A liturgia deste domingo tem
como cenário de fundo o projeto salvador de Deus. No Batismo de Jesus nas
margens do Jordão, revela-se o Filho amado de Deus, que veio ao mundo enviado
pelo Pai, com a missão de salvar e libertar os homens. Cumprindo o projeto do
Pai, Jesus fez-Se um de nós, partilhou a nossa fragilidade e humanidade,
libertou-nos do egoísmo e do pecado, empenhou-Se em promover-nos para que
pudéssemos chegar à vida plena.
A primeira leitura anuncia um
misterioso “Servo”, escolhido por Deus e enviado aos homens para instaurar um
mundo de justiça e de paz sem fim… Animado pelo Espírito de Deus, Ele
concretizará essa missão com humildade e simplicidade, sem recorrer ao poder, à
imposição, à prepotência, pois esses esquemas não são os de Deus.
No Evangelho, aparece-nos a
concretização da promessa profética veiculada pela primeira leitura: Jesus é o
Filho/”Servo” enviado pelo Pai, sobre quem repousa o Espírito, e cuja missão é
realizar a libertação dos homens. Obedecendo ao Pai, Ele tornou-se pessoa,
identificou-Se com as fragilidades dos homens, caminhou ao lado deles, a fim de
os promover e de os levar à reconciliação com Deus, à vida em plenitude.
A segunda leitura reafirma que
Jesus é o Filho amado que o Pai enviou ao mundo para concretizar um projeto de
salvação; por isso, Ele “passou pelo mundo fazendo o bem” e libertando todos os
que eram oprimidos. É este o testemunho que os discípulos devem dar, para que a
salvação que Deus oferece chegue a todos os povos da terra.
LEITURA I – Is 42,1-4.6-7
O nosso texto pertence ao
“Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). “Deutero-Isaías” é um
nome convencional com que os biblistas designam um profeta anônimo da escola de
Isaías, que cumpriu a sua missão profética na Babilônia, entre os exilados
judeus. Estamos na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C.; os judeus
exilados estão frustrados e desorientados pois, apesar das promessas do profeta
Ezequiel, a libertação tarda… Será que Deus se esqueceu do seu Povo? Será que as
promessas proféticas eram apenas “conversa fiada”?
O Deutero-Isaías aparece,
então, com uma mensagem destinada a consolar os exilados. Começa por anunciar a
iminência da libertação e por comparar a saída da Babilônia ao antigo êxodo,
quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do Egito (cf. Is 40-48); depois,
anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade que a guerra reduziu a cinzas,
mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is
49-55).
No meio desta proposta
“consoladora” aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11;
52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São cânticos que falam de uma
personagem misteriosa e enigmática, que os biblistas designam como o “Servo de
Jahwéh”: ele é um predileto de Jahwéh, a quem Deus chamou, a quem confiou uma
missão profética e a quem enviou aos homens de todo o mundo; a sua missão
cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à Palavra; o sofrimento do
profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor, pois dele resulta o perdão
para o pecado do Povo; Deus aprecia o sacrifício deste “Servo” e
recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detratores e
adversários.
O texto que hoje nos é proposto
é parte do primeiro cântico do “Servo” (cf. Is 42,1-9). É possível que a
personagem a quem este primeiro cântico se refere seja Ciro, rei dos persas, o
homem a quem Deus confiou a libertação do seu Povo…
O nosso texto tem duas partes;
ambas afirmam – como se estivéssemos diante de dois movimentos concêntricos, que
partem do mesmo lugar e terminam da mesma forma – a eleição do “Servo” e a sua
missão. No entanto, a primeira desenvolve mais o aspecto do chamamento; a
segunda define melhor a questão da missão.
