Blogueiro Jorge Ferraz
Muito interessante o artigo do Rodrigo Constantino(
http://zezoferreira.blogspot.com.br/2013/01/o-estado-de-bem-estar-social-criou-uma.html )
Analisando a maneira como o homem moderno encara o mundo ao seu redor, o
articulista sentencia:
Somos os herdeiros de uma geração mimada, que colheu os
frutos do árduo trabalho de seus pais, acostumados com vidas mais duras, com
guerras, com diversas restrições. Essa geração, principalmente na década de 1960
e 70, pensou que bastava demandar, e todos os seus desejos seriam atendidos,
sabe-se lá por quem.
A tese não é nova. Ela já se encontra na clássica obra do
filósofo espanhol Ortega y Gasset, “A
Rebelião das Massas”;
curiosamente, o livro foi escrito no final da década de 20 do século passado, mostrando que o fenômeno se
encontrava bem delineado já quarenta anos antes do período histórico citado pelo
articulista d’O Globo. A análise, não obstante, é precisa. Não creio que
tenhamos melhorado muito de lá para cá.
A idéia de que «[o] Estado de bem-estar social criou uma
bomba-relógio, mas ninguém quer pagar a fatura» pode parecer catastrofista para
alguns, mas esta recusa em aceitar o diagnóstico só reforça a existência da
moléstia. Afinal, como diz o Constantino, a crise
não é somente econômica, mas também moral; e o desprezo
que a sociedade nutre para com os valores que foram fundamentais à sua
construção é a característica mais pungente e universal das crises
modernas.
Ortega y Gasset não padece das mesmas limitações de
espaço que o Constantino na sua coluna de jornal e, portanto, pode se dar ao
luxo de ser mais persuasivo. O filósofo espanhol gasta longas páginas para
explicar como o homem moderno deixou de se sentir obrigado pelas circunstâncias
exteriores – as intempéries da natureza, os conflitos entre os indivíduos e os
povos, a penúria e a escassez de recursos, etc. – para se enxergar como um
detentor de direitos ilimitados cujo merecimento é pressuposto como se fosse uma
lei básica da natureza.
Em uma palavra: estamos
falando do fenômeno que produz adultos vivendo como adolescentes mimados,
incapazes de fazer as coisas por conta própria e acreditando sinceramente que a
tudo têm direito, bastando-lhes bater o pé e exigi-lo a plenos pulmões.
Mas o alto grau de civilização ao qual fomos capazes de chegar (e que
possibilita, sim, alguns benefícios perfeitamente inimagináveis a civilizações
passadas) não se sustenta por si só, muito pelo contrário: exige o trabalho
árduo de homens valorosos que possam mantê-lo. E as atuais circunstâncias nas
quais vivemos fazem com que homens assim sejam cada vez mais raros: é a própria
civilização que, se mal vivida, enseja e produz a barbárie.
Num tal cenário, são em princípio bem-vindas todas as
iniciativas que intentem chamar a atenção para os riscos que corremos, por
impopulares que sejam. Mas temo que elas caiam na irrelevância exatamente por
pintarem um quadro demasiado tétrico, excessivamente indigesto à sensibilidade
moderna. Como – a comparação é-me inevitável – o homem d’A República de Platão
que, tendo saído da caverna para ver o mundo verdadeiro, é tratado com escárnio
e hostilidade ao voltar para os seus e lhes contar que eles não vêm senão
sombras. Penso que é necessário tomar o
devido cuidado para evitar este tipo de reação: afinal de contas, não nos
interessa simplesmente que as gerações futuras reconheçam o acerto de nossas
análises, interessa-nos oferecer a nossa contribuição para evitar (ou pelo menos
minimizar) as agruras que se anunciam no horizonte.
Muita água rolou por debaixo da ponte nesses últimos
oitenta anos, e alguém pode dizer que a realidade, no geral, tem se mostrado
muito mais aprazível do que os vaticínios feitos há tantas décadas por um
espanhol que morreu antes do nascimento dos Beatles; à parte a Segunda Guerra, a
tensão que se lhe seguiu e alguns conflitos menores aqui e acolá, o mundo ainda
parece ser um lugar bem habitável e não parece que estejamos caminhando rumo à
borda do penhasco. Por quê, então, ressuscitar estas teorias ultrapassadas, que
o decurso dos anos já demonstrou falsas e excessivamente
pessimistas?
De minha parte, eu penso que aqueles princípios estão
corretos, mas tão corretos que as únicas tentativas de desmenti-los se dão no
campo da casuística seletiva: “isto ainda não aconteceu”, “as coisas não estão
tão ruins assim”, “em tais e quais aspectos estamos melhores do que há vinte
anos”, et cetera. E, exatamente por isso, penso que é desejável
apresentar o discurso sob uma ótica mais propositiva.
Eu não sei se o mundo vai se transformar num lugar
impossível de se viver (e nem muito menos quando isso se dará); mas sei que ele
possui incontáveis problemas que poderiam ser resolvidos se as pessoas tivessem
um senso moral mais apurado. Eu não sei se os netos pobres seremos nós ou os
nossos filhos; mas sei que diversas coisas foram perdidas ao longo das últimas
gerações e recuperá-las vai indiscutivelmente nos enriquecer. Eu não sei quais
os limites exatos de flexibilidade moral que uma sociedade pode suportar antes
de entrar em colapso; mas sei que existem valores, que eles são uma coisa
positiva e, portanto, sempre vale a pena – independente das circunstâncias
históricas que nos cerquem – defendê-los e os promover.
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