Ao
convocar o Concílio Vaticano II, São João XXIII e os demais bispos da
Santa Igreja clamavam por homens sábios, que soubessem ordenar “as novas
descobertas” conforme um justo humanismo.
Nas discussões que circundam o Concílio Vaticano II, os temas mais
frequentemente lembrados são a liturgia, a liberdade religiosa e o
ecumenismo. Esses assuntos não deixam de suscitar vivo interesse, ainda
mais pela importância de sua natureza para a Igreja e para o mundo
moderno.
Ocorre que, em meio a tantas polêmicas, um ardente apelo conciliar costuma passar despercebido. Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes,
lemos esta exortação fundamental: "Mais do que os séculos passados, o
nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as novas
descobertas dos homens". Os padres conciliares entendiam que "o destino
do mundo" se achava "ameaçado" caso não surgissem "homens cheios de
sabedoria" [1]. A gravidade dessa afirmação mostra que um dos objetivos
principais do Concílio não era tanto reformar o rito da Missa ou
discutir a laicidade do Estado, em que pese toda a relevância desses
temas particulares. João XXIII e os demais bispos da Santa Igreja clamavam por sábios.
O Beato Paulo VI repercutiu o apelo de seu predecessor na famosa encíclica Populorum Progressio.
"Se a procura do desenvolvimento pede um número cada vez maior de
técnicos, exige cada vez mais sábios, capazes de reflexão profunda, em
busca de humanismo novo", exortou o Papa Montini [2]. A Igreja assistia
por toda parte a uma brutal mudança de época, que punha em risco os
fundamentos da própria humanidade. O Magistério havia de intervir para,
como fez no passado, resgatar a sociedade do abismo ao qual parecia
dirigir-se a passos largos.
É preciso notar que a preocupação de João XXIII e Paulo VI estava em profunda sintonia com a de Pio XII. Em 1953, o Pastor Angelicus fez
severas críticas ao tecnicismo, na sua tradicional Radiomensagem de
Natal. Sem ignorar os benefícios trazidos pelo progresso tecnológico,
Pio XII refletia sobre a confusão causada por esse mesmo progresso,
cujas promessas, sob muitos aspectos, levavam o homem a confundir-se com
o infinito, dando-lhe uma falsa sensação de autossuficiência [3].
De fato, o homem moderno encontra-se tão seduzido pelo fascínio das "novas descobertas" que já não se reconhece como criatura.
As campanhas publicitárias, p. ex., estão repletas de simbologias
místicas, quando não explicitamente repetem a cantilena da serpente no
jardim do Éden: "Sereis como deuses" (Gn 3, 5). A humanidade acredita poder criar-se a si mesma conforme os próprios impulsos e desejos. Qualquer apelo da lei natural
é negado de maneira contumaz. Isolado da metafísica, o ser é reduzido à
arbitrariedade, já que se trata apenas de uma massinha de modelar.
Neste sentido, temos de dar razão ao juízo formulado pela Comissão
Teológica Internacional acerca dos problemas gerados pela filosofia dos
últimos séculos:
"A física cartesiana e, depois, a física newtoniana difundiram essa imagem de uma maneira inerte, que obedece passivamente às leis do determinismo universal imposto pelo espírito divino e que a razão humana pode conhecer e dominar perfeitamente. Só o homem pode infundir um sentido e um projeto nessa massa amorfa e insignificante, que ele manipula para os seus próprios fins, pela técnica. A natureza cessa de ser senhora da vida e da sabedoria para tornar-se o lugar onde se afirma o poder prometeico do homem. Essa visão parece dar valor à liberdade humana, mas, de fato, opondo liberdade e natureza, priva a liberdade humana de toda norma objetiva para sua conduta. Ela conduz à ideia de uma criação humana totalmente arbitrária dos valores, e, até mesmo, ao niilismo puro e simples." [4]
Basicamente, podemos sintetizar a crise do homem moderno em uma única
palavra: desordem. Com a revolução provocada por René Descartes, a
pesquisa filosófica concentrou-se no conhecimento humano e em suas
limitações, deixando o tema do ser obscurecido pela dúvida
absoluta. A existência tornou-se refém do pensamento (penso, logo
existo). E é claro que uma filosofia calcada em princípios errôneos só
poderia gerar ambiguidades e ceticismo generalizados. Vemos os frutos de
uma tal mentalidade na ideologia de gênero, p. ex., a qual não
reconhece qualquer lei ou moral objetiva no dado físico do ser humano,
mas apenas uma "massa amorfa", sobre a qual se pode exercer um domínio
arbitrário, segundo a vontade de cada indivíduo. O corpo não é parte do
ser, senão apenas seu instrumento.