Na primeira parte (vers. 1-4),
afirma-se que o “Servo” é um “eleito” (“behir”) de Deus, isto é, alguém que Deus
Se dignou “escolher” (“bahar”) entre muitos, em vista de uma função ou missão
especial (cf. Nm 16,5.7; 17,20; Dt 4,37; 7,6.7; 10,15; 14,2; 18,5; 21,5; 1 Sm
2,28; 10,24; 2 Sm 6,21; 1 Re 3,8; etc.). Estamos no contexto da “eleição”, isto
é, no contexto em que Deus destaca alguém de entre muitos para o seu
serviço.
A “ordenação” do “Servo”
realiza-se através do dom do Espírito (“ruah”), que dará ao “Servo” o alento de
Jahwéh, a capacidade para levar a cabo a missão: é o mesmo Espírito que Deus
derrama sobre os chefes carismáticos do Povo de Deus (cf. Jz 33,10; 1 Sm 9,17;
16,12-13). Animado por esse Espírito, o “Servo” irá levar “a justiça (‘mishpat’)
às nações”: será uma missão de âmbito universal, que consistirá na implementação
das decisões justas dos tribunais, base de uma ordem social consentânea com os
esquemas e os projectos de Deus. A implementação dessa “nova ordem” não se dará
com o recurso à força, à violência, ao espetáculo, mas com a bondade, a mansidão
e a simplicidade que definem a lógica de Deus. Sobretudo, o “Servo” atuará com
simplicidade, sem nada impor e sem desanimar perante as dificuldades da
missão.
Na segunda parte (vers. 6-7),
começa-se por afirmar que o “Servo” foi “chamado” pelo Senhor e, imediatamente,
passa-se à finalidade desse chamamento: instaurar “a justiça” (“tzedeq”) – isto
é, a missão do “Servo” é o estabelecimento de uma reta ordem social.
Explicitando melhor a missão do “Servo”, Deus convida-o a ser “a luz das nações”
e, em concreto, a abrir os olhos aos cegos, a tirar do cárcere os prisioneiros e
da prisão os que habitam nas trevas. É, portanto, uma missão de libertação e de
salvação.
Nas duas partes, fica claro que
o “Servo” é um instrumento através do qual Deus atua no mundo para levar a
salvação aos homens: ele é alguém que Deus escolheu entre muitos, a quem chamou
e a quem confiou uma missão – trazer a justiça, propor a todas as nações uma
nova ordem social da qual desaparecerão as trevas que alienam e impedem de
caminhar e oferecer a todos os homens a liberdade e a paz. Deus não só está na
origem (escolha, chamamento e envio) da missão do “Servo”, mas acompanhará a
concretização da missão e possibilitará o seu êxito: para levar a cabo a missão,
o “Servo” contará com a ajuda do Espírito de Deus, que lhe dará a força de
assumir a missão e de a concretizar.
ATUALIZAÇÃO
• A figura misteriosa e
enigmática do “Servo” de que fala o Deutero-Isaías apresenta evidentes pontos de
contacto com a figura de Jesus… Os primeiros cristãos – colocados perante a
dificuldade de explicar como é que o Messias tinha sido condenado pelos homens e
pregado na cruz – irão utilizar os cânticos do “Servo” para justificar o
sofrimento e o aparente fracasso humano de Jesus: Ele é esse “eleito de Deus”,
que recebeu a plenitude do Espírito, que veio ao encontro dos homens com a
missão de trazer a justiça e a paz definitivas, que sofreu e morreu para ser
fiel a essa missão que o Pai lhe confiou.
• A história do “Servo”
mostra-nos, desde já, que Deus atua através de instrumentos a quem Ele confia a
transformação do mundo e a libertação dos homens. Tenho consciência de que cada
batizado é um instrumento de Deus na renovação e transformação do mundo? Estou
disposto a corresponder ao chamamento de Deus e a assumir os meus compromissos
quanto a esta questão, ou prefiro fechar-me no meu canto e demitir-me da minha
responsabilidade profética? Os pobres, os oprimidos, todos os que “jazem nas
trevas e nas sobras da morte” podem contar com o meu apoio e empenho?
• Convém não esquecer que a
missão profética só faz sentido à luz de Deus e que tudo parte da iniciativa de
Deus: é Ele que escolhe, que chama, que envia e que capacita para a missão…
Aquilo que eu faço, por mais válido que seja, não é obra minha, mas sim de Deus;
o meu êxito na missão não resulta das minhas qualidades, mas da iniciativa de
Deus que age em mim e através de mim.
• Atentemos, ainda, na forma de
atuar do “Servo”: ele não se impõe pela força, pela violência, pelo dinheiro, ou
pelos amigos poderosos; mas atua com suavidade, com mansidão, no respeito pela
liberdade dos outros… É esta lógica – a lógica de Deus – que eu utilizo no
desempenho da missão profética que Deus me confiou?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 28
(29)
Refrão: O Senhor abençoará o
seu povo na paz.
Tributai ao Senhor, filhos de
Deus,
tributai ao Senhor glória e
poder.
Tributai ao Senhor a glória do
seu nome,
adorai o Senhor com ornamentos
sagrados.
A voz do Senhor ressoa sobre as
nuvens,
o Senhor está sobre a vastidão
das águas.
A voz do Senhor é
poderosa,
a voz do Senhor é
majestosa.
A majestade de Deus faz ecoar o
seu trovão
e no seu templo todos clamam:
Glória!
Sobre as águas do dilúvio
senta-Se o Senhor,
o Senhor senta-Se como rei
eterno.
LEITURA II – Atos 10,
34-38
Os “Atos dos Apóstolos” são uma
catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma como os discípulos
assumiram e continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram – após a partida
de Jesus deste mundo – a todos os homens.
O livro divide-se em duas
partes. Na primeira (cf. At 1-12), a reflexão apresenta-nos a difusão do
Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por ação de Pedro e dos Doze; a
segunda (cf. Act 13-28) apresenta-nos a expansão do Evangelho fora da Palestina
(até Roma), sobretudo por ação de Paulo.
O nosso texto de hoje está
integrado na primeira parte dos “Atos”. Insere-se numa perícope que descreve a
atividade missionária de Pedro na planície do Sharon (cf. Act 9,32-11,18) – isto
é, na planície junto da orla mediterrânica palestina. Em concreto, o texto
propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro em Cesareia, em casa do centurião
romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. Act 10,19-20), Pedro entra em casa
de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o, bem como a toda a sua
família (cf. At 10,23b-48). O episódio é importante porque Cornélio é o primeiro
pagão a cem por cento a ser admitido ao cristianismo por um dos Doze: significa
que a vida nova que nasce de Jesus se destina a todos os homens, sem
exceção.
No seu discurso, Pedro começa
por reconhecer que a proposta de salvação oferecida por Deus e trazida por
Cristo é universal e se destina a todas as pessoas, sem distinção de qualquer
tipo (vers. 34-36). Israel foi, na verdade, o primeiro receptor privilegiado da
Palavra de Deus; mas Cristo veio trazer a “boa nova da paz” (salvação) a todos
os homens; e agora, por intermédio das testemunhas de Jesus, essa proposta de
salvação que o Pai faz chega “a qualquer nação que o teme e põe em prática a
justiça” – ou seja, a todo o homem e mulher, sem distinção de raça, de cor, de
estatuto social, que aceita a proposta e adere a Jesus.
Depois de definir os contornos
universais da proposta salvadora de Deus, Pedro apresenta uma espécie do resumo
da fé primitiva (vers. 37-38). É, nem mais nem menos, do que o pôr em ato a
missão fundamental dos discípulos: anunciar Jesus e testemunhar essa salvação
que deve chegar a todos os homens. A leitura que nos é proposta conserva apenas
a parte inicial do “kerigma” primitivo e resume a atividade de Jesus que “passou
pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demônio,
porque Deus estava com Ele” (vers. 38). No entanto, o anúncio de Pedro continua
(embora a nossa leitura de hoje não o refira) com a catequese sobre a morte
(vers. 39), sobre a ressurreição (vers. 40) e sobre a dimensão salvífica da vida
de Jesus (vers. 43).
ATUALIZAÇÃO
• Jesus de Nazaré “passou pelo
mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demônio”. Nos
seus gestos de bondade, de misericórdia, de perdão, de solidariedade, de amor,
os homens encontraram o projeto libertador de Deus em ação… Esse projeto
continua, hoje, em ação no mundo? Nós, cristãos, comprometidos com Cristo e com
a sua missão desde o nosso Batismo, testemunhamos, em gestos concretos, a
bondade, a misericórdia, o perdão e o amor de Deus pelos homens? Empenhamo-nos
em libertar todos os que são oprimidos pelo demônio do egoísmo, da injustiça, da
exploração, da solidão, da doença, do analfabetismo, do sofrimento?
• “Reconheço que Deus não faz
acepção de pessoas” – diz Pedro no seu discurso em casa de Cornélio. E nós,
filhos deste Deus que ama a todos da mesma forma e que a todos oferece,
igualmente a salvação, aceitamos todos os irmãos da mesma forma, reconhecendo a
igualdade fundamental de todos os homens em direitos e dignidade? Que sentido
fazem, então, as discriminações por causa da cor da pele, da raça, do sexo, da
orientação sexual ou do estatuto social?
ALELUIA – cf. Mc 9, 6
Aleluia. Aleluia.
Abriram-se os céus e ouviu-se a
voz do Pai:
«Este é o meu Filho muito
amado: escutai-O».
EVANGELHO – Lc 3,15-16.21-22
O Evangelho deste domingo
apresenta o encontro entre Jesus e João Baptista, nas margens do rio Jordão. Na
circunstância, Jesus foi batizado por João.
João Baptista foi o guia
carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a proximidade do
“juízo de Deus”. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão (pois,
na opinião de João, a intervenção definitiva de Deus na história para destruir o
mal estava iminente) e incluía um rito de purificação pela água.
O “batismo” proposto por João
não era, na verdade, uma novidade insólita. O judaísmo conhecia ritos diversos
de imersão na água, sempre ligados a contextos de purificação ou de mudança de
vida. O “mergulhar na água” era, inclusive, um rito usado na integração dos
“prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade do Povo de
Deus.
Na perspectiva de João,
provavelmente, este “batismo” era um rito de iniciação à comunidade messiânica:
quem aceitava este “batismo” renunciava ao pecado, convertia-se a uma vida nova
e passava a integrar a comunidade do Messias.
O que é que Jesus tem a ver com
isto? Que sentido faz Ele apresentar-se a João para receber este “batismo” de
purificação, de arrependimento e de perdão dos pecados?
Para Lucas, João Baptista é a
última testemunha de um tempo salvífico que está a chegar ao fim: o tempo da
antiga Aliança (cf. Lc 16,16). O aparecimento em cena de Jesus significa o
começo de um novo tempo, o tempo em que o próprio Deus vem ao mundo, feito
pessoa humana, para oferecer à humanidade escravizada a vida e a salvação. No
episódio do “batismo” revela-se, desde logo, a missão específica e a verdadeira
identidade de Jesus.
Em toda a secção (cf. Lc
3,1-4,13), Lucas segue o texto de Marcos (cf. Mc 1,1-13), completado com algumas
tradições provenientes de uma outra “fonte”, formada por “ditos” de Jesus.
Numa Palestina em plena
efervescência messiânica, a figura e a atividade de João fazem que surjam
conjecturas sobre o seu possível messianismo. Será João esse “ungido de Deus”
(“messias”), cuja missão é libertar Israel da dominação estrangeira e assegurar
ao Povo de Deus vida em abundância e paz sem fim?
João rejeita, de forma
categórica, essa possibilidade. Ele não é o “messias”; a sua missão (inclusive
como administrador de um “batismo” de penitência e de purificação) é, apenas,
preparar o Povo para esse tempo novo que vai começar com a chegada do verdadeiro
“messias” (vers. 15-16). O “messias” que “vai chegar” é definido por João como
“aquele que é mais forte do que eu, do qual não sou digno desatar as correias
das sandálias”. “Desatar as correias das sandálias” era tarefa dos escravos (por
isso, a tradição rabínica proibia ao discípulo desatar as correias das sandálias
do seu mestre). A imagem utilizada define, pois, João como um “escravo” cuja
missão é estar ao serviço desse “messias” que está para chegar. O “messias”,
além de ser “mais forte” do que João, irá “batizar com o Espírito e com o fogo”.
Tanto a fortaleza, como o batismo no Espírito, são prerrogativas que
caracterizam o Messias que Israel esperava (cf. Is 9,5-6; 11,2). O testemunho de
João não oferece dúvidas: chegou o tempo do “messias”, o tempo da libertação que
os profetas anunciaram, o tempo em que o Povo de Deus irá receber o Espírito. Na
perspectiva de Lucas, esta “profecia” de João concretizar-se-á no dia de
Pentecostes: o “fogo” do “messias”, derramado sobre os discípulos reunidos no
cenáculo, fará nascer um Povo novo e livre, a comunidade da nova Aliança.
A cena do “batismo” irá
identificar claramente esse “messias” anunciado por João com o próprio Jesus
(vers. 21-22). O Espírito Santo, que desce sobre Jesus “como uma pomba”,
leva-nos a essa figura de “Servo de Jahwéh” apresentada na primeira leitura, que
recebe o Espírito de Deus para levar “a justiça às nações”. Por outro lado, a
“voz vinda do céu” apresenta Jesus como “o Filho muito amado” de Deus (vers.
22). A missão de Jesus será, como a do “Servo”, “abrir os olhos aos cegos, tirar
do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas” (Is 42,7);
para concretizar esse projeto, Ele irá “batizar no Espírito” e inserir os homens
numa dinâmica de vida nova – a vida no Espírito.
Na cena do “batismo” de Jesus,
o testemunho de Deus acerca de Jesus é acompanhado por três fatos estranhos que,
no entanto, devem ser entendidos em referência a fatos e símbolos do Antigo
Testamento…
Assim, a abertura do céu
significa a união da terra e do céu. A imagem inspira-se, provavelmente, em Is
63,19, onde o profeta pede a Deus que “abra os céus” e desça ao encontro do seu
Povo, refazendo essa relação que o pecado do Povo interrompeu. Desta forma,
Lucas anuncia que a atividade de Jesus vai reconciliar o céu e a terra, vai
refazer a comunhão entre Deus e os homens.
O símbolo da pomba não é
imediatamente claro… Provavelmente, não se trata de uma alusão à pomba que Noé
libertou e que retornou à arca (cf. Gn 8,8-12); é mais provável que a pomba (em
certas tradições judaicas, símbolo do Espírito de Deus que, no início, pairava
sobre as águas – cf. Gn 1,2) evoque a nova criação que terá lugar a partir da
atividade que Jesus vai iniciar. A missão de Jesus é, portanto, fazer aparecer
um Homem Novo, animado pelo Espírito de Deus.
Temos, finalmente, a voz do
céu. Trata-se de uma forma muito usada pelos rabbis para expressar a opinião de
Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento. Essa voz declara que Jesus é o
Filho de Deus; e fá-lo com uma fórmula tomada desse cântico do “Servo de Jahwéh”
que vimos na primeira leitura de hoje (cf. Is 42,1)… A referência ao Servo de
Jahwéh sugere que a missão de Jesus, o Filho de Deus, não se desenrolará no
triunfalismo, mas na obediência total ao Pai; não se cumprirá com poder e
prepotência, mas na suavidade, na simplicidade, no respeito pelos homens (“não
gritará, nem levantará a voz; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida
que ainda fumega” – Is 42,2-3).
Porque é que Jesus quis ser
batizado por João? Jesus necessitava de um batismo cujo significado primordial
estava ligado à penitência, ao perdão dos pecados e à mudança de vida? Ao
receber este batismo de penitência e de perdão dos pecados (do qual não
precisava, porque Ele não conheceu o pecado), Jesus solidarizou-Se com o homem
limitado e pecador, assumiu a sua condição, colocou-Se ao lado dos homens para
os ajudar a sair dessa situação e para percorrer com eles o caminho da
libertação, o caminho da vida plena. Esse era o projeto do Pai, que Jesus
cumpriu integralmente.
A cena do Batismo de Jesus
revela, portanto, essencialmente, que Jesus é o Filho de Deus, que o Pai envia
ao mundo a fim de cumprir um projeto de libertação em favor dos homens. Como
verdadeiro Filho, Ele obedece ao Pai e cumpre o plano salvador do Pai; por isso,
vem ao encontro dos homens, solidariza-Se com eles, assume as suas fragilidades,
caminha com eles, refaz a comunhão entre Deus e os homens que o pecado havia
interrompido e conduz os homens ao encontro da vida em plenitude. Da atividade
de Jesus, o Filho de Deus que cumpre a vontade do Pai, resultará uma nova
criação, uma nova humanidade.
ATUALIZAÇÃO
• No episódio do Batismo, Jesus
aparece como o Filho amado, que o Pai enviou ao encontro dos homens para os
libertar e para os inserir numa dinâmica de comunhão e de vida nova. Nessa cena
revela-se, portanto, a preocupação de Deus e o imenso amor que Ele nos dedica… É
bonita esta história de um Deus que envia o próprio Filho ao mundo, que pede a
esse Filho que Se solidarize com as dores e limitações dos homens e que, através
da ação do Filho, reconcilia os homens consigo e fá-los chegar à vida em
plenitude. Aquilo que nos é pedido é que correspondamos ao amor do Pai,
acolhendo a sua oferta de salvação e seguindo Jesus no amor, na entrega, no dom
da vida. Ora, no dia do nosso Batismo, comprometemo-nos com esse projeto… Temos,
depois disso, renovado diariamente o nosso compromisso e percorrido, com
coerência, esse caminho que Jesus nos veio propor?
• A celebração do Batismo do
Senhor leva-nos até um Jesus que assume plenamente a sua condição de “Filho” e
que Se faz obediente ao Pai, cumprindo integralmente o projeto do Pai de dar
vida ao homem. É esta mesma atitude de obediência radical, de entrega
incondicional, de confiança absoluta que eu assumo na minha relação com Deus? O
projeto de Deus é, para mim, mais importante de que os meus projetos pessoais ou
do que os desafios que o mundo me faz?
• O episódio do Batismo de
Jesus coloca-nos frente a frente com um Deus que aceitou identificar-Se com o
homem, partilhar a sua humanidade e fragilidade, a fim de oferecer ao homem um
caminho de liberdade e de vida plena. Eu, filho deste Deus, aceito ir ao
encontro dos meus irmãos mais desfavorecidos e estender-lhes a mão? Partilho a
sorte dos pobres, dos sofredores, dos injustiçados, sofro na alma as suas dores,
aceito identificar-me com eles e participar dos seus sofrimentos, a fim de
melhor os ajudar a conquistar a liberdade e a vida plena? Não tenho medo de me
sujar ao lado dos pecadores, dos marginalizados, se isso contribuir para os
promover e para lhes dar mais dignidade e mais esperança?
• No Batismo, Jesus tomou
consciência da sua missão (essa missão que o Pai Lhe confiou), recebeu o
Espírito e partiu em viagem pelos caminhos poeirentos da Palestina, a
testemunhar o projeto libertador do Pai. Eu, que no Batismo aderi a Jesus e
recebi o Espírito que me capacitou para a missão, tenho sido uma testemunha
séria e comprometida desse programa em que Jesus Se empenhou e pelo qual Ele deu
a vida?
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