Quando
alguém se converte e começa a mudar os próprios hábitos para se
conformar à vontade de Deus, o mundo começa a impor-lhe a pecha de
“radical”
Quando uma pessoa se converte e começa a mudar os próprios hábitos e
comportamentos para se conformar à vontade de Deus, o mundo começa a
impor-lhe a conhecida pecha de "radical". Experimente deixar de usar
determinadas roupas, parar de fazer alguns comentários maldosos,
afastar-se da turminha "descolada" do colégio ou começar a usar algum
adereço externo que sinalize que você é católico. Imediatamente, o mundo
começará a zombar de você.
Ninguém pense que este é um sintoma exclusivo dos nossos tempos. Na
época de Santo Afonso de Ligório, ele alertava para a consequência
inevitável de quem se decidia a amar a Deus e desapegar-se do mundo:
seria escrachado e ridicularizado publicamente: "É um santo! Vede o
santo! Dá-me um pedaço de teu hábito como relíquia! Seria melhor que
fosses para o deserto! Por que não entras para um convento?" [1]. Hoje,
talvez, as palavras de zombaria sejam diferentes, mas o objetivo
do mundo é sempre o mesmo: perseguir as almas dos que querem levar uma
vida santa e fazer com que sintam vergonha de serem justos, como sentia Agostinho, antes de sua conversão: "Pudet non esse impudentem – Eu me envergonhava de ser honesto" [2].
Por que é assim?, alguém se pode perguntar. "Talvez digas: Não faço ninguém sofrer: procuro só a salvação de minha alma e por que então ser perseguida?", ao que Santo Afonso responde:
"Porque é regra que todo aquele que serve a Deus seja perseguido. (...) Os que levam uma vida perversa não podem ver que outros vivam santamente, porque a conduta destes é uma reprovação perene de seu perverso proceder" [3].
Algumas palavras das Escrituras podem ajudar a entender esse fenômeno.
Primeiro, uma profecia do próprio Senhor: "Recordai-vos daquilo que eu
vos disse: 'O servo não é maior do que o seu senhor'. Se me perseguiram,
perseguirão a vós também" (Jo 15, 20). De fato, que fez Jesus
àqueles que O perseguiam? Que mal praticou Nosso Senhor para que fosse
tão desprezado pelos de Seu tempo, recebendo de Seus algozes bofetões,
cusparadas, açoites e espinhos? Nenhum mal Ele fez, na verdade. "Ele
jamais cometeu injustiça, mentira nunca esteve em sua boca" (Is 53,
9). Mesmo assim, foi incriminado, injustiçado e castigado como o pior
dos criminosos. A Cruz de Cristo, além de sinal da nossa salvação, é a
ilustração exata de como os bons são tratados neste mundo: como ladrões e
miseráveis.
E por que é assim? Porque, como adverte São Tiago, a amizade do mundo é inimizade de Deus (cf. Tg 4,
4). Os mundanos injuriam e espreitam os santos porque estes não amam o
mundo como eles. Zombam e caçoam dos justos por não serem loucos e
mundanos como eles são.
A sua loucura, porém, acaba com a sua morte. Diante do tribunal de
Deus, de nada valem os prazeres, as honras e as riquezas com que foram
cumulados os homens nesta Terra, mas tão somente as suas almas. E então?
Como será o seu julgamento? Como agirão na presença d'Aquele que tanto
insultaram e desprezaram em vida? Perguntarão, certamente: "Senhor,
quando foi que te vimos com fome ou com sede, forasteiro ou nu, doente
ou preso, e não te servimos?" (Mt 25, 44). E Ele lhes responderá: Todas
as vezes que zombastes dos santos, caçoastes dos justos e humilhastes
os pobres, "foi a mim que o fizestes". Todas as vezes que matastes com a
vossa língua os que queriam viver a castidade, todas as vezes que
ristes de quem queria ir à Missa todos os dias e até os apelidastes
maliciosamente de "papa-hóstias", todas as vezes que tentastes arrefecer
a piedade de quem rezava o Terço, todas as vezes que humilhastes os
vossos filhos só porque eles queriam viver a virtude... Foi a mim, Jesus
Cristo, que o fizestes. Então, cumprir-se-á a palavra do Evangelho: "Aquele que me renegar diante dos homens, também eu o renegarei diante de meu Pai que está nos céus" (Mt 10, 33).
Por isso, que ninguém tema ser odiado pelo mundo ou tachado de
"radical". À parte a conotação negativa que ganhou essa palavra, o seu
real significado está ligado à ideia de raízes: quanto mais profundas,
por assim dizer, as "raízes" de uma pessoa, mais radical ela será. Antes
de elevar-se acima de todas as outras espécies de sua região, o cedro
do Líbano lança fundo as suas raízes e, depois, cresce majestosamente. A
sua estatura chega a ser comparada pelo Autor Sagrado ao progresso do
homem virtuoso: "O justo crescerá como a palmeira, como o cedro do
Líbano se elevará" (Sl 91, 13).
É para isso que o homem foi colocado sobre a Terra. Quando chamou os
Seus discípulos, Nosso Senhor não pretendia recrutar funcionários para
uma empresa ou colaboradores para uma ONG piedosa [4]. Ele queria homens
que entregassem tudo o que tinham e, por fim, a própria vida. Assim fez
São Pedro, no início de sua vocação (cf. Lc 5, 11), até a sua
morte, quando foi crucificado em Roma. Seguindo os seus mesmos passos,
também os outros Apóstolos viveram o Evangelho na radicalidade: levaram
até o martírio o seu amor a Jesus.
Assim, também nós, sejamos radicais no seguimento de Cristo.
Alegremo-nos nas perseguições, pois diz o Senhor: "Felizes os
perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus" (Mt 5,
10). Felizes, realmente felizes, são aqueles que podem cantar com Jesus
crucificado: "Mais numerosos que os cabelos da cabeça, são aqueles que
me odeiam sem motivo; meus inimigos são mais fortes do que eu; contra
mim eles se voltam com mentiras!" (Sl 68, 5).
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Pe. Saint-Omer. Escola da Perfeição Cristã, p. 53
- Confissões, II, 9: PL 32, 682
- Pe. Saint-Omer. Escola da Perfeição Cristã, p. 54
- Cf. Papa Francisco, Santa Missa com os Cardeais na Capela Sistina, 14 de março de 2013
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