Os
presentes dos Magos podem parecer estranhos a um primeiro olhar, mas
nos ensinam a reconhecer a Deus na pequenez do Menino Jesus.
Quando nasce uma criança, é costume que os familiares e amigos mais
próximos demonstrem o seu afeto e estima com presentes dos mais diversos
tipos: roupinhas e sapatinhos para agasalhar o bebê; fraldas e produtos
para cuidar da sua higiene; e, um pouco mais tarde, quando ele começar a
segurar as coisas com as mãos, brinquedos para que tenha com que se
divertir. Os padrinhos do recém-nascido talvez até comprem uma banheira,
um carrinho ou um berço, ajudando a completar o enxoval.
Mas, quando o Menino Jesus nasceu em Belém, deitado al freddo e al gelo
sobre uma manjedoura, os primeiros presentes que recebeu, de três
estranhos, não foram nada comuns. O Evangelho diz que Magos vindos do
Oriente, "abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro,
incenso e mirra" (Mt 2, 11).
Ora, o que uma criança que mal acabara de nascer podia fazer com ouro,
incenso e mirra? À parte o valor incontestável do ouro, o que uma pobre
família de Nazaré ia querer com objetos dessa natureza? Qual o
significado dessas três coisas que os Magos oferecem a Jesus e que são
lembradas, todos os anos, na Solenidade da Epifania do Senhor?
Durante a Missa da Epifania de 2010, o Papa Bento XVI, expressando a
mesma perplexidade dessas perguntas, reconheceu que os dons apresentados
pelos Magos:
"Sem dúvida, não são dons que correspondem às necessidades primárias ou quotidianas. Naquele momento, a Sagrada Família certamente teria tido mais necessidade de algo diferente do incenso e da mirra, e nem sequer o ouro podia ser-lhe imediatamente útil. Mas estes dons têm um profundo significado: são um ato de justiça. Com efeito, segundo a mentalidade em vigor nessa época no Oriente, representam o reconhecimento de uma pessoa como Deus e Rei: ou seja, são um ato de submissão. Querem dizer que a partir daquele momento os doadores pertencem ao soberano e reconhecem a sua autoridade."
A reflexão de Bento segue a linha de outros autores da Tradição da
Igreja, que associam os três presentes dados ao Menino Jesus com o
reconhecimento de Sua identidade e missão divinas. Uma antiga homilia,
de autor incerto, lembra que "a qualidade dos presentes oferecidos dava
testemunho da divindade que eles consideravam haver no menino" [1], com o
ouro se referindo à Sua realeza; o incenso, à Sua divindade; e a mirra,
à Sua humanidade.
O Papa São Gregório Magno († 604), em uma de suas homilias, oferece uma
interpretação completa [2] do que sejam esses presentes. Primeiro, ele
recorre a uma explicação literal, dizendo para que servem o ouro, o
incenso e a mirra:
"Os magos tinham ouro, incenso e mirra: o primeiro, evidentemente, corresponde a um rei; o incenso é usado no sacrifício a Deus; a mirra, por fim, embalsama os corpos dos mortos."
Depois, ele dá o sentido alegórico e místico dessa passagem, explicando aquilo em que devemos crer:
"Os Magos que adoram o Cristo também O proclamam com presentes místicos: que Ele é rei, com o ouro; que é Deus, com o incenso; e que é mortal, com a mirra. De fato, são muitos os hereges que acreditam em Deus, mas de modo algum acreditam que Ele reina em todos os lugares. Esses certamente Lhe oferecem incenso, mas o ouro não querem ofertar. São muitos também os que O estimam como rei, mas O negam enquanto Deus. Esses, como se pode ver, oferecem-Lhe ouro, mas o incenso não querem ofertar. Há muitos, enfim, que O exaltam tanto como Deus como quanto rei, mas negam que Ele tenha assumido a carne mortal. Esses oferecem-Lhe muito ouro e incenso, mas a mirra da mortalidade assumida não querem ofertar.
Nós, ao contrário, ao Senhor que nasce ofereçamos ouro, a fim de confessarmos que Ele reina onde quer que seja; ofereçamos incenso, para crermos que aquele que apareceu no tempo é o Deus que existe antes dos tempos; e ofereçamos mirra, para crermos que também assumiu a nossa carne mortal aquele em cuja divindade impassível acreditamos."
Por fim, São Gregório faz uma interpretação moral dessa passagem,
mostrando como também nós podemos ofertar ao Menino Jesus ouro, incenso e
mirra:
"Porém, no ouro, no incenso e na mirra, outras coisas se pode entender. O ouro, por exemplo, designa a sabedoria, que Salomão atesta quando diz: 'Desejável tesouro se encontra na boca do sábio' (Pr 21, 20). Pelo incenso se exprime aquilo que a força da oração incendeia diante de Deus, como atesta o Salmista: 'Seja elevada diante de tua presença a minha oração como incenso' (Sl 140, 2). Na mirra, enfim, vai figurada a mortificação da nossa carne, de onde a Santa Igreja dizer de seus servidores fiéis, até a morte, que 'suas mãos destilaram mirra' (Ct 5, 5).
Ao Rei que nasce, portanto, ofereçamos ouro, se em Sua presença resplandecemos na luz da sabedoria celeste; ofereçamos incenso, se pelo santo amor à oração queimamos os pensamentos da carne no altar do coração, a fim de andarmos no suave odor do desejo das coisas celestes; ofereçamos mirra, se pela abstinência mortificamos os vícios da carne. A mirra age, de fato, impedindo que a carne se putrefaça. A putrefação da carne mortal significa servir ao impulso da luxúria, como é dito pelo profeta: 'Conspurcaram-se os jumentos em sua imundície' (Jl 1, 17). Os jumentos se conspurcarem em sua imundície quer dizer os homens terminarem a vida na fetidez da luxúria. Ofereçamos a Deus a mirra, portanto, se pelo bálsamo da continência conservamos este corpo mortal livre da corrupção da luxúria." [3]
Outra leitura moral do que seja a mirra é encontrada nos Padres Gregos,
que põem o seu significado nas "boas obras": "Assim como a mirra
preserva da corrupção o corpo dos defuntos, assim também as boas obras conservam Cristo continuamente crucificado na memória do homem,
o qual, por sua vez, é conservado no Cristo", diz um texto atribuído a
São João Crisóstomo. "Tu, pois, quando vieres à igreja para rezar a
Deus, traz presentes em tuas mãos e dá aos que não têm, pois é enferma a
oração quando não munida da virtude das esmolas." [4]
Mais do que o ouro, o incenso e a mirra, portanto, Deus quer que
ofereçamos a Ele obras espirituais. O que Ele espera de nós
verdadeiramente são uma fé viva, uma oração pura e uma vida santa.
Não temamos, neste tempo do Natal, oferecer tudo isso diante da criança
que nasce em Belém. O Menino Jesus não é um infante qualquer, mas o
sacramento que une Deus e o homem, que faz descer o Céu à Terra. O que
que muitos teólogos modernos teimam em negar, os Magos já o sabiam. Vident enim hominem, et agnoscunt Deum: na gruta de Belém, eles "veem um homem, mas reconhecem Deus" [5].
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Para uma interpretação espiritual dessa passagem do Evangelho, associada com a virtude da religião, ouçam o TF. 277 – A estrela que proclama a glória de Deus.
Referências
- Eruditi Comentarii in Evangelium Matthaei, Homilia 2, super 2 (PG 56, 642).
- Cf. Catecismo da Igreja Católica, § 115-119.
- Homiliae in Evangelia, I, 10, 6 (PL 76, 1112). As citações das Sagradas Escrituras foram traduzidas diretamente da Vulgata Clementina.
- Eruditi Comentarii in Evangelium Matthaei, Homilia 2, super 2 (PG 56, 642).
- Suma Teológica, III, q. 36, a. 8, ad 4.
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