A liturgia
deste domingo tem como cenário de fundo o projeto salvador de Deus. No Batismo
de Jesus nas margens do Jordão, revela-se o Filho amado de Deus, que veio ao
mundo enviado pelo Pai, com a missão de salvar e libertar os homens. Cumprindo
o projeto do Pai, Jesus fez-Se um de nós, partilhou a nossa fragilidade e
humanidade, libertou-nos do egoísmo e do pecado, empenhou-Se em promover-nos
para que pudéssemos chegar à vida plena.
A primeira
leitura anuncia um misterioso “Servo”, escolhido por Deus e enviado aos homens
para instaurar um mundo de justiça e de paz sem fim… Animado pelo Espírito de
Deus, Ele concretizará essa missão com humildade e simplicidade, sem recorrer
ao poder, à imposição, à prepotência, pois esses esquemas não são os de Deus.
No
Evangelho, aparece-nos a concretização da promessa profética veiculada pela
primeira leitura: Jesus é o Filho/”Servo” enviado pelo Pai, sobre quem repousa
o Espírito, e cuja missão é realizar a libertação dos homens. Obedecendo ao
Pai, Ele tornou-se pessoa, identificou-Se com as fragilidades dos homens,
caminhou ao lado deles, a fim de os promover e de os levar à reconciliação com
Deus, à vida em plenitude.
A segunda
leitura reafirma que Jesus é o Filho amado que o Pai enviou ao mundo para
concretizar um projeto de salvação; por isso, Ele “passou pelo mundo fazendo o
bem” e libertando todos os que eram oprimidos. É este o testemunho que os
discípulos devem dar, para que a salvação que Deus oferece chegue a todos os
povos da terra.
1ª leitura: Is. 42,1-4.6-7 - AMBIENTE
42 1 “Eis meu Servo que eu amparo, meu
eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu
espírito, para que leve às nações a verdadeira religião.
2 Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
3 Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá,
4 até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra, e até que as ilhas desejem seus ensinamentos.
6 Eu, o Senhor, chamei-te realmente, eu te segurei pela mão, eu te formei e designei para ser a aliança com os povos, a luz das nações;
7 para abrir os olhos aos cegos, para tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas”.
Palavra do Senhor.
2 Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
3 Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega. Anunciará com toda a franqueza a verdadeira religião; não desanimará, nem desfalecerá,
4 até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra, e até que as ilhas desejem seus ensinamentos.
6 Eu, o Senhor, chamei-te realmente, eu te segurei pela mão, eu te formei e designei para ser a aliança com os povos, a luz das nações;
7 para abrir os olhos aos cegos, para tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas”.
Palavra do Senhor.
O nosso
texto pertence ao “livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is. 40-55).
“Deutero-Isaías” é um nome convencional com que os biblistas designam um
profeta anônimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética na
Babilônia, entre os exilados judeus. Estamos na fase final do Exílio, entre 550
e 539 a.C.; os judeus exilados estão frustrados e desorientados pois, apesar
das promessas do profeta Ezequiel, a libertação tarda… Será que Deus se
esqueceu do seu Povo? Será que as promessas proféticas eram apenas “conversa
fiada”?
O
Deutero-Isaías aparece, então, com uma mensagem destinada a consolar os
exilados. Começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída
da Babilônia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do
Egito (cf. Is. 40-48); depois, anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade
que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e
a paz sem fim (cf. Is. 49-55).
No meio
desta proposta “consoladora” aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is. 42,1-9;
49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São cânticos
que falam de uma personagem misteriosa e enigmática, que os biblistas designam
como o “Servo de Jahwéh”: ele é um predileto de Jahwéh, a quem Deus chamou, a
quem confiou uma missão profética e a quem enviou aos homens de todo o mundo; a
sua missão cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à Palavra; o
sofrimento do profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor, pois dele
resulta o perdão para o pecado do Povo; Deus aprecia o sacrifício deste “Servo”
e recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detratores e adversários.
O texto que
hoje nos é proposto é parte do primeiro cântico do “Servo” (cf. Is. 42,1-9). É
possível que a personagem a quem este primeiro cântico se refere seja Ciro, rei
dos persas, o homem a quem Deus confiou a libertação do seu Povo…
MENSAGEM
O nosso
texto tem duas partes; ambas afirmam – como se estivéssemos diante de dois
movimentos concêntricos, que partem do mesmo lugar e terminam da mesma forma –
a eleição do “Servo” e a sua missão. No entanto, a primeira desenvolve mais o
aspecto do chamamento; a segunda define melhor a questão da missão.
