Temos
de um modo geral todos nós, uma grande facilidade em julgarmos os
outros, em estabelecermos parâmetros e “verdades” sobre os demais,
convencendo-nos que eles são exatamente como nós os vemos e sentimos.
Poderíamos
olhar para nós verdadeiramente, e logo perceberíamos que, a face que
apresentamos não reflete a maior parte das vezes a nossa interioridade, e
muito mais até, quando nos referimos à nossa prática religiosa.
E
é bem verdade que devíamos, devemos, ser testemunhas a todo o tempo do
dom da Fé que nos foi dado, da alegria da vida que em nós foi criada, da
certeza de sabermos, acreditarmos que o nosso Deus está sempre
conosco, mas a verdade é que há sempre uma parte da nossa relação com
Deus que apenas exprimimos na nossa intimidade com Ele.
Os
momentos de oração em que sozinhos com Deus, nos baixamos na nossa
fraqueza para subirmos até Ele, (mesmo em momentos de aridez), ficam nos
nossos corações, e não somos capazes, a maior parte das vezes, de os
transmitir, não só pela incapacidade das palavras, mas também para
preservamos em nós essa doce alegria de olharmos humildemente nos olhos
de Deus e nos sentirmos profundamente amados, amando-O com o Seu amor.
É
assim muito fácil para os outros, (tal como nós fazemos em relação a
eles), fazerem juízos sobre nós, sobre os nossos procedimentos, sobre
como tantas vezes parece que o que dizemos, que o que apregoamos, não
coincide com o que fazemos, com o que praticamos.
E
então estabelecemos padrões, considerando que uns são orgulhosos e
vaidosos, outros são falsos, outros apenas querem dar nas vistas, outros
ainda nada sabem, nem têm conhecimentos, não cuidando de percebermos se
essas fraquezas que lhes apontamos não são afinal um “espinho carne” 2Cor 12,7, que eles diariamente confrontam e combatem, por vezes com um esforço heroico que os leva a abdicarem de si, do seu conforto, para entregarem a Deus o seu sacrifício em penitência pelas suas fraquezas.
Sabemos
lá nós dos caminhos de amor que Deus coloca a cada um, servindo-se das
fraquezas, para fortalecer as forças, servindo-se do orgulho, para
lutarmos pela humildade, servindo-se dum feitio adverso, para construir a
Sua vontade?
É
tão fácil julgar os outros, não sabendo das suas lutas diárias, da sua
dedicação e empenho à conversão, das suas desilusões e tristezas quando
em determinados momentos perdem essa luta, e têm de recomeçar de novo!
Resta-nos e consola-nos o amor de Deus, que quando caímos nos vai dizendo em cada momento:
«Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» Jo 8,11
Vem
isto tudo a propósito de recentemente ter tido conhecimento, que uma
determinada pessoa que muito bem conheci, já falecida, lutava
diariamente com as suas fraquezas, com o seu especial modo de ser, e
que, num amor profundo aos seus mais chegados, foi capaz de se entregar
sem medida para combater as suas fraquezas e para se dar em sofrimento
pela salvação dos seus.
Essa
pessoa foi capaz de, (depois de ter consultado o seu diretor
espiritual), usar um cilício à volta da cintura, bem como flagelar-se,
não como um uso espúrio do sofrimento sem sentido, mas forçosamente para
se unir à Paixão de Cristo, como expiação das suas faltas e sobretudo
entregando-se pela salvação dos seus.
E
eu, no meu íntimo, “julguei” muito essa pessoa, o seu feitio, a sua
maneira de ser, e não fui capaz de reconhecer as provações, as
dificuldades, que um tal modo de ser acarreta a quem quer fazer e viver a
vontade de Deus no dia-a-dia.
Não
fui capaz de reconhecer que muito mais do que pedir por uma boa vida,
(ao jeito do mundo), para quem se gosta, é pedir uma vida com Deus e
para Deus, que dá tudo o que precisamos do mundo, e dá o todo que vai
para além do mundo.
Nunca é tarde para percebermos o que devemos mudar em nós.
Nunca é tarde para percebermos que não devemos julgar, porque nunca vemos o todo daquele que julgamos.
Nunca é tarde para reconhecermos que erramos, e pedirmos perdão a Deus e àquele a quem julgamos, mesmo que já não esteja entre nós.
Dou graças a
Deus por me ter revelado este fato, e por ter colocado na minha vida
essa pessoa que assim me ensina, ainda, a ser melhor, e a procurar o bem
para os outros e para mim, aceitando e tentando dar de mim, tudo o que
for da vontade de Deus.
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