A primeira e talvez a segunda onda
do feminismo até podem ter sido construídas sobre ideias nobres, mas a
corrente atual é movida por nada menos do que a inveja.
Todas essas histórias fantásticas seguem um roteiro parecido.
Geralmente há uma mulher mais velha — que pode ser uma mãe, uma bruxa ou
uma rainha —, em uma posição confortavelmente superior, até alguém
ameaçar o seu lugar por ser, por exemplo, “a mais bela de todas as
mulheres” [1]. A jovem donzela precisa ser detida a qualquer custo. A
partir disso, os contos de fadas se desenrolam rumo a um desfecho comum:
as coisas não se dão bem para a bruxa má, e a jovem donzela e seu
príncipe vivem felizes para sempre.
Há muitas lições que podem ser extraídas desses contos de fadas, mas a primeira delas diz respeito ao vício atemporal da inveja.
Embora pareçam equivaler-se, ter inveja e sentir ciúmes são, na
verdade, duas coisas bem diferentes uma da outra [2]. A inveja eleva o
ciúme de uma pessoa a um novo patamar, como se quem possuísse o objeto
de seus desejos, ou fosse um obstáculo para alcançá-lo, estivesse
roubando algo dela. Não sem razão a palavra inveja vem do latim invidere, que significa, literalmente, olhar para o outro com um “olho mau”, cheio de ódio e de malícia. Ela alimenta o impulso de destruir o próximo.
Embora seja um pecado capital tanto para homens quanto para mulheres, a inveja parece estar profundamente enraizada no coração feminino, desde o tempo de Eva.
Até mesmo no Jardim do Éden é possível ver a inveja em ação. A
serpente, ao tentar a primeira mulher com o fruto da árvore do bem e do
mal, procura ao mesmo tempo colocá-la contra Deus, como se Ele estivesse retendo algo bom e que certamente era de seu direito.
“Oh, não! — tornou a serpente — vós não morrereis! Mas Deus bem sabe
que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como
deuses, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3, 4-5).
O que acontece, então, se tomarmos este vício atemporal da inveja e o
aplicarmos a nossa própria cultura? Existe por acaso uma conexão?
Sim, ela existe, mas o lugar em que se sobressai pode parecer inesperado para muitos: trata-se do feminismo radical. A primeira e talvez a segunda onda do feminismo até podem ter sido construídas sobre ideias nobres, mas a corrente atual é movida por nada menos do que a inveja.
Nós vemos a inveja atuando, primeiro e sobretudo, na relação que as
mulheres chegam a manter com os próprios filhos. A ideologia por trás da
liberação do aborto é de que “as mulheres precisam tocar suas vidas”. A
vida de uma criança seria uma ameaça ao sucesso e à felicidade de sua
mãe. Assim como em Branca de Neve, aqui também um ser humano a desabrochar é detido (literalmente envenenado, muitas vezes) e destinado a dormir um sono profundo
(só que, desta vez, sem jamais poder acordar). Como as pessoas são
capazes de exultar com um ato de tamanha destruição, ou chamar de
“empoderamento” ao ato de contar a história dos próprios abortos na
internet (como pretende um movimento recente nos Estados Unidos, chamado Shout Your Abortion)?
E quanto aos homens? Eles geralmente não são retratados como vilões
nos contos de fadas, mas a versão contemporânea da trama tem os colocado
no centro das atenções. As mulheres decretaram que só serão felizes se levarem a mesma vida que os homens levam. A atitude delas em relação a seus pares revelam as marcas destrutivas e depreciativas da inveja. As mulheres não abraçam mais o bem que os homens têm a oferecer à sociedade;
antes, vêem-no como um mal que tem de ser eliminado. Os importantes
instintos de proteção e responsabilidade que desde sempre impulsionaram
os homens à grandeza foram reduzidos à categoria de “machismo”. O mantra
feminista, nas entrelinhas, é: “Homens, ainda que nós queiramos ser
como vocês, vocês devem mudar.” Todos os dias nós vemos o veneno da
inveja sendo destilado em direção aos homens, particularmente nos
comerciais ubíquos de TV, onde todos eles agem de modo atrapalhado, até
que uma sábia mulher venha em socorro deles.
E como as feministas tratam aquelas mulheres que não abraçam seus ideais? Mulheres que escolheram ter muitos filhos e/ou preferiram a família à própria carreira são frequentemente tidas como idiotas,
“parideiras”, pessoas que preferiram ficar “presas” em casa, ao invés
de gozarem da liberdade que vem com a independência e autonomia
financeiras. Assim o movimento feminista alimenta a “estranha ideia de
que as mulheres são livres quando servem os seus empregadores, mas
escravas quando ajudam os seus maridos” [3].
Infelizmente, as mulheres cristãs não estão imunes à destruição
ideológica do feminismo radical, que está praticamente onipresente em
nossa cultura. Ao longo dos anos, estas pelo menos têm mostrado possuir
uma capacidade profunda de ajudar e encorajar outras
mulheres — virtudes que são difíceis de viver e até mesmo de ter em alta
conta, quando a cultura, de uma maneira geral, apresenta o ciúme e a
inveja como “virtudes” indispensáveis para sobreviver econômica e
socialmente.
Mas como podemos combater este velho pecado de Eva?
Primeiro, é importante termos consciência da inveja e das múltiplas
formas sob as quais ela se apresenta no mundo à nossa volta. O mais importante de tudo, porém, é olharmos para nossos próprios corações, onde este pecado muitas vezes se esconde, permeando nossas palavras, atos… e omissões.
Em segundo lugar, podemos consultar esses velhos contos de fadas à procura de ajuda. A mulher invejosa preza pelo próprio status,
esteja ele em sua juventude, em sua riqueza, em seu poder ou em sua
influência (ou mesmo em tudo isso junto). Todos esses aspectos
materiais, no entanto, não cobrem por completo o que significa ser uma mulher de Deus.
Há uma camada mais profunda de vida para as mulheres, camada a qual nós
perdemos de vista em nossa própria cultura. Trata-se de maturidade e de
sabedoria. Esses atributos não aparecem simplesmente com o
passar dos anos, mas devem ser adquiridos por meio de atos deliberados
de esforço para conquistar as virtudes da humildade, da paciência, da confiança, da pureza etc.
A chave para isso está na consciência profunda de que Deus é nosso
Pai, cuida com carinho de cada um de nós e tudo o que nos acontece faz
parte de sua vontade providente. Quando descobrimos que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8, 28) e rejeitamos a mentira de que estaríamos órfãos neste mundo, então a inveja passa a não ter mais lugar em nossas vidas.
Um espírito de gratidão por esse relacionamento com nosso Criador e por
todos os dons que recebemos, por mais pequenos e insignificantes que
pareçam, é o que precisamos para dissipar o veneno da inveja.
Como todo bom conto de fadas, nós sabemos que, no fim, a beleza, o
bem, a verdade e a honestidade verdadeiras não podem ser vencidos, mas
tão somente escondidos ou desprezados. Um dia, a fantasia da ideologia feminista finalmente virá abaixo e será revelado, então, aquilo que ela realmente é: uma grande e espalhafatosa mentira.
Notas
- A expressão “fairest of them all”, aqui traduzida ao pé da letra, faz referência à frase com que a personagem da madrasta má se dirigia ao espelho mágico na história da Branca de Neve: “Mirror, mirror on the wall, who’s the fairest of them all?” (“Espelho, espelho na parede, quem é a mais bela de todas?”, literalmente). Na versão portuguesa desse conto de fadas, a frase que ficou famosa e mais sonora em nosso idioma foi: “Espelho, espelho meu, existe alguém neste mundo mais bonita do que eu?”.
- Essa diferença é cuidadosamente explicada na Suma Teológica: enquanto os ciúmes (zelus, em latim) são considerados pelo Aquinate simples efeitos do amor (cf. I-II, q. 28, a. 4), pelo que vão abordados no tratado sobre as paixões, a inveja é sempre má e pecaminosa (cf. II-II, q. 36, a. 2), constando da seção da Suma que trata sobre a moral.
- Trata-se de uma frase, famosa, de G. K. Chesterton, já usada inúmeras vezes em outros textos nossos. Tomamos a liberdade de acrescentá-la aqui, a fim de enriquecer a matéria e completar a linha de raciocínio de sua autora.
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