Na primeira
parte (vers. 1-4), afirma-se que o “Servo” é um “eleito” (“behir”) de Deus,
isto é, alguém que Deus Se dignou “escolher” (“bahar”) entre muitos, em vista
de uma função ou missão especial (cf. Nm. 16,5.7; 17,20; Dt. 4,37; 7,6.7;
10,15; 14,2; 18,5; 21,5; 1 Sm. 2,28; 10,24; 2Sm. 6,21; 1Re. 3,8; etc.). Estamos
no contexto da “eleição”, isto é, no contexto em que Deus destaca alguém de
entre muitos para o seu serviço.
A
“ordenação” do “Servo” realiza-se através do dom do Espírito (“ruah”), que dará
ao “Servo” o alento de Jahwéh, a capacidade para levar a cabo a missão: é o
mesmo Espírito que Deus derrama sobre os chefes carismáticos do Povo de Deus
(cf. Jz. 33,10; 1Sm. 9,17; 16,12-13). Animado por esse Espírito, o “Servo” irá
levar “a justiça (‘mishpat’) às nações”: será uma missão de âmbito universal,
que consistirá na implementação das decisões justas dos tribunais, base de uma
ordem social consentânea com os esquemas e os projetos de Deus. A implementação
dessa “nova ordem” não se dará com o recurso à força, à violência, ao
espetáculo, mas com a bondade, a mansidão e a simplicidade que definem a lógica
de Deus. Sobretudo, o “Servo” atuará com simplicidade, sem nada impor e sem
desanimar perante as dificuldades da missão.
Na segunda
parte (vs. 6-7), começa-se por afirmar que o “Servo” foi “chamado” pelo Senhor
e, imediatamente, passa-se à finalidade desse chamamento: instaurar “a justiça”
(“tzedeq”) – isto é, a missão do “Servo” é o estabelecimento de uma reta ordem
social. Explicitando melhor a missão do “Servo”, Deus convida-o a ser “a luz
das nações” e, em concreto, a abrir os olhos aos cegos, a tirar do cárcere os
prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas. É, portanto, uma missão de
libertação e de salvação.
Nas duas
partes, fica claro que o “Servo” é um instrumento através do qual Deus atua no
mundo para levar a salvação aos homens: ele é alguém que Deus escolheu entre
muitos, a quem chamou e a quem confiou uma missão – trazer a justiça, propor a
todas as nações uma nova ordem social da qual desaparecerão as trevas que
alienam e impedem de caminhar e oferecer a todos os homens a liberdade e a paz.
Deus não só está na origem (escolha, chamamento e envio) da missão do “Servo”,
mas acompanhará a concretização da missão e possibilitará o seu êxito: para
levar a cabo a missão, o “Servo” contará com a ajuda do Espírito de Deus, que
lhe dará a força de assumir a missão e de a concretizar.
ATUALIZAÇÃO
• A figura
misteriosa e enigmática do “Servo” de que fala o Deutero-Isaías apresenta
evidentes pontos de contacto com a figura de Jesus… Os primeiros cristãos –
colocados perante a dificuldade de explicar como é que o Messias tinha sido
condenado pelos homens e pregado na cruz – irão utilizar os cânticos do “Servo”
para justificar o sofrimento e o aparente fracasso humano de Jesus: Ele é esse
“eleito de Deus”, que recebeu a plenitude do Espírito, que veio ao encontro dos
homens com a missão de trazer a justiça e a paz definitivas, que sofreu e
morreu para ser fiel a essa missão que o Pai lhe confiou.
• A história
do “Servo” mostra-nos, desde já, que Deus atua através de instrumentos a quem
Ele confia a transformação do mundo e a libertação dos homens. Tenho consciência
de que cada batizado é um instrumento de Deus na renovação e transformação do
mundo? Estou disposto a corresponder ao chamamento de Deus e a assumir os meus
compromissos quanto a esta questão, ou prefiro fechar-me no meu canto e
demitir-me da minha responsabilidade profética? Os pobres, os oprimidos, todos
os que “jazem nas trevas e nas sobras da morte” podem contar com o meu apoio e
empenho?