É preciso reordenar a filosofia. Essa missão só pode ser cumprida por
homens verdadeiramente doutos, que promovam "um olhar de sabedoria, de
ordem propriamente metafísica, capaz de abraçar simultaneamente Deus, o
cosmo e a pessoa humana" [5]. Com base em Aristóteles, Santo Tomás de
Aquino ensina que é próprio do "ofício dos sábios" ordenar e governar as
coisas para um fim. Mas não se trata de qualquer fim. O fim último da
pessoa humana é deveras a contemplação da verdade, pois foi para isso
"que a sabedoria divina encarnada veio ao mundo, como bem o afirma São
João: 'Eu aqui nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade' (Jo 18, 37)" [6].
Concluímos, a partir disso, que a ordem a ser promovida pelos sábios
exige uma reta conjugação entre fé e razão, "as duas asas pelas quais o
espírito humano se eleva para a contemplação da verdade" [7]. Sozinha, a
razão natural é incapaz de reconhecer toda a complexidade humana, ainda
que possa intuí-la de algum modo, como fizeram os filósofos clássicos.
Com a luz da fé, por outro lado, o homem pode ascender às coisas do
alto, por meio de um ato de vontade propriamente racional. Na história
da Igreja, essa harmonização entre o dado espiritual e o racional teve
grande êxito na teologia de Santo Tomás de Aquino. Por isso o Concílio
Vaticano II, nos decretos sobre a formação sacerdotal e a educação cristã, apontou-o, em primeiro lugar, como "mestre" da investigação teológica.
O homem será mais sábio quanto mais santo for.
Mostra-nos isso o patrimônio cultural, filosófico e teológico dos
grandes santos da Igreja ao longo dos séculos. Daí se compreende também o
porquê de o Concílio ter proclamado, juntamente com o apelo ao
surgimento de sábios, a vocação universal à santidade [8]. De
fato, "são os Santos que mudam o mundo para melhor, que o transformam de
forma duradoura, infundindo as energias que unicamente o amor inspirado
pelo Evangelho pode suscitar" [9]. A sabedoria de que falamos não é de
ordem meramente humana mas divina; "ganhá-la vale mais do que a prata, e
o seu lucro mais do que o ouro" (Pr 3, 13-15). Feliz o homem que a encontrou.
O Concílio Vaticano II não foi convocado simplesmente para discutir um
problema eclesial. Diferentemente dos concílios anteriores — cujo
intuito era combater alguma heresia ou problema interno da Igreja —, seu
propósito era mesmo dar uma resposta válida e justa para "as alegrias e
as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje", o que,
para tornar-se possível, exigia e ainda exige o surgimento de homens
sábios [10].
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes (7 de dezembro de 1965), n. 15.
- Papa Paulo VI, Carta Encíclica Populorum Progressio (26 de março de 1967), n. 20.
- Pio XII, Radiomensagem de Natal (24 de dezembro de 1953).
- Comissão Teológica Internacional, Em busca de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural, n. 72.
- Idem, 76.
- Santo Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios, I, 1.
- Papa João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio (14 de setembro de 1998), n. 1.
- Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de novembro de 1964), n. 39.
- Papa Bento XVI, Audiência Geral (15 de setembro de 2010).
- Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes (7 de dezembro de 1965), n. 15.
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