“Onde quer que estejamos”, ensina São Francisco de Sales, “devemos e podemos aspirar à vida perfeita.”
Na homilia de ontem,
memória de São Francisco de Sales, Pe. Paulo Ricardo explicou como este
santo de Genebra foi importante, na história da Igreja, para aumentar
nos fiéis o entendimento de que todos são chamados à santidade,
independentemente do estado em que se encontrem.
Vai na mesma direção a leitura proposta pela Igreja no Ofício das Leituras de ontem. O texto é extraído justamente da “Filotéia”, a obra mais conhecida de São Francisco de Sales, e os alertas que nele vão contidos são de grande atualidade:
“É um erro, senão até mesmo uma heresia, querer excluir a vida devota
dos quartéis de soldados, das oficinas dos operários, dos palácios dos
príncipes, do lar das pessoas casadas”, diz o santo. Mas também seria
muito de se reprovar “que os casados não se preocupassem” com o sustento
de sua família ou quisessem passar “o dia todo na igreja como o
religioso”.
Em suma, “continue cada um vivendo na condição que o Senhor lhe atribuiu e na qual Deus o chamou” (1Cor 7, 17), contanto que, seja qual for o lugar, estejamos em Deus — e Ele esteja em nós.
Da Introdução à Vida Devota, de São Francisco de Sales, bispo
(Pars 1, cap. 3)
A devoção deve ser praticada de modos diferentesNa criação, Deus Criador mandou às plantas que cada uma produzisse fruto conforme sua espécie. Do mesmo modo, ele ordenou aos cristãos, plantas vivas de sua Igreja, que produzissem frutos de devoção, cada qual de acordo com sua categoria, estado e vocação.
A devoção deve ser praticada de modos diferentes pelo nobre e pelo operário, pelo servo e pelo príncipe, pela viúva, pela solteira ou pela casada. E isto ainda não basta. A prática da devoção deve adaptar-se às forças, aos trabalhos e aos deveres particulares de cada um.
Dize-me, por favor, Filotéia, se seria conveniente que os bispos quisessem viver na solidão como os cartuxos; que os casados não se preocupassem em aumentar seus ganhos mais que os capuchinhos; que o operário passasse o dia todo na igreja como o religioso; e que o religioso estivesse sempre disponível para todo tipo de encontros a serviço do próximo, como o bispo. Não seria ridícula, confusa e intolerável esta devoção?Contudo, este erro absurdo acontece muitíssimas vezes. E no entanto, Filotéia, a devoção quando é verdadeira não prejudica a ninguém; pelo contrário, tudo aperfeiçoa e consuma. E quando se torna contrária à legítima ocupação de alguém, é falsa, sem dúvida alguma.
A abelha extrai seu mel das flores sem lhes causar dano algum, deixando-as intactas e frescas como encontrou. Todavia, a verdadeira devoção age melhor ainda, porque não somente não prejudica a qualquer espécie de vocação ou tarefa, mas ainda as engrandece e embeleza.
Toda a variedade de pedras preciosas lançadas no mel, tornam-se mais brilhantes, cada qual conforme sua cor; assim também cada um se torna mais agradável e perfeito em sua vocação quando esta for conjugada com a devoção: o cuidado da família se torna tranquilo, o amor mútuo entre marido e mulher, mais sincero, o serviço que se presta ao príncipe, mais fiel, e mais suave e agradável o desempenho de todas as ocupações.
É um erro, senão até mesmo uma heresia, querer excluir a vida devota dos quartéis de soldados, das oficinas dos operários, dos palácios dos príncipes, do lar das pessoas casadas. Confesso, porém, caríssima Filotéia, que a devoção puramente contemplativa, monástica e religiosa de modo algum pode ser praticada em tais ocupações ou condições. Mas, para além destas três espécies de devoção, existem muitas outras, próprias para o aperfeiçoamento daqueles que vivem no estado secular.
Portanto, onde quer que estejamos, devemos e podemos aspirar à vida perfeita.
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