• Convém não
esquecer que a missão profética só faz sentido à luz de Deus e que tudo parte
da iniciativa de Deus: é Ele que escolhe, que chama, que envia e que capacita
para a missão… Aquilo que eu faço, por mais válido que seja, não é obra minha,
mas sim de Deus; o meu êxito na missão não resulta das minhas qualidades, mas
da iniciativa de Deus que age em mim e através de mim.
• Atentemos,
ainda, na forma de atuar do “Servo”: ele não se impõe pela força, pela
violência, pelo dinheiro, ou pelos amigos poderosos; mas atua com suavidade,
com mansidão, no respeito pela liberdade dos outros… É esta lógica – a lógica
de Deus – que eu utilizo no desempenho da missão profética que Deus me confiou?
Salmo responsorial 28/29
Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo!
Filhos de Deus, tributai ao Senhor,
tributai-lhe a glória e o poder!
Dai-lhe a glória devida ao seu nome;
adorai-o com santo ornamento!
Eis a voz do Senhor sobre as águas,
sua voz sobre as águas intensas!
Eis a voz do Senhor com poder!
Eis a voz do Senhor majestosa.
Sua voz no trovão reboando!
No seu templo os fiéis bradam: “Glória!”
É o Senhor que domina os dilúvios,
o Senhor reinará para sempre!
2ª leitura: Atos 10, 34-38 - AMBIENTE
34 Então Pedro tomou a palavra e disse: “Em verdade, reconheço que Deus não faz distinção de pessoas,
35 mas em toda nação lhe é agradável aquele que o temer e fizer o que é justo.
36 Deus enviou a sua palavra aos filhos de Israel,
anunciando-lhes a boa nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o
Senhor de todos.
37 Vós sabeis como tudo isso aconteceu na Judéia, depois de ter começado na Galiléia, após o batismo que João pregou.
38 Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de Nazaré
com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e
curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele”.
Palavra do Senhor.
Palavra do Senhor.
Os “Atos dos
Apóstolos” são uma catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma
como os discípulos assumiram e continuaram o projeto salvador do Pai e o
levaram – após a partida de Jesus deste mundo – a todos os homens.
O livro
divide-se em duas partes. Na primeira (cf. At. 1-12), a reflexão apresenta-nos
a difusão do Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por ação de Pedro e
dos Doze; a segunda (cf. At. 13-28) apresenta-nos a expansão do Evangelho fora
da Palestina (até Roma), sobretudo por ação de Paulo.
O nosso
texto de hoje está integrado na primeira parte dos “Atos”. Insere-se numa
perícope que descreve a atividade missionária de Pedro na planície do Sharon
(cf. At. 9,32-11,18) – isto é, na planície junto da orla mediterrânica
palestina. Em concreto, o texto propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro
em Cesareia, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf.
At. 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e
batiza-o, bem como a toda a sua família (cf. At. 10,23b-48). O episódio é
importante porque Cornélio é o primeiro pagão a cem por cento a ser admitido ao
cristianismo por um dos Doze: significa que a vida nova que nasce de Jesus se
destina a todos os homens, sem exceção.
MENSAGEM
No seu
discurso, Pedro começa por reconhecer que a proposta de salvação oferecida por
Deus e trazida por Cristo é universal e se destina a todas as pessoas, sem
distinção de qualquer tipo (vers. 34-36). Israel foi, na verdade, o primeiro
receptor privilegiado da Palavra de Deus; mas Cristo veio trazer a “boa nova da
paz” (salvação) a todos os homens; e agora, por intermédio das testemunhas de
Jesus, essa proposta de salvação que o Pai faz chega “a qualquer nação que o
teme e põe em prática a justiça” – ou seja, a todo o homem e mulher, sem
distinção de raça, de cor, de estatuto social, que aceita a proposta e adere a
Jesus.
Depois de
definir os contornos universais da proposta salvadora de Deus, Pedro apresenta
uma espécie do resumo da fé primitiva (vs. 37-38). É, nem mais nem menos, do
que o pôr em ato a missão fundamental dos discípulos: anunciar Jesus e
testemunhar essa salvação que deve chegar a todos os homens. A leitura que nos
é proposta conserva apenas a parte inicial do “kerigma” primitivo e resume a
atividade de Jesus que “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que
eram oprimidos pelo demônio, porque Deus estava com Ele” (vers. 38). No
entanto, o anúncio de Pedro continua (embora a nossa leitura de hoje não o
refira) com a catequese sobre a morte (v. 39), sobre a ressurreição (vers. 40)
e sobre a dimensão salvífica da vida de Jesus (v. 43).
ATUALIZAÇÃO
• Jesus de
Nazaré “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos
pelo demônio”. Nos seus gestos de bondade, de misericórdia, de perdão, de
solidariedade, de amor, os homens encontraram o projeto libertador de Deus em
ação… Esse projeto continua, hoje, em ação no mundo? Nós, cristãos,
comprometidos com Cristo e com a sua missão desde o nosso Batismo,
testemunhamos, em gestos concretos, a bondade, a misericórdia, o perdão e o
amor de Deus pelos homens? Empenhamo-nos em libertar todos os que são oprimidos
pelo demônio do egoísmo, da injustiça, da exploração, da solidão, da doença, do
analfabetismo, do sofrimento?
• “Reconheço
que Deus não faz acepção de pessoas” – diz Pedro no seu discurso em casa de
Cornélio. E nós, filhos deste Deus que ama a todos da mesma forma e que a todos
oferece, igualmente a salvação, aceitamos todos os irmãos da mesma forma,
reconhecendo a igualdade fundamental de todos os homens em direitos e
dignidade? Que sentido fazem, então, as discriminações por causa da cor da
pele, da raça, do sexo, da orientação sexual ou do estatuto social?
Evangelho: Lc. 3,15-16.21-22 - AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
Naquele tempo, 3 15 como o povo estivesse na expectativa, e como todos perguntassem em seus corações se talvez João fosse o Cristo, 16 ele tomou a palavra, dizendo a todos: “Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. 21 Quando todo o povo ia sendo batizado, também Jesus o foi. E estando ele a orar, o céu se abriu 22 e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e veio do céu uma voz: “Tu és o meu Filho bem-amado; em ti ponho minha afeição”.
Palavra da Salvação.
Naquele tempo, 3 15 como o povo estivesse na expectativa, e como todos perguntassem em seus corações se talvez João fosse o Cristo, 16 ele tomou a palavra, dizendo a todos: “Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. 21 Quando todo o povo ia sendo batizado, também Jesus o foi. E estando ele a orar, o céu se abriu 22 e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e veio do céu uma voz: “Tu és o meu Filho bem-amado; em ti ponho minha afeição”.
Palavra da Salvação.
O Evangelho
deste domingo apresenta o encontro entre Jesus e João Batista, nas margens do
rio Jordão. Na circunstância, Jesus foi batizado por João.
João Batista
foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a
proximidade do “juízo de Deus”. A sua mensagem estava centrada na urgência da
conversão (pois, na opinião de João, a intervenção definitiva de Deus na
história para destruir o mal estava iminente) e incluía um rito de purificação
pela água.
O “batismo”
proposto por João não era, na verdade, uma novidade insólita. O judaísmo
conhecia ritos diversos de imersão na água, sempre ligados a contextos de
purificação ou de mudança de vida. O “mergulhar na água” era, inclusive, um
rito usado na integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo)
na comunidade do Povo de Deus.
Na
perspectiva de João, provavelmente, este “batismo” era um rito de iniciação à
comunidade messiânica: quem aceitava este “batismo” renunciava ao pecado,
convertia-se a uma vida nova e passava a integrar a comunidade do Messias.
O que é que
Jesus tem a ver com isto? Que sentido faz Ele apresentar-se a João para receber
este “batismo” de purificação, de arrependimento e de perdão dos pecados?
Para Lucas,
João Baptista é a última testemunha de um tempo salvífico que está a chegar ao
fim: o tempo da antiga Aliança (cf. Lc. 16,16). O aparecimento em cena de Jesus
significa o começo de um novo tempo, o tempo em que o próprio Deus vem ao
mundo, feito pessoa humana, para oferecer à humanidade escravizada a vida e a
salvação. No episódio do “batismo” revela-se, desde logo, a missão específica e
a verdadeira identidade de Jesus.
Em toda a
secção (cf. Lc. 3,1-4,13), Lucas segue o texto de Marcos (cf. Mc.
1,1-13), completado com algumas tradições provenientes de uma outra “fonte”,
formada por “ditos” de Jesus.
MENSAGEM
Numa
Palestina em plena efervescência messiânica, a figura e a atividade de João
fazem que surjam conjecturas sobre o seu possível messianismo. Será João esse
“ungido de Deus” (“messias”), cuja missão é libertar Israel da dominação
estrangeira e assegurar ao Povo de Deus vida em abundância e paz sem fim?
João
rejeita, de forma categórica, essa possibilidade. Ele não é o “messias”; a sua
missão (inclusive como administrador de um “batismo” de penitência e de
purificação) é, apenas, preparar o Povo para esse tempo novo que vai começar
com a chegada do verdadeiro “messias” (vers. 15-16). O “messias” que “vai chegar”
é definido por João como “aquele que é mais forte do que eu, do qual não sou
digno desatar as correias das sandálias”. “Desatar as correias das sandálias”
era tarefa dos escravos (por isso, a tradição rabínica proibia ao discípulo
desatar as correias das sandálias do seu mestre). A imagem utilizada define,
pois, João como um “escravo” cuja missão é estar ao serviço desse “messias” que
está para chegar. O “messias”, além de ser “mais forte” do que João, irá
“batizar com o Espírito e com o fogo”. Tanto a fortaleza, como o batismo no
Espírito, são prerrogativas que caracterizam o Messias que Israel esperava (cf.
Is. 9,5-6; 11,2). O testemunho de João não oferece dúvidas: chegou o tempo do
“messias”, o tempo da libertação que os profetas anunciaram, o tempo em que o
Povo de Deus irá receber o Espírito. Na perspectiva de Lucas, esta “profecia”
de João concretizar-se-á no dia de Pentecostes: o “fogo” do “messias”,
derramado sobre os discípulos reunidos no cenáculo, fará nascer um Povo novo e
livre, a comunidade da nova Aliança.
A cena do
“batismo” irá identificar claramente esse “messias” anunciado por João com o
próprio Jesus (vs. 21-22). O Espírito Santo, que desce sobre Jesus “como uma
pomba”, leva-nos a essa figura de “Servo de Jahwéh” apresentada na primeira
leitura, que recebe o Espírito de Deus para levar “a justiça às nações”. Por
outro lado, a “voz vinda do céu” apresenta Jesus como “o Filho muito amado” de
Deus (v. 22). A missão de Jesus será, como a do “Servo”, “abrir os olhos aos
cegos, tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas”
(Is. 42,7); para concretizar esse projeto, Ele irá “batizar no Espírito” e
inserir os homens numa dinâmica de vida nova – a vida no Espírito.
Na cena do
“batismo” de Jesus, o testemunho de Deus acerca de Jesus é acompanhado por três
fatos estranhos que, no entanto, devem ser entendidos em referência a fatos e
símbolos do Antigo Testamento…
Assim, a
abertura do céu significa a união da terra e do céu. A imagem inspira-se,
provavelmente, em Is. 63,19, onde o profeta pede a Deus que “abra os céus” e
desça ao encontro do seu Povo, refazendo essa relação que o pecado do Povo
interrompeu. Desta forma, Lucas anuncia que a atividade de Jesus vai
reconciliar o céu e a terra, vai refazer a comunhão entre Deus e os homens.
O símbolo da
pomba não é imediatamente claro… Provavelmente, não se trata de uma alusão à
pomba que Noé libertou e que retornou à arca (cf. Gn. 8,8-12); é mais provável
que a pomba (em certas tradições judaicas, símbolo do Espírito de Deus que, no
início, pairava sobre as águas – cf. Gn 1,2) evoque a nova criação que terá
lugar a partir da atividade que Jesus vai iniciar. A missão de Jesus é,
portanto, fazer aparecer um Homem Novo, animado pelo Espírito de Deus.
Temos,
finalmente, a voz do céu. Trata-se de uma forma muito usada pelos rabbis para
expressar a opinião de Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento. Essa
voz declara que Jesus é o Filho de Deus; e fá-lo com uma fórmula tomada desse
cântico do “Servo de Jahwéh” que vimos na primeira leitura de hoje (cf. Is.
42,1)… A referência ao Servo de Jahwéh sugere que a missão de Jesus, o Filho de
Deus, não se desenrolará no triunfalismo, mas na obediência total ao Pai; não
se cumprirá com poder e prepotência, mas na suavidade, na simplicidade, no
respeito pelos homens (“não gritará, nem levantará a voz; não quebrará a cana
fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega” – Is. 42,2-3).
Porque é que
Jesus quis ser batizado por João? Jesus necessitava de um batismo cujo
significado primordial estava ligado à penitência, ao perdão dos pecados e à
mudança de vida? Ao receber este batismo de penitência e de perdão dos pecados
(do qual não precisava, porque Ele não conheceu o pecado), Jesus solidarizou-Se
com o homem limitado e pecador, assumiu a sua condição, colocou-Se ao lado dos
homens para os ajudar a sair dessa situação e para percorrer com eles o caminho
da libertação, o caminho da vida plena. Esse era o projeto do Pai, que Jesus
cumpriu integralmente.
A cena do
Batismo de Jesus revela, portanto, essencialmente, que Jesus é o Filho de Deus,
que o Pai envia ao mundo a fim de cumprir um projeto de libertação em favor dos
homens. Como verdadeiro Filho, Ele obedece ao Pai e cumpre o plano salvador do
Pai; por isso, vem ao encontro dos homens, solidariza-Se com eles, assume as
suas fragilidades, caminha com eles, refaz a comunhão entre Deus e os homens
que o pecado havia interrompido e conduz os homens ao encontro da vida em
plenitude. Da atividade de Jesus, o Filho de Deus que cumpre a vontade do Pai,
resultará uma nova criação, uma nova humanidade.
ATUALIZAÇÃO
• No
episódio do Batismo, Jesus aparece como o Filho amado, que o Pai enviou ao
encontro dos homens para os libertar e para os inserir numa dinâmica de
comunhão e de vida nova. Nessa cena revela-se, portanto, a preocupação de Deus
e o imenso amor que Ele nos dedica… É bonita esta história de um Deus que envia
o próprio Filho ao mundo, que pede a esse Filho que Se solidarize com as dores
e limitações dos homens e que, através da ação do Filho, reconcilia os homens
consigo e fá-los chegar à vida em plenitude. Aquilo que nos é pedido é que
correspondamos ao amor do Pai, acolhendo a sua oferta de salvação e seguindo
Jesus no amor, na entrega, no dom da vida. Ora, no dia do nosso Batismo,
comprometemo-nos com esse projeto… Temos, depois disso, renovado diariamente o
nosso compromisso e percorrido, com coerência, esse caminho que Jesus nos veio
propor?
• A
celebração do batismo do Senhor leva-nos até um Jesus que assume plenamente a
sua condição de “Filho” e que Se faz obediente ao Pai, cumprindo integralmente
o projeto do Pai de dar vida ao homem. É esta mesma atitude de obediência
radical, de entrega incondicional, de confiança absoluta que eu assumo na minha
relação com Deus? O projeto de Deus é, para mim, mais importante de que os meus
projetos pessoais ou do que os desafios que o mundo me faz?
• O episódio
do Batismo de Jesus coloca-nos frente a frente com um Deus que aceitou
identificar-Se com o homem, partilhar a sua humanidade e fragilidade, a fim de
oferecer ao homem um caminho de liberdade e de vida plena. Eu, filho deste
Deus, aceito ir ao encontro dos meus irmãos mais desfavorecidos e estender-lhes
a mão? Partilho a sorte dos pobres, dos sofredores, dos injustiçados, sofro na
alma as suas dores, aceito identificar-me com eles e participar dos seus
sofrimentos, a fim de melhor os ajudar a conquistar a liberdade e a vida plena?
Não tenho medo de me sujar ao lado dos pecadores, dos marginalizados, se isso
contribuir para os promover e para lhes dar mais dignidade e mais esperança?
• No
Batismo, Jesus tomou consciência da sua missão (essa missão que o Pai Lhe
confiou), recebeu o Espírito e partiu em viagem pelos caminhos poeirentos da
Palestina, a testemunhar o projeto libertador do Pai. Eu, que no Batismo aderi
a Jesus e recebi o Espírito que me capacitou para a missão, tenho sido uma
testemunha séria e comprometida desse programa em que Jesus Se empenhou e pelo
qual Ele deu a vida?
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