catequese, vai inventar a “estrela”. Mateus está,
sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos
seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era esse Messias
esperado.
Temos
ainda as figuras dos “magos”. A palavra grega “mágos”, usada por Mateus, abarca
um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas:
mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos…
Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo
judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses
povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is. 60,1-6), que se
põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar
a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de
Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.
Além
de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas
atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel
rejeita Jesus, enquanto que os “magos” do oriente (que são pagãos) O adoram;
Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da notícia do nascimento do
menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria
e reconhecem em Jesus o seu salvador.
Mateus
anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser
acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O
itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram
para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a
luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar,
perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus
e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de
pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do
seu próprio caminho em direção a Jesus.
ATUALIZAÇÃO
Em
primeiro lugar, meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos
apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos
sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, o libertador enviado por
Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a
adoração (os “magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença
(os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse
Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Identificamo-nos com algum
destes grupos? Não é fácil “conhecer as Escrituras”, como profissionais da
religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao
lado?
Os
“magos” são apresentados como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela”
o sinal da chegada da libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” – isto é,
somos capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz
de Deus? Procuramos perceber nos “sinais” que aparecem no nosso caminho a
vontade de Deus?
Impressiona
também, no relato de Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”,
deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma
atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso
colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem, ao nosso computador?
Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através
dos irmãos?
Os
“magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que
acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a
imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores
e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu
Senhor.
